domingo, 11 de março de 2012

PERFIL: NANÁ VASCONCELOS - Ana Clara Brant‏

Um cara de personalidade Naná Vasconcelos orgulha-se de não pertencer a nenhum movimento e de ter construído carreira solo convivendo com todas as tribos. Músico celebra parcerias e fala de projetos


Ana Clara Brant


“Nunca fui do Clube da Esquina. Nunca fui do Som Imaginário. Eu sou eu. Sou Naná.” O autor da frase é um artista pernambucano de 67 anos, tido por muitos como o melhor percussionista do planeta: Naná Vasconcelos. Desde menino, quando batucava em tudo o que via pela frente no Recife, onde nasceu e cresceu, ele já sabia que queria isso para a vida toda.Apesar de ter se especializado em berimbau, Naná aprendeu a tocar praticamente todos os instrumentos de percussão, inclusive os mais inusitados – das panelas à água. “Outro dia mesmo, toquei em penicos. Percussão é aquela coisa de feeling, intuição. Você pode me dar um bolero, uma música clássica, e crio ali na hora. Nunca frequentei escola musical. Participo de cursos e workshops para me aperfeiçoar, mas aprendi tudo sozinho. Para mim, o primeiro instrumento é a voz, o melhor é o corpo. O resto é consequência”, afirma.Naná Vasconcelos iniciou a carreira com 12 anos, incentivado pelo pai, também músico. Para poder tocar na noite, conseguiu autorização do juizado de menores. “Aporrinhava tanto o meu pai que ele teve de me levar para os bares e cabarés. Naquela época, não havia criança na noite, por isso tive autorização especial”, recorda. Em 1967, o pernambucano se mudou para o Rio de Janeiro e lá conheceu um grande parceiro: Milton Nascimento. Naná se lembra muito bem do dia em que se encontrou pela primeira vez com Bituca, durante uma festa na casa do compositor. “Assim que o vi, falei: ‘Vim do Recife para tocar com você’. Ele me olhou com aquela cara meio desconfiada. No fim da festa, alguém pediu para o Milton mostrar um pouco do que começaria a gravar. Era uma sexta-feira e, na segunda, ele iria para o estúdio fazer o primeiro disco”, conta. Bituca pegou o violão e começou a cantar Sentinela. Naná não se fez de rogado. Foi até a cozinha, pegou algumas caçarolas e passou a acompanhar o anfitrião. “Ele me olhou de um jeito meio surpreso e perguntou: ‘O que você vai fazer segunda-feira?’ Pelo visto gostou, né?”, relembra Naná, entre gargalhadas.


Encontro


No dia seguinte, o pernambucano se instalou de mala e cuia na casa de Milton Nascimento. A dupla passou a compor e a criar ritmos. “O pessoal do Rio só pensava em bossa nova. Ficaram intrigados com Milton: de onde vem isso? E ficamos durante um tempo juntos. Só depois surgiu o Som Imaginário e o pessoal da banda dele”, acrescenta. A convivência fez com que Naná viesse parar em Belo Horizonte, especialmente no Bairro de Santa Tereza. Passou um tempo na casa dos Borges, onde criava sons nas panelas de dona Maricota, a matriarca. No livro Os sonhos não envelhecem, o compositor Márcio Borges resume a experiência mineira de Naná: “Em sua temporada de cachaça e panelas na Rua Divinópolis e adjacências, ele chamou a atenção de Santa Tereza inteira perambulando pela redondeza com os pés descalços, camisa florida, barba extravagante e cabelo arrepiado. Sem falar na sua fama de polirritmista”.Naná se lembra com carinho dessa fase. “Era muito gostosa aquela época. Santa Tereza me marcou porque a família Borges era muito forte, todo mundo gente boa. O resto do pessoal do Clube da Esquina também, como Fernando Brant, Toninho Horta, Nelson Ângelo. Essa turma fazia algo muito diferente, todo mundo era muito bom de serviço. Não parecia com nada produzido no Rio e em São Paulo. Linguagem própria, era uma África mineira, que mesclava mouros e canto gregoriano”, observa o artista, que morou alguns anos nos Estados Unidos e na França.


Música maior que o atlas


A mistura de gêneros musicais país afora encanta Naná. E ele observa que em praticamente todos os estilos, principalmente os que se sobressaem durante o carnaval, a percussão é uma forte marca. Seja o samba no Rio de Janeiro, o macaratu em Pernambuco, e até mesmo o axé na Bahia. “A África é a espinha dorsal da nossa cultura. O engraçado é que muita coisa veio de lá para cá, de pontos diferentes, e se encontrou pela primeira vez aqui. A capoeira mesmo veio de um lugar e o berimbau de outro. Aqui se juntaram. Nosso samba é exemplo disso. O Brasil agregou várias áfricas. Pegamos o que os africanos nos deram e abrasileiramos de certa forma”, pontua.Naná, que há 11 anos é o responsável pela abertura do carnaval do Recife, onde reúne diferentes nações de maracatu, diz que a luta foi árdua para colocar em voga esse ritmo com origens no candomblé. Segundo o músico, o frevo sempre foi mais bem visto, mesmo em Pernambuco, e o macaratu teve que quebrar muitas barreiras para ter a projeção de hoje. “O maracatu era tachado como algo de negro, de candomblé. Só era tocado na periferia e isso foi mudando. A classe média e a alta acabaram descobrindo o ritmo e o mais interessante é que vários dos artistas que eu trouxe para o carnaval incorporaram o maracatu em seus núcleos de trabalho”, lembra Naná Vasconcelos, que conquistou no fim do ano passado o Grammy Latino na categoria melhor álbum de música regional, com o seu mais recente trabalho, Sinfonia e batuques.Agora, o músico se prepara para lançar ainda este ano um disco sobre os quatro elementos. Os projetos sociomusicais também estão na agenda do pernambucano, como o ABC musical, criado em 1994, em que ele transmite ensinamento e sensibilidade musical a crianças do Brasil e de outros países. “É uma iniciativa itinerante, que depende de apoio das secretarias de cultura e introduz nos jovens as primeiras noções musicais por meio de repertório baseado no folclore e nas raízes brasileiras, ou seja, a criança aprende sobre o Brasil com a música. Não tem nada de novo nisso, porque Villa-Lobos fazia algo semelhante. Ele provou que a música era mais forte do que o atlas. Para mim, a música, das formas de arte, é a mais imediata porque ela mexe com as emoções. Faz você chorar, sorrir, dormir, meditar. A música é o momento”, filosofa o artista, que tem nada menos que 32 discos gravados.


Luz morena


Um dos destaques do mais recente CD de Naná Vasconcelos, Sinfonias e batuques, é a participação da filha do artista, Luz Morena (foto), de apenas 12 anos, em três faixas. A talentosa menina toca no piano as canções Mistério, Pedalando e Canção para Nanile, esta última em homenagem à mãe, Patrícia. Naná conta que Luz se encantou pelo instrumento quando viu um pianista amigo dele tocando, e desde então colocou na cabeça que queria um piano de presente. “Na época, não levei a sério; fingi que não era comigo. Mas ela insistiu tanto que comprei uma pianola. Para a minha surpresa, Luz Morena realmente se empenhou, chegou a ganhar um concurso de jovens pianistas em São Paulo e passou até a compor. Mas nunca na minha presença, porque ela só faz isso quando não estou, para ter mais privacidade e liberdade”, revela Naná.

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