sábado, 9 de junho de 2012

Simplesmente perfeito(João Gilberto) - João Paulo‏

Livro sobre a obra musical de João Gilberto, organizado por Walter Garcia, chega hoje às livrarias brasileiras.

Volume reúne contribuições de especialistas de vários países João Paulo João Gilberto revolucionou a maneira de tocar violão e cantar, criando o mais influente estilo da música popular brasileira no século 20 João Gilberto, o maior cantor do mundo, ainda é pouco conhecido. Pode parecer exagero afirmar que o artista, considerado nos quatro cantos do planeta como um dos mais influentes criadores do século 20, colecionando admiradores que vão de Miles Davis e Eric Clapton, passando por Dorival Caymmi e Hermeto Pascoal, ainda precisa ser descoberto. No entanto, ao lado da contribuição estética de João Gilberto foi se erigindo uma barreira que impediu o público de avaliar a real dimensão de sua obra. Muitos elementos contribuíram para isso, da personalidade arredia de João ao folclore em torno de sua figura. Além disso, em 60 anos de carreira (amanhã o cantor completa 81 anos), João Gilberto foi alvo de interesse mais em razão da dimensão sociológica de sua música do que propriamente estética. Há muitas reportagens, depoimentos, estudos e livros de história cultural, que se concentram no surgimento, ascensão e diáspora da bossa nova – criada por João e Tom Jobim –, mas que se detêm na hora de explicar de forma compreensível o que significa, de fato, a revolução da bossa na música popular. Walter Garcia teve uma boa ideia: reunir tudo que se pode dizer sobre João Gilberto e que até agora não foi dito ou ficou espalhado em publicações de difícil acesso. O resultado é o denso volume João Gilberto, organizado por ele, que chega hoje às livrarias. São mais de 500 páginas, com dezenas de autores de vários países, que dão conta da obra do cantor e compositor baiano. Autor do mais importante estudo técnico sobre a contribuição de João Gilberto para a música brasileira (Bim Bom: a contradição sem conflitos de João Gilberto), publicado em 1999, Walter Garcia é professor do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, e a pessoa certa para o empreendimento, já que sua admiração pelo cantor nunca ficou na periferia da obra. Além disso, seus conhecimentos musicais permitem alargar a compreensão do legado “joãogilbertiano” muito adiante do fenômeno da bossa nova. Composto de textos espargidos em revistas, ensaios acadêmicos, livros e jornais, João Gilberto vai marcar o panorama dos estudos sobre música popular brasileira. Em primeiro lugar, o organizador não perde tempo a republicar trabalhos e interpretações já conhecidas e canônicas. Os textos selecionados ou inéditos, de 42 autores de países e formações variadas, trazem sempre novidades ou revelações. Tudo que está, por exemplo, no livro de Rui Castro (Chega de saudade) ou no próprio trabalho de Walter Garcia, ficou de fora, em favor de textos com novas informações e abordagens. O mesmo se dá com reportagens e depoimentos antigos. O célebre artigo em que Chico Buarque, em 1968, defendia o papel de João no rompimento das estruturas da canção (“Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha”), não foi incluído, já que está disponível em outras coletâneas e sites. No entanto, a conhecida análise de Caetano Veloso sobre a “retomada da linha evolutiva” aparece em seu contexto original, com a transcrição do debate no qual a expressão foi proferida, material até então pouco acessível. Samba cubista Com textos que vão de uma entrevista de João Gilberto à revista Radiolândia, em 1959, a ensaios escritos especialmente para o livro, o volume pretende abarcar várias facetas da arte e personalidade do cantor. A coletânea é dividida em quatro partes. Na primeira, “De conversa em conversa: entrevistas”, o retrato que surge do artista vai na contracorrente da atual indústria das celebridades. João Gilberto fala pouco, porque parece só falar quando tem algo a dizer. Das entrevistas, é possível destacar uma ética que comanda sua estética: a busca da simplicidade que percorre as mais exigentes estações da construção musical. A segunda seção, “Presença de João: crônicas e depoimentos”, é divida em três partes. Na primeira estão artigos que fazem o elogio da arte do cantor baiano em estado nascente, no calor da hora, por nomes como Antônio Maria e Vinicius de Moraes. A segunda, “Um músico entre músicos”, é um apanhado de depoimentos de nomes como Dorival Caymmi, Oscar Castro Neves, Turíbio Santos, Paulo Bellinati, Jon Hendricks, Hermeto Pascoal e Chick Corea, entre outros, que destacam aspectos distintivos no canto e no violão de João Gilberto. Fechando a seção, um “Antianedotário” mostra o profissionalismo de um músico que, em matéria de apresentações públicas, se desdobra até o limite para oferecer a perfeição. A terceira seção de artigos, “A linha evolutiva”, retoma a inspiração de Caetano Veloso para pôr em discussão, a partir do trabalho de João Gilberto, os caminhos abertos para a música popular brasileira. A última parte do livro, “Caminhos cruzados: ensaios, perfis e resenhas”, é a mais forte e substancial do volume, com estudos técnicos sofisticados de autoria de especialistas de várias áreas, o que mostra a centralidade da música na cultura brasileira. Guilherme Wisnik analisa a ideia de beleza sem esforço, propondo comparações entre a bossa nova e a arquitetura moderna. Na mesma linha dialógica, Heloísa Staling analisa a obra de João Gilberto e a literatura de Guimarães Rosa, como representativas de um projeto inventivo de criação de uma linguagem poética brasileira. O crítico de arte Ronaldo Brito propõe o uso do cubismo, escola da área das artes visuais, para definir o samba de João Gilberto. Europa, EUA e Japão Um dos destaques do livro é a participação de jornalistas e analistas estrangeiros, que ajudam a dar dimensão mais real do impacto da bossa nova e, mais especificamente, da obra de João Gilberto na cultura contemporânea. Christopher Dunn, professor da Universidade de Tulane (Nova Orleans), analisa a incorporação da bossa nova à história do jazz americano no começo dos anos 1960. Luca Bacchini, da Universidade La Spienza, de Roma, propõe uma “dialética do mal-entendido” para avaliar a recepção de João Gilberto na Itália, a partir das interpretações do cantor de clássicos do cancioneiro daquele país. Anaïs Fléchet, professora da Universidade de Versailles Saint-Quentin, evoca a entrada a bossa nova na França, dentro da perspectiva jazzística. Por fim, o produtor Jin Nakahara revela as relações do cantor com o Japão (João Gilberto aparece como um conhecedor da cultura japonesa e do zen-budismo). Uma das revelações que integram o livro é a entrevista com Sonny Carr, baterista norte-americano que tocou no clássico “disco branco” de João Gilberto. Espécie de lenda, muitas pessoas acreditavam que Carr não passava de um pseudônimo criado para driblar exigências contratuais. Christopher Dunn não apenas localiza o músico como consegue também uma entrevista deliciosa com o baterista. “Procurando Sonny” conta que o baterista aprendeu a tocar samba praticando horas e horas com João Gilberto, que a sonoridade da percussão ouvida no disco vem de uma cesta de vime do quarto de hotel, tocada com vassourinhas, que depois dos discos gravados com João (além do “disco branco”, ele tocou em The best of the two worlds, com Stan Getz) ainda manteve contato com ele em longos telefonemas. Sonny Carr morreu em abril do ano passado, poucas semanas depois de conceder a entrevista. Como obra de referência, João Gilberto traz ainda cronologia da vida e obra do cantor, discografia e bibliografia selecionada. João Gilberto Organização de Walter Garcia Editora Cosac Naify, 512 páginas, R$ 215 Isto é João Gilberto Trechos do livro “Aproximar-se dele é uma proeza, mesmo para seus íntimos. Capaz de entreter seus interlocutores durante horas ao telefone, de provocar admirações excessivas com suas canções sussurradas e conversas fascinantes sob a proteção do telefone, o intérprete mais procurado do Brasil ama os outros de longe e os detesta de perto, pela complacência deles diante da imperfeição, pela indiferença que demonstram diante do valor infinito do trabalho. Com João Gilberto, o exercício da entrevista, repleto de armadilhas, tem a ver com a história do gato escaldado. Cada pergunta atrai o seu duplo invertido.”
Entrevista de Véronique Moertaigne, Le Monde, 25/5/91

“Apenas a voz e o violão de João Gilberto já são a quintessência de sua própria orquestra. Para mim ele está no nível mais alto da música de câmara clássica, mas com uma paixão muito mais vívida. Acho que a música e a comunicação fluem acima do nível do significado direto das palavras, e é por isso que, nas canções do João Gilberto, o impacto das palavras acaba um pouco eclipsado pela beleza da música que sustenta a letra. E, de fato, no caso desse artista, o som da língua portuguesa jamais poderia ser substituído por outra língua.” Chick Corea, pianista e compositor

“Ha algum tempo escrevi que talvez João Gilberto fosse o cara mais cool sobre a face da Terra. Pois eu continuo pensando do mesmo jeito, e acho que ele é um cantor de um talento incomparável. Ou melhor, se fosse compará-lo com outro cantor americano, acho que o único que estaria à altura de João Gilberto seria Frank Sinatra. Mas, ainda assim, acho que João Gilberto é maior porque todo o estilo musical, a bossa nova, foi criado em torno dele.” Jon Pareles, crítico de música do The New York Times

“João Gilberto e Guimarães Rosa compartilharam o mesmo tempo da obra. Ambos expuseram as principais diretrizes de seus projetos de linguagem – além de apresentarem o essencial de sua produção – em consonância com um mesmo mundo intelectual e político. Diante desse mundo, construíram projetos de linguagem que, num sentido muito preciso, ainda hoje funcionam como uma forma de ação – um ato de fala – que cada um deles produziu para reagir a fatos presentes ou criar futuros.” Helóisa Maria Murgel Starling, professora da UFMG

“O violão brasileiro não se prestava a esse tipo de coisa como o João faz hoje. Ele tinha somente duas funções: ou era solo, com aquele repertório tradicional, ou então fazia parte da formação dos conjuntos regionais. Cavaquinho no agudo, o bandolim, o violão de sete cordas, pandeiro. Sabe o que o João fez? Subtraiu na formação do regional. Retirou os agudos do cavaquinho e do bandolim. Retirou o pandeiro. E retirou o violão de sete cordas. Com todas essas subtrações ele teve que redimensionar o violão inteiro, senão seria só prejuízo, perda.” Aderbal Duarte, violonista e compositor

Estado de Minas 09/06/2012

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