domingo, 5 de fevereiro de 2012

Delícias da matemática - ALEX BELLOS

Ciência
Delícias da matemática
Amar cálculos é preciso
ALEX BELLOS TRADUÇÃO *CLARA ALLAIN*

RESUMO
No âmbito do debate no Reino Unido sobre o ensino obrigatório da matemática para alunos que concluem o ensino secundário, o escritor e jornalista Alex Bellos elenca dez tópicos que, segundo ele, explicam os prazeres da matemática. O mistério do número pi e a facilidade em lidar com dinheiro estão entre eles.

O REINO UNIDO está prestes a se apaixonar pela matemática. Bem, esse é o sonho. Há duas semanas, um dos principais assessores do governo para a educação disse que a matemática deveria ser obrigatória a todos os estudantes até os 18 ou 19 anos, não importando o que mais estivessem estudando. (Ao terminar os estudos secundários, em geral aos 16 anos, os britânicos que continuam a estudar podem optar por quatro matérias aleatórias, com a opção de excluir a matemática.)O professor Steve Sparks, presidente do Comitê de Assessoria para Ensino da Matemática, diz esperar que até 2016 seja lançada uma nova qualificação em matemática entre o Certificado Geral de Educação Secundária (GCSE) e o AS-level (nível equivalente à conclusão do ensino médio).A matemática se justifica neste país porque é útil. Sparks disse que suas propostas são necessárias porque os jovens precisam ter um domínio melhor da matemática para poderem competir no mercado de trabalho, onde o entendimento da tecnologia e dos números é cada vez mais importante.Concordo. Mas a matemática também deveria ser estudada pelas mesmas razões que nos levam a estudar Shakespeare: porque faz parte de nosso legado intelectual e cultural. A matemática nos torna mais criativos e nos confere uma compreensão mais profunda de como as coisas realmente são.

CULTO AOS NERDS A maioria dos outros países desenvolvidos tem cursos de matemática não especializados em níveis superiores ao GCSE. Para Sparks, precisamos seguir esse exemplo para podermos competir no mercado global.Os britânicos tradicionalmente veem a matemática como uma disciplina chata, diferentemente do que acontece em países como a França, a Alemanha e os EUA -onde nerds são reverenciados, e não ridicularizados-, e seria ótimo se o ensino da matemática fosse levado adiante no Reino Unido, fazendo a disciplina perder seu estigma.Em todos os países, porém, a necessidade de passar por exames e a ênfase sobre os cálculos numéricos muitas vezes nos fazem esquecer como a matemática pode ser fascinante. Segue uma lista de dez itens que, espero, proporcionarão ao leitor uma degustação dos prazeres que a matemática pode oferecer. Se todos nós vamos estudar muito mais matemática no futuro, seria bom termos prazer com isso. 1. Pi é a razão entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro. Em outras palavras, a razão entre o comprimento da circunferência do círculo e o comprimento de uma linha que a atravesse pelo centro. A delícia do número mais famoso da matemática vem da anarquia de seus algarismos. O número começa com 3,14159 e continua infinitamente, sem obedecer nenhuma ordem. O fato de uma razão tão simples -a razão mais simples da forma mais simples- ser também a mais irregular e refratária é um mistério que ainda causa assombro. 2. Mas a matemática não começou com círculos, e sim com triângulos. A primeira prova dedutiva na literatura matemática foi o cálculo da altura da Grande Pirâmide, feita pelo grego Tales. Ele usou o "cálculo das sombras", com o qual se determina a altura de um objeto alto medindo o comprimento de sua sombra. Tanto altura quanto sombra são considerados, nesse cálculo, lados de um triângulo. Assim, os triângulos nos possibilitaram medir a distância até pontos, como o topo de uma pirâmide, sem precisar fisicamente chegar a eles. Mais tarde os triângulos seriam usados para descobrir a altura do Everest e a distância até planetas e estrelas. 3. Imagine agora que uma pessoa deixa seu acampamento de base no Everest às 9h da segunda-feira para escalar o pico, ao qual chega na segunda seguinte às 9h, e, assim que chega ao topo, retorna, chegando ao acampamento de base apenas um dia depois. A descida é feita em bem menos tempo que a subida, e os dois percursos envolvem paradas e velocidades variadas, dependendo do terreno. Há algum ponto em que a pessoa está na mesma altitude da montanha no mesmo horário? 4. Antes de responder, folheie este jornal. Ele contém muitos números -datas, valores de dinheiro, temperaturas, porcentagens e assim por diante. Embora eu esteja escrevendo este artigo antes de a maioria dos outros textos do jornal ser escrita, aposto minha casa que cerca de 30% dos números que constam do jornal de hoje começa com 1, cerca de 17% deles começa com 2 e mais ou menos 5% começa com 9. Na realidade, aposto que as porcentagens serão iguais em todos os jornais de hoje, no mundo inteiro. A bizarra preponderância de números que começam com 1 é conhecida como Lei de Benford e não é inteiramente compreendida, nem mesmo por matemáticos. A matemática sempre desafia nossas ideias preconcebidas. 5. Outro exemplo. Quando foi lançado o dispositivo pelo qual faixas de música são tocadas em ordem aleatória no iPod, vários consumidores reclamaram, dizendo que não funcionava, porque muitas vezes faixas de um mesmo álbum eram tocadas na sequência. Isso era o oposto de ser aleatório, eles resmungaram. No entanto, o estudo da probabilidade ensina que agrupamentos de faixas semelhantes são muito prováveis, sim. Do mesmo modo que, quando você joga uma moeda para o alto, pode obter sequências longas de caras ou coroas. Em resposta às queixas, Steve Jobs disse que mudaria o algoritmo: "Vamos deixá-los menos aleatório para que pareça mais aleatório". 6. O humor não é uma característica muito mencionada da matemática, mas os matemáticos muitas vezes são divertidíssimos. "Alice no País das Maravilhas", um marco do humor inteligente na ficção infantil, foi escrito por um professor de matemática de Oxford, Charles Dodgson, também conhecido como Lewis Carroll. A equipe que escreve "Os Simpsons" é cheia de diplomados em matemática e ciência da computação. Como mestres da lógica, adoramos o ilógico. Assim como os humoristas e os satiristas, trabalhamos com o absurdo. A maneira mais rápida de provar que uma afirmação é verídica é demonstrar que o oposto dela é absurdo.7. É engraçado perceber que há apenas 200 anos os números negativos eram tão controversos que um livro de álgebra de um importante acadêmico de Cambridge os descrevia como "um jargão diante do qual o bom senso recua".O livro não incluía nenhum número negativo, embora o sinal de menos fosse permitido nas equações. William Frend aboliu os números negativos porque eles não tinham interpretação física. O que é um livro negativo, por exemplo?Mas a matemática é o estudo de estruturas e regras. É irônico: quanto mais abstrata se torna, mais aplicações encontra no mundo real.8. Quem vai pela primeira vez à Inglaterra descobre com surpresa que nem todas as moedas são redondas. A de 50 pence (centavos de libra) é um heptágono. É uma maravilha da matemática.Para que um formato seja admissível como moeda, é preciso que tenha largura constante, para que possa ser usado em máquinas operadas por moedas, que leem seus valores medindo a largura. Os círculos possuem largura constante, obviamente.Nos anos 60, o Conselho de Moeda Decimal perguntou se havia outros formatos com largura constante, para ajudar deficientes visuais a identificar a diferença entre moedas de valores distintos.O heptágono de curvas equilaterais, usado na moeda de 50 pence, tem essa forma: a altura é sempre a mesma, seja qual for o que ponto em que você coloque a moeda em pé. Graças a essa propriedade, se você fizesse dois cilindros com o formato da moeda de 50 pence, poderia rolar um objeto sobre eles sem que o objeto ficasse saltando.9. Administrar dinheiro é muito mais do que mexer com moedas. A prática com os números nos permite conhecer, por exemplo, o crescimento exponencial.Um investimento de £ 1 sobre o qual incidam juros compostos de 20% ao ano chegará a £ 6 em uma década, a £ 9.000 em 50 anos e a £ 82 milhões em um século.10. O que admiro na matemática é como ela exige a solução criativa de problemas. Retornemos ao nosso montanhista sobre o Everest.Sim, existe um ponto em que o alpinista estará na mesma altitude no mesmo horário, e há prova intuitiva disso: o alpinista deixa o acampamento às 9h da segunda e leva uma semana para escalar a montanha. Ele inicia sua descida do pico às 9h e leva um dia.Agora sobreponha os dois trajetos no mesmo dia, como se dois alpinistas estivessem avançando para se encontrar, um partindo de baixo e o outro do alto. As trajetórias deles terão que se cruzar. Nesse momento, eles compartilham a mesma altitude no mesmo horário.

Publicado originalmente pelo jornal britânico "The Guardian".

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