domingo, 15 de julho de 2012

Barbara Gancia - Meu pacto com Woody Allen

Fantástico esse Woody Allen, não? Pode ir formando na sua mente a imagem do cineasta metido numa fantasia de coelhinho da Duracell batendo dois pratos dourados nas mãos, a rodar. Sem parar, rodando e batendo, rodando e batendo... Ele é tão extraordinário que outro dia eu decretei aqui a sua morte e agora já o estou ressuscitando, dando uma polidinha no coelho, levantando suas orelhinhas e colocando o bicho de novo para funcionar.

Da vida nada se leva, curta o momento, veja a beleza nas pequenas coisas. Não há significado maior em nada ou coisa qualquer que valha a pena, que dirá algo que venha nos dar a real dimensão do sofrimento ou a mesquinhez que enfrentamos nesta vida terrena. Desde "Vicky Cristina Barcelona", Woody Allen vem nos preparando para seu ocaso. Parece nos dizer: "Olha, não há mais nada pelo que se agitar. Eu já fiz os filmes que queria.

Se desejam mais, vocês podem ir procurar em outro canto, porque deste mato não sai mais coelho. Mas podemos fazer o seguinte: eu preciso continuar em movimento, odeio a ideia da morte. E vocês não conseguem abrir mão daquelas duas horinhas de prazer que eu proporciono a cada ano ou dois. Então a gente pode fechar assim, sem maiores compromissos: nos encontramos na sala de cinema de tempos em tempos, vocês não me cobram demais nem eu me esforço até enfartar, pode ser?".

Quer saber? Por mim está de ótimo tamanho. Antes Woody Allen em um dia ruim do que um "Transformers" tinindo de bão. Tome, sr. Allen, leve meu dinheiro, pode levar todinho. "Meia-Noite em Paris" foi um filme desleixado, feito com a grana do governo Sarkozy para mostrar a Carla Bruni? Tudo bem, o próximo não será.

E, de fato, eu já fui sabendo que não iria ver nenhum "Annie Hall" e tive uma noite muito agradável assistindo a "Para Roma Com Amor".

Woody encontrou um jeito de seguir adiante. Chega a ser heroico que um cara que todo o público identifica com seus personagens consiga continuar a manter uma distância entre aquilo que é real e o que não é depois de todos os escândalos que aconteceram em sua famosa vida pessoal. Diria que é para lá de respeitável que ele tenha conseguido sobreviver a isso tudo, à quase falência e ainda ouse dirigir filmes. No mínimo, estamos falando de um sujeito singular e equilibrado que merece ser celebrado.

Está certo que há momentos, especialmente desde "Vicky Cristina Barcelona", que um filme de Woody Allen chega a parecer aquelas festas tradicionais da Amazônia ou do Maranhão, ou mesmo desfile de escola de samba, patrocinados por marca de sabão em pó ou secretarias de Cultura de Estado, sabe?

A gente tem ciência de que Woody Allen entrou em franca decadência e ele não nega, estamos nisso juntos. Mas é charmoso e uma anedota bem mais engraçada do que o homem que só canta ópera no chuveiro que ele se proponha a discutir a inutilidade da celebridade quando é justamente do que restou dela que ele agora está ganhando o pão de cada dia. Artisticamente, Woody Allen nunca foi disso. Mas o mundo está que é um badulaque só.

Eu mesma hoje estou aqui provando por a mais bê que papel aceita qualquer desaforo. Aceita ver uma coluna seguida de outra renegando tudo o que foi escrito há 15 dias. Woody tem razão. Tudo já foi dito, pintado, cantado, recitado, filmado e escrito. Que tal apenas relaxar e curtir o momento?

Revista SP
Folha de S.Paulo
15/07/2012

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