Há uns cinco anos, fui pela primeira vez a uma rave, levado pelo cineasta Marcos
Prado. Estávamos os dois realizando pesquisa de campo — eu, procurando saber
quais eram as diferenças entre a juventude de 1968 e a de 40 anos depois. Marcos
querendo entender uma geração, ou melhor, uma tribo, que busca resposta para
seus impasses nas drogas sintéticas, na música eletrônica e nas relações
abertas. Para quem tinha a idade de ser avô da maioria daqueles 20 mil jovens
que dançaram e pularam até as 7 da manhã, foi uma experiência alucinante, sem
precisar de alucinógeno.
O resultado de minhas observações foi parar no
livro "68 — o que fizemos de nós" (no capítulo "A primeira rave a gente não
esquece"). O de Marcos está no filme "Paraísos artificiais", que vi no último
fim de semana. Acho que ninguém como ele conseguiu captar com tanta fidelidade o
delírio, a sinestesia de imagens e sons, e a explosão descontrolada de sensações
dessas festas de celebração dos sentidos. Tudo graças ao conhecimento de causa
de quem frequentou uma dezena de raves, até nos EUA, visitou clínicas, conversou
com dependentes, entrevistou psicólogos, sociólogos, antropólogos e garotos de
classe média envolvidos com o tráfico (chegamos a acompanhar uma das maiores
operações policiais de apreensão de entorpecentes e prisão de traficantes de
classe média no Rio). Mas graças também à genial fotografia de Lula Carvalho. Há
sequências em que é como se a câmera estivesse reproduzindo os efeitos do
ecstasy.
Essa viagem sensorial serve de fundo para um tumultuado caso de
amor entre uma bela DJ de música eletrônica — a deslumbrante Nathalia Dill — e
um rapaz que se envolve com o tráfico internacional e passa quatro anos na
cadeia. A ação se estende até Amsterdã e exibe ousadas cenas de sexo, na verdade
mais aliciadoras do que os flagrantes de ingestão de peiote, por exemplo, que
podem levar a uma bad trip. Por isso, é provável que a garotada que lotava a
sessão tenha saído com mais vontade de fazer amor do que de consumir uma "bala",
até porque "Paraísos artificiais" aborda o tema sem preconceito, sem
proselitismo ou apologia, e sobretudo sem pregação moralista.
O retrato
da tribo feito por Marcos Prado lembra o diagnóstico de Frei Betto, que atribui
à falta de um projeto, uma utopia, o desencanto de parte da juventude de hoje. O
pior é que o vácuo é preenchido com o oposto, a desesperança, a distopia. Os
livros e filmes distópicos são a moda entre os adolescentes, como mostrou uma
reportagem de Leonardo Cazes. Em vez de querer mudar o mundo, há os que preferem
criar um universo paralelo.
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Diante das versões sobre o
encontro Lula-Gilmar-Jobim, em que cada um deles mente um pouco, como ensinar à
minha neta Alice que é feio mentir? A não ser mentindo.
O Globo
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