terça-feira, 10 de julho de 2012

Bois de Bologne - Alcione Araújo‏

"Tragado pela globalização, o país se rendeu à língua tecnológica do mercado" 
 
Alcione Araújo


 
Mais que lei municipal, dar nome a prédio – residencial, comercial ou condomínio – é prática que o marketing manipula na estratégia de venda. O batismo, que teve motivações afetivas, hoje induz o comprador a crer que, morando no imóvel, viverá os estados (ou status?) de espírito sugeridos pelo nome. Para quem crê em mágica!

No começo, as casas louvavam as matriarcas na fachada: Villa Madalena, Dolores, Lorena. Logo, a tradição impôs a fé: os prédios se chamavam São José, Reis Magos, Santa Inês, São Marcos. Ou cultuavam heróis: Edifício Tiradentes, Cláudio Manoel da Costa. Ou poderosos: Edifício Pedro II, Maurício de Nassau, José Bonifácio, Getúlio Vargas, etc. Ou famílias notáveis: Palacete Dantas, Solar Matarazzo, Parque Guinle, Edifício Martinelli. Na era do Brasil-brasileiro, de fé no desenvolvimentismo, tudo o que era nativo, pessoas ou coisas, tinha valor: Edifício Jequitibá, Araucária, Jacarandá, Ipê, Magnólia. Ou Edifício Ametista, Topázio, Safira. Ou de municípios ou estados: Edifício Bahia, Belém, Natal. De origem geográfica: Edifício Rio Bravo, Mantiqueira, Itambé, Copacabana, Sete Quedas, Praia Grande. De animais e aves: Edifício Gaivotas, Andorinha, Uirapuru, Albatroz, Moby Dick, Juriti, Beija-flor... 

Os construtores descobriram o mundo e convenceram compradores de que seriam cosmopolitas morando nos edifícios Roma, Paris, Lisboa, Nova York. Ou herdariam na compra o charme da cidade: Edifício Ibiza, San Remo, Saint-Tropez, Biarritz, Cap Ferrat, Juan les Pins. Ou a nobreza de castelos e palácios: Edifício Versalhes, Rochefoucauld, Chambord, Chantilly, Windsor, Fontainebleau ou Liechtenstein. Ou o luxo da região: Edifício Mediterrâneo, Alpes, Adriático, Champs Elysées. Ou a beleza das flores: Edifício Bougainville, Flamboyant, etc. Era chique nome francês!

Enfim, acharam a arte e, como em Paris, puseram nome de artista: Edifício Dante Alighieri, Machado de Assis, Lima Barreto, Castro Alves, Cervantes, Shakespeare, Camões, Baudelaire. E personagens: Edifício Capitu, Gabriela Cravo e Canela, Anna Karenina, Diadorim, Dom Quixote, etc. A arte que transferia elegância, cultura e charme ao morador era a música erudita: Edifício Beethoven, Mozart, Brahms, Vivaldi, Stravinsky, Chopin, Debussy, Bach, Wagner, Mahler, Tchaikovsky, Ravel, Verdi. Nativo, só Villa-Lobos. Os populares nada agregavam em luxo e nobreza. 

Só a pintura tinha mais charme que a música. E tome Edifício Velásquez, Da Vinci, Kandinski, Salvador Dalí, Renoir, Miró, Portinari, Picasso, Paul Cézanne, El Greco, Michelangelo e até Van Gogh – onde o charme e a elegância na biografia do gênio depressivo com surtos mentais, que cortou a própria orelha e se matou na miséria?

Tragado pela globalização, o país se rendeu à língua tecnológica do mercado global. Prédios inteligentes e sustentáveis têm no nome o conceito do projeto, seco e frio: Business Center, Quality House, Central Park Prime, Green Park, Wave Residence, Black Stone, Onlimited Ocean Front, Independenza e Jardins de Provence até o multilíngue Chateau Monet Residence Garden. Daí o famoso comprador que ensina, ao celular, a anotar o nome do seu prédio: “Escreva bois. Boi, o marido da vaca. Diz-se boá, mas escreve bois. Boá de bolonhe”. E soletra: 
“B, o, u, l, o, g, n, e”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário