quinta-feira, 5 de julho de 2012

Fim das buscas? - Max Milliano Melo‏

Pesquisadores anunciam descoberta de partícula compatível com as características do bóson de Higgs. Procurada havia mais de 50 anos, a estrutura subatômica é responsável pela formação da matéria 



Max Milliano Melo
Brasília – Ele já recebeu vários apelidos: a partícula de Deus, o anjo da criação ou o tijolo do universo. Todos os nomes – detestados pelos cientistas – são para descrever uma intrigante partícula subatômica que, há quase cinco décadas, vem desafiando pesquisadores, o bóson de Higgs. Originada no big bang, evento que resultou no surgimento do universo, a estrutura seria responsável por dar massa à matéria (daí os apelidos), mas nunca teve sua existência experimentalmente comprovada. Cientistas do Centro Europeu de Estudos Nucleares (Cern, na sigla em francês) anunciaram ontem que podem ter finalmente encontrado a tão esquiva partícula. Em um anúncio que contou com a presença do próprio Higgs, os cientistas disseram ter encontrado uma partícula que provavelmente é o bóson de Higgs. Apesar da cautela, especialistas ouvidos pelo Estado de Minas garantem que é improvável tratar-se de outra estrutura que não a buscada há mais de 50 anos

Os resultados anunciados, baseados em observações de 2010 a 2012, são de uma estrutura inédita. “Sabemos que deve ser um bóson e é o mais pesado já encontrado”, anunciou Joe Incandela, o porta-voz do experimento CMS – um dos dois que, de maneira independente, tentam encontrar a partícula. “As implicações são muito importantes e é precisamente por essa razão que devemos ser extremamente diligentes em todos os nossos estudos.”

O tom de cautela reside no fato de que, embora seja bastante difícil que a partícula não seja a tão procurada, a sua descoberta será um dos anúncios mais importantes da ciência nos últimos séculos. 

Superacelerador A descoberta só foi possível graças ao maior, mais complexo e um dos mais caros equipamentos científicos já projetados pelo homem, o Grande Colisor de Ádrons (LHC, na sigla em inglês), um gigante enterrado entre a França e a Suíça. O equipamento, conhecido popularmente como acelerador de partículas, lança feixes de prótons ou íons em direções opostas, em um pequeno túnel circular. Quando se chocam, as partículas liberam estruturas básicas de sua composição, que são detectadas pelo equipamento. O grande desafio que duas equipes independentes – Atlas e CMS – tiveram que vencer foi detectar exatamente a partícula-chave, uma tarefa mais difícil do que encontrar um rosto amigo dentro de um estádio com mais de 100 mil pessoas, conforme declarou o Cern.

Caso a partícula encontrada seja mesmo o bóson de Higgs, o Modelo Padrão de Partículas, teoria que norteia os estudos da física, estará confirmado, já que todas as 31 demais estruturas previstas no modelo já foram localizadas e observadas, sendo o bóson a última peça do quebra-cabeça da organização da matéria. Se se tratar de uma partícula não prevista no modelo vigente, os pesquisadores precisarão repensar toda a forma como acreditam ser estruturada a matéria. 

A existência do bóson de Higgs foi proposta em 1964 pelo físico britânico Peter Ware Higgs. Segundo o modelo, existiria uma partícula subatômica – menor que o átomo – que interagiria com as demais partículas existentes no universo. O resultado dessa interação poderia ser novas partículas com massa, como é o caso da matéria; ou sem massa, como ocorre com a luz. 

“Fazendo uma analogia, é como se as partículas do universo estivessem dispostas em um self-service. O bóson de Higgs é uma pessoa que enche diversos pratos com variações na quantidade e disposição dos mesmos ingredientes disponíveis ali”, explica o pesquisador do Instituto de Física da Universidade de Brasília Eduardo do Couto e Silva.

Em no máximo 12 meses, os pesquisadores deverão ter a resposta definitiva para a nova pergunta que se abriu ontem. Seria mesmo e estrutura encontrada o bóson de Higgs? “Cada tipo de partícula tem uma espécie de CPF, que é o número quântico que a difere das demais. Os pesquisadores se dedicarão agora a analisar a estrutura encontrada para confirmar se ela é mesmo a partícula de Higgs”, explica o físico da UnB. “Embora seja possível, é muitíssimo improvável que não seja a partícula.” 

O pesquisador do Cern Rogerio Rosenfeld, que participa do estudo revolucionário, explica que, embora os pesquisadores pretendam se aprofundar na questão, a partícula detectada tem as características exatas previstas para a estrutura.“O LHC funcionará até o fim do ano e deverá acumular pelo menos o dobro de dados que tem agora, permitindo uma analise mais detalhada”, completa.

Estratégia comercial

A origem do apelido não se deve a um pesquisador, mas a uma editora de livros. Quando o vencedor do Nobel de Física de 1988, Leon Lederman, terminou de escrever, em 1993, um livro sobre o assunto, o nomeou como The Goddamn particle (algo como maldita partícula) devido à dificuldade que os cientistas enfrentam para localizá-la. Mas o editor achou o termo pouco impactante e sugeriu The God particle (A partícula de Deus), termo do qual os cientistas nunca mais conseguiram se livrar.

Nobel à vista

Além de toda a expectativa gerada pela demora na sua detecção, a função do bóson de Higgs, de dar ou não matéria às estruturas do universo, torna a sua comprovação ainda mais importante. “Pesquisas realizadas no Cern em 1989 resultaram na descoberta dop bóson Z e fizeram com que os pesquisadores da organização vencessem o prêmio Nobel de Física. A descoberta de ontem, se confirmada, será algo ainda maior e mais importante, e provavelmente resultará em um Nobel para o centro”, opina Eduardo do Couto e Silva, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de Brasília.

A opinião do pesquisador brasileiro é a mesma do famoso físico norte-americano Stephen Hawking. “Esse é um resultado importante e deveria dar a Peter Higgs o Prêmio Nobel”, comentou ontem o pesquisador, em entrevista ao canal britânico BBC News. O físico, que chegou a apostar com um colega que a partícula não seria encontrada, comemorou os resultados, considerados por ele “revolucionários”. “Mas, de certa forma, é uma pena porque os grandes avanços na física nascem de experiências que deram resultados que não esperávamos. Por isso é que apostei com Gordon Kane, da Universidade de Michigan, que a partícula de Higgs não seria encontrada. Parece que acabei de perder US$ 100”, completou. (MMM)

PALAVRA DE ESPECIALISTA » Triunfo esplendoroso 
Frank Wilczek

cientista dos EUA, vencedor do Nobel de Física em 2004
A declaração do Centro Europeu de Estudos Nucleares de uma possível vitória na busca pela partícula de Higgs é um triunfo de muitas formas esplendoroso. Caso se confirme (a existência do bóson), concluiremos a confirmação do Modelo Padrão da Física Fundamental, trazendo uma perspectiva nova e esplêndida da supersimetria e desmentindo teorias rivais. Mais, fundamentalmente, reafirmará nossa fé científica de que a natureza funciona de acordo com leis precisas, ainda humanamente compreensíveis e, o mais importante, recompensa o nosso compromisso moral de testar nossas convicções de forma rigorosa.
PERSONAGEM DA NOTíCIA » Volta triunfante 
peter higgs,
físico britânico
O físico britânico Peter Higgs teve uma epifania genial em 1964 ao postular a existência de uma partícula subatômica que se assemelha a uma espécie de cola onde as partículas ficariam mais ou menos presas. A ideia resultou em um artigo científico, rejeitado pela revista Physics Letters, na época editada pelo Centro Europeu de Estudos Nucleares, organização que o recebeu ontem com aplausos para o esperado anúncio. “Eu nunca imaginei que isso aconteceria comigo em vida”, disse, em um vídeo, o tímido inglês de 83 anos que leva uma vida pacata na cidade de Edimburgo, onde lecionou por muitos anos. Depois da rejeição inicial do Cern, uma segunda versão mais elaborada do documento foi publicada nos EUA. “Ele é um homem com modos muito suaves e educados, mas que se torna difícil se você disser algo errado no campo da física”, disse à AFP Alan Walker, que se aposentou depois de trabalhar com Higgs. Nascido em 29 de maio de 1929 em Newcastle, norte da Inglaterra, Higgs tem um doutorado pelo King’s College de Londres, vários títulos honorários e prêmios, e vem sendo citado como um possível candidato ao Prêmio Nobel. Ateu, Higgs também não gosta da alcunha para esse bóson, a partícula de Deus.
Estado de Minas
05/07/2012

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