quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

OI - De mal a pior

OI - De mal a pior

Em setembro do ano passado recebi uma conta da Oi de 197,56.
Liguei para reclamar e solicitei o cancelamento de alguns serviços. 20 dias depois recebo a ligação de uma gerente de relacionamento da OI informando que a minha contestação foi atendida e que eu iria pagar a paritr do mês 10 o valor de 88,76. Chega a fatura do mês 10 é a surpresa foi que o valor da fatura era o mesmo do mês anterior: 197,56. Ligo para reclamar e eles informam que iriam analisar a minha reclamação e num prazo de "uma semana entrariam em contato" e assim eu poderia efetuar o pagamento do valor correto de 88,76. Fiquei aguardando e nada. No mês 11 chegou uma conta de 231,66. Ligo para reclamar, e passei dois dias resolvendo essa reclamação. 1 mês depois recebo a fatura informava que a conta do mês 11 tinha sido cobrada indevidamente pela operadora e achei que estava resolvido. Um mês e meio após a reclamação do mês 11 recebo uma ligação de uma atendente da OI dizendo que a minha solicitação tinha sido atendida. Isso eu já sabia pois a conta chegou primeiro.
Agora em fevereiro recebo uma cobrança do mês 10. Daquela conta que 197,56 que tinha contenstado e nunca recebi a ligação dos representantes da OI para informar o resultado.
Desorganização geral da OI. Imagine se não fosse informatizada. Atendentes despreparas e informações desencontradas. Vou chamar a Rita Lee para enquadrar os gestores da OI.
O cidadão não tem a quem recorrer.
E viva tirania das operadoras.
Elas vendem o pacote de 1MEGA, você paga por 1 mega E LHE DÃO 700. Cobram indevidamente, repetem a cobrança indevidamente. FAZEM O QUE QUEREM COM O CIDADÃO E NADA ACONTECE.
Essa é uma república de bananas!!!As punições contra esses abusos são mínimas> Reclamei a Anatel e sabe o que vai acontecer?

O troféu de Operadora de 5a categoria vai para a OI.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Criador de "O Artista" fala sobre os desafios do cinema mudo

FERNANDA EZABELLADE LOS ANGELES
A limusine para na frente do casal, na porta do hotel cinco estrelas, em Los Angeles. "Só podem ser estrelas de cinema", diz, tentando adivinhar, um hóspede.
Talvez se não falasse tão alto e não estivesse tão colorida num vestido azul brilhante, seria mais fácil reconhecer Bérénice Bejo, atriz do filme mais improvável e comentado da temporada, mudo e preto e branco.
Ela está ao lado de Michel Hazanavicius, seu marido, que escreveu e dirigiu "O Artista". No longa, o astro do cinema mudo George Valentin (Jean Dujardin) se nega a entrar para os filmes falados, na Hollywood dos anos 20. O ator conta com a ajuda da dançarina Peppy Miller, interpretada por Bejo.
"Fizemos apesar de tudo, apesar do senso comum. Há algo de tocante nisso", diz Hazanavicius, no bar do mesmo hotel, algumas semanas depois. Aos 44, ele é diretor de duas sátiras de espionagem protagonizadas por Dujardin, uma delas rodada no Rio. Leia a entrevista:

Folha - Quantas vezes você teve que ouvir que era louco?Michel Hazanavicius - Muitas vezes, muitas. Quando eu falava sobre o filme, não me levavam a sério, apenas sorriam, mas não aquele sorriso legal, sabe? Quando comecei a trabalhar com Thomas [Langman, produtor], as coisas ficaram mais simples, virou um filme de verdade. Antes era mais fantasia. Acho que nem eu estava totalmente convencido.
Por que escolher, hoje, fazer um filme mudo hoje?É um formato é incrível, um jeito muito diferente de contar uma história. Não sou especialista, mas amo filmos mudos. Os bons, claro, porque os ruins são realmente chatos, não dá para ver. É uma nova experiência para a plateia de hoje, funciona com outra parte do cérebro. Você preenche a falta de som com sua própria imaginação, faz o filme ficar muito mais próximo do público, que é envolvido no processo de contar história.
As pessoas acham que filmes mudos são filmes velhos porque foram feitos nos anos 20. Minha ideia era fazer um filme mudo hoje, mas sem ser velho, mesmo sendo de época, com o benefício de 80 anos de sofisticação de narrativa. Os atores têm uma atuação moderna, com os códigos de hoje e não dos anos 20. O uso da música é moderno, e não apenas um piano simples. Achei que tinha um filme que ninguém tinha feito antes.
O que deu mais trabalho?O desafio técnico real foi o roteiro. Eu não tinha as mesmas ferramentas. Queria contar uma boa história, com boas sequências e bons personagens. Algo que não entediasse o público, este era o ponto. Mas você não tem as mesmas ferramentas, não lida com diálogos, com palavras, mas apenas imagens para contar a história. É uma grande diferença.
E o que muda para os atores?Há 68 atores no filme e nenhum deles atuou mudo, de forma silenciosa. Era tudo muito natural. Quando as pessoas pensam em filmes mudos, pensam logo em atuações exageradas. Mas não é verdade. Alguns atores atuavam de forma natural nos anos 20. E aqui pedi para eles agirem de forma bem natural também. A grande diferença é a forma como você escreve a história e como você faz para as pessoas entenderem sem palavras. O público percebe a performance de forma totalmente diferente. Quando não se tem palavras nem diálogos, você presta muito mais atenção nas imagens. Olha para os atores e foca em cada detalhe, em cada expressão. Por exemplo, quando Steven Spielberg faz um filme, você entende tudo com seus olhos, é um diretor muito visual. Tenho certeza de que se tirar o som de seu filme, você vai entender tudo.
Foi mais difícil achar locações dos anos 60 no Rio, quando você filmou "Agente 117 - Rio Não Responde Mais" (2009), ou agora em Los Angeles, quando veio em busca de cenários dos anos 20?No Rio, dá para encontrar belas arquiteturas dos anos 60 em qualquer lugar. Há prédios muito interessantes no Brasil. E filmamos também em florestas, rios.
Tem uma cena dentro do Copacabana Palace?Não, o hotel não era muito anos 60, tinha uma arquitetura meio neo grega. Era muito caro também. Filmamos em outro hotel em Copacabana, com uma pequena piscina, um lobby ótimo, o lugar era perfeito. Há também no Rio prédios dos anos 70 e até 80 que são tão estilísticos. E Brasília, claro, filmamos um dia, filmamos aquele prédio do Congresso.
E como foi em Los Angeles?Aqui foi talvez mais difícil porque era anos 20. Há coisas que não dá para saber se é 1968 ou 1978, dá para aceitar certos prédios, ninguém vai saber. [A estética dos] anos 20 é mais exata e difícil de achar. Mas há muitos interiores e locações que estão em condições perfeitas, como restaurantes e teatros.
O formato diferente mudou seu jeito de filmar?Normalmente, quando os diretores fazem um filme de época, eles recriam o que estão filmando, mas não recriam o jeito de filmar. O que eu fiz foi recriar o jeito de filmar. As luzes, os frames, o estilo de filmar, tentei respeitar tudo. Meu ponto é: se eu estou fazendo um filme que acontece nos anos 20, não vou usar uma "steadicam" [câmara acoplado ao corpo do operador] ou uma grande angular porque eu nunca vi pessoas nos anos 20 assim. Para mim, a câmera é o olho que você dá ao público. Seria muito estranho uma "steadicam" nos anos 20. Se você respeita o jeito de filmar, fica tudo muito mais preciso.

Delícias da matemática - ALEX BELLOS

Ciência
Delícias da matemática
Amar cálculos é preciso
ALEX BELLOS TRADUÇÃO *CLARA ALLAIN*

RESUMO
No âmbito do debate no Reino Unido sobre o ensino obrigatório da matemática para alunos que concluem o ensino secundário, o escritor e jornalista Alex Bellos elenca dez tópicos que, segundo ele, explicam os prazeres da matemática. O mistério do número pi e a facilidade em lidar com dinheiro estão entre eles.

O REINO UNIDO está prestes a se apaixonar pela matemática. Bem, esse é o sonho. Há duas semanas, um dos principais assessores do governo para a educação disse que a matemática deveria ser obrigatória a todos os estudantes até os 18 ou 19 anos, não importando o que mais estivessem estudando. (Ao terminar os estudos secundários, em geral aos 16 anos, os britânicos que continuam a estudar podem optar por quatro matérias aleatórias, com a opção de excluir a matemática.)O professor Steve Sparks, presidente do Comitê de Assessoria para Ensino da Matemática, diz esperar que até 2016 seja lançada uma nova qualificação em matemática entre o Certificado Geral de Educação Secundária (GCSE) e o AS-level (nível equivalente à conclusão do ensino médio).A matemática se justifica neste país porque é útil. Sparks disse que suas propostas são necessárias porque os jovens precisam ter um domínio melhor da matemática para poderem competir no mercado de trabalho, onde o entendimento da tecnologia e dos números é cada vez mais importante.Concordo. Mas a matemática também deveria ser estudada pelas mesmas razões que nos levam a estudar Shakespeare: porque faz parte de nosso legado intelectual e cultural. A matemática nos torna mais criativos e nos confere uma compreensão mais profunda de como as coisas realmente são.

CULTO AOS NERDS A maioria dos outros países desenvolvidos tem cursos de matemática não especializados em níveis superiores ao GCSE. Para Sparks, precisamos seguir esse exemplo para podermos competir no mercado global.Os britânicos tradicionalmente veem a matemática como uma disciplina chata, diferentemente do que acontece em países como a França, a Alemanha e os EUA -onde nerds são reverenciados, e não ridicularizados-, e seria ótimo se o ensino da matemática fosse levado adiante no Reino Unido, fazendo a disciplina perder seu estigma.Em todos os países, porém, a necessidade de passar por exames e a ênfase sobre os cálculos numéricos muitas vezes nos fazem esquecer como a matemática pode ser fascinante. Segue uma lista de dez itens que, espero, proporcionarão ao leitor uma degustação dos prazeres que a matemática pode oferecer. Se todos nós vamos estudar muito mais matemática no futuro, seria bom termos prazer com isso. 1. Pi é a razão entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro. Em outras palavras, a razão entre o comprimento da circunferência do círculo e o comprimento de uma linha que a atravesse pelo centro. A delícia do número mais famoso da matemática vem da anarquia de seus algarismos. O número começa com 3,14159 e continua infinitamente, sem obedecer nenhuma ordem. O fato de uma razão tão simples -a razão mais simples da forma mais simples- ser também a mais irregular e refratária é um mistério que ainda causa assombro. 2. Mas a matemática não começou com círculos, e sim com triângulos. A primeira prova dedutiva na literatura matemática foi o cálculo da altura da Grande Pirâmide, feita pelo grego Tales. Ele usou o "cálculo das sombras", com o qual se determina a altura de um objeto alto medindo o comprimento de sua sombra. Tanto altura quanto sombra são considerados, nesse cálculo, lados de um triângulo. Assim, os triângulos nos possibilitaram medir a distância até pontos, como o topo de uma pirâmide, sem precisar fisicamente chegar a eles. Mais tarde os triângulos seriam usados para descobrir a altura do Everest e a distância até planetas e estrelas. 3. Imagine agora que uma pessoa deixa seu acampamento de base no Everest às 9h da segunda-feira para escalar o pico, ao qual chega na segunda seguinte às 9h, e, assim que chega ao topo, retorna, chegando ao acampamento de base apenas um dia depois. A descida é feita em bem menos tempo que a subida, e os dois percursos envolvem paradas e velocidades variadas, dependendo do terreno. Há algum ponto em que a pessoa está na mesma altitude da montanha no mesmo horário? 4. Antes de responder, folheie este jornal. Ele contém muitos números -datas, valores de dinheiro, temperaturas, porcentagens e assim por diante. Embora eu esteja escrevendo este artigo antes de a maioria dos outros textos do jornal ser escrita, aposto minha casa que cerca de 30% dos números que constam do jornal de hoje começa com 1, cerca de 17% deles começa com 2 e mais ou menos 5% começa com 9. Na realidade, aposto que as porcentagens serão iguais em todos os jornais de hoje, no mundo inteiro. A bizarra preponderância de números que começam com 1 é conhecida como Lei de Benford e não é inteiramente compreendida, nem mesmo por matemáticos. A matemática sempre desafia nossas ideias preconcebidas. 5. Outro exemplo. Quando foi lançado o dispositivo pelo qual faixas de música são tocadas em ordem aleatória no iPod, vários consumidores reclamaram, dizendo que não funcionava, porque muitas vezes faixas de um mesmo álbum eram tocadas na sequência. Isso era o oposto de ser aleatório, eles resmungaram. No entanto, o estudo da probabilidade ensina que agrupamentos de faixas semelhantes são muito prováveis, sim. Do mesmo modo que, quando você joga uma moeda para o alto, pode obter sequências longas de caras ou coroas. Em resposta às queixas, Steve Jobs disse que mudaria o algoritmo: "Vamos deixá-los menos aleatório para que pareça mais aleatório". 6. O humor não é uma característica muito mencionada da matemática, mas os matemáticos muitas vezes são divertidíssimos. "Alice no País das Maravilhas", um marco do humor inteligente na ficção infantil, foi escrito por um professor de matemática de Oxford, Charles Dodgson, também conhecido como Lewis Carroll. A equipe que escreve "Os Simpsons" é cheia de diplomados em matemática e ciência da computação. Como mestres da lógica, adoramos o ilógico. Assim como os humoristas e os satiristas, trabalhamos com o absurdo. A maneira mais rápida de provar que uma afirmação é verídica é demonstrar que o oposto dela é absurdo.7. É engraçado perceber que há apenas 200 anos os números negativos eram tão controversos que um livro de álgebra de um importante acadêmico de Cambridge os descrevia como "um jargão diante do qual o bom senso recua".O livro não incluía nenhum número negativo, embora o sinal de menos fosse permitido nas equações. William Frend aboliu os números negativos porque eles não tinham interpretação física. O que é um livro negativo, por exemplo?Mas a matemática é o estudo de estruturas e regras. É irônico: quanto mais abstrata se torna, mais aplicações encontra no mundo real.8. Quem vai pela primeira vez à Inglaterra descobre com surpresa que nem todas as moedas são redondas. A de 50 pence (centavos de libra) é um heptágono. É uma maravilha da matemática.Para que um formato seja admissível como moeda, é preciso que tenha largura constante, para que possa ser usado em máquinas operadas por moedas, que leem seus valores medindo a largura. Os círculos possuem largura constante, obviamente.Nos anos 60, o Conselho de Moeda Decimal perguntou se havia outros formatos com largura constante, para ajudar deficientes visuais a identificar a diferença entre moedas de valores distintos.O heptágono de curvas equilaterais, usado na moeda de 50 pence, tem essa forma: a altura é sempre a mesma, seja qual for o que ponto em que você coloque a moeda em pé. Graças a essa propriedade, se você fizesse dois cilindros com o formato da moeda de 50 pence, poderia rolar um objeto sobre eles sem que o objeto ficasse saltando.9. Administrar dinheiro é muito mais do que mexer com moedas. A prática com os números nos permite conhecer, por exemplo, o crescimento exponencial.Um investimento de £ 1 sobre o qual incidam juros compostos de 20% ao ano chegará a £ 6 em uma década, a £ 9.000 em 50 anos e a £ 82 milhões em um século.10. O que admiro na matemática é como ela exige a solução criativa de problemas. Retornemos ao nosso montanhista sobre o Everest.Sim, existe um ponto em que o alpinista estará na mesma altitude no mesmo horário, e há prova intuitiva disso: o alpinista deixa o acampamento às 9h da segunda e leva uma semana para escalar a montanha. Ele inicia sua descida do pico às 9h e leva um dia.Agora sobreponha os dois trajetos no mesmo dia, como se dois alpinistas estivessem avançando para se encontrar, um partindo de baixo e o outro do alto. As trajetórias deles terão que se cruzar. Nesse momento, eles compartilham a mesma altitude no mesmo horário.

Publicado originalmente pelo jornal britânico "The Guardian".

O instante decisivo - LUCAS FERRAZ

Reportagem
O instante decisivo


A Folha localizou o fotógrafo do cadáver de Herzog


LUCAS FERRAZ ilustração RAFAEL CAMPOS ROCHA RESUMO A foto de Vladimir Herzog morto nas dependências do DOI-Codi em outubro de 1975 tornou-se um símbolo da repressão promovida pela ditadura (1964-85). A tentativa falhada de simular o suicídio do jornalista enfraqueceu a linha dura. Pela primeira vez, o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira fala à imprensa.HENRI CARTIER-BRESSON, fundador da mítica agência Magnum e mestre francês da fotografia, definiu num célebre ensaio de 1952 a arte do fotógrafo como a capacidade de captar um instante decisivo, para o qual deve estar alerta."Enquanto trabalhamos, precisamos ter certeza de que não deixamos nenhum buraco, de que exprimimos tudo; depois será tarde demais, e não haverá como retomar o acontecimento às avessas", escreveu ele. O instante decisivo na vida do fotógrafo santista Silvaldo Leung Vieira foi também um instante decisivo para a vida política brasileira. Aluno do curso de fotografia da Polícia Civil de São Paulo, Silvaldo fez em 25 de outubro de 1975, aos 22 anos, a mais importante imagem da história do Brasil naquela década: a foto do corpo do jornalista Vladimir Herzog, pendurado por uma corda no pescoço, numa cela de um dos principais órgãos da repressão, o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna).Publicada na imprensa, a imagem corroborou a tese de que o "suicídio" de Herzog era uma farsa. No mesmo local, três meses depois, o mesmo fotógrafo testemunharia a morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho. Assassinado sob tortura, ele também foi apresentado pelo regime como "suicida".Historiadores são unânimes: ambas as mortes foram decisivas para mudar os rumos da ditadura. A Folha localizou Silvaldo em Los Angeles, onde vive desde agosto de 1979, quando saiu de férias do cargo de fotógrafo do Instituto de Criminalística para nunca mais voltar. Pela primeira vez, ele contou detalhes sobre sua atuação na polícia técnica de São Paulo. "Ainda carrego um triste sentimento de ter sido usado para montar essas mentiras", afirmou, por telefone.Sentindo-se ameaçado e perseguido pelo regime a que serviu, ele afirma não ter tido alternativa a não ser abandonar o emprego no serviço público e também o país.CONCURSO O "Diário Oficial" do Estado de São Paulo de 6 de junho de 1975 informou, na página 59, o nome dos 24 aprovados no concurso de fotógrafo da Polícia Civil. Silvaldo era o de número 17. As aulas preparatórias, na Academia de Polícia, no campus da USP, começaram no dia 8 de outubro. Deixou a casa da mãe, em Santos, e juntou-se aos estudantes "forasteiros" no alojamento da escola, na Cidade Universitária.Nascido em 1953, de pai chinês e mãe paulista, Silvaldo se envolveu com fotografia ainda criança, por influência da família. Foi fotógrafo da prefeitura e atuou no jornal "Cidade de Santos". Em 1974, vislumbrou na fotografia científica a oportunidade de "desvendar crimes" e "produzir provas técnicas", além de se aprimorar usando novos equipamentos.Dezessete dias depois de iniciar o curso, Silvaldo foi convocado para sua primeira "aula prática" no último fim de semana do mês. "Disseram apenas que era um trabalho sigiloso e que eu não deveria contar para ninguém. A requisição veio do Dops", afirma.O Departamento de Ordem Política e Social, o principal centro de repressão da Polícia Civil, estava sob a influência do delegado Sérgio Paranhos Fleury, que tinha livre trânsito na linha dura das Forças Armadas. Um motorista levou Silvaldo até um complexo na rua Tutoia, em São Paulo, cidade que até hoje ele diz não conhecer bem.SUICÍDIOS No Brasil de 1975, os "suicídios" nos porões da repressão eram quase uma rotina. Um deles foi o do tenente reformado da PM paulista e militante do PCB José Ferreira de Almeida, o Piracaia, que morreu após ser detido no DOI-Codi, em agosto. Segundo o relato oficial, Piracaia se enforcou amarrando o cinto do macacão à grade da cela.Os "suicídios" eram fonte de discussão no governo Geisel (1974-79) e de atritos entre militares e o governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins. Em 1975, segundo "Direito à Memória e à Verdade" (2007), livro editado pela Presidência da República, 14 militantes foram mortos por agentes do Estado. A ditadura completava mais de uma década tendo aniquilado quase a totalidade da esquerda armada nas grandes cidades e engrossava a caçada aos militantes do Partido Comunista Brasileiro. Mais de 200 pessoas foram presas.Entre os detidos na ofensiva contra o PCB estava Vladimir Herzog. Aos 38 anos, casado e pai de dois filhos, Vlado, como era conhecido, era diretor de jornalismo da TV Cultura. Profissional com experiência internacional e apaixonado por teatro, ele militava no partido, mas, segundo amigos, não exercia atividades clandestinas, nem poderia ser apontado como um quadro fixo do partido, que àquela altura já considerava a luta armada um grande erro.Na sexta, 24 de outubro, Vlado foi procurado por agentes da repressão em casa e no trabalho. Decidiu se apresentar espontaneamente no DOI-Codi na manhã seguinte. Nas sete horas em que esteve detido na rua Tutoia, no Paraíso, onde ficava o centro do Exército, o jornalista prestou depoimento e passou por acareações. Segundo testemunhas, morreu após ser barbaramente torturado.Quando Silvaldo chegou ao DOI-Codi para fotografar o cadáver de Herzog, a cena do "suicídio" estava montada. Numa cela, o corpo pendia de uma tira de pano atada a uma grade da janela. As pernas estavam arqueadas e os pés, no chão. Completavam o cenário papel picado (um depoimento que fora forçado a assinar) e uma carteira escolar.Na mesma cela morrera Piracaia, segundo o livro "Dos Filhos deste Solo" (Boitempo), de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio.VIBRAÇÃO Silvaldo chegou ali com uma Yashica 6x6 TLR, câmera tipo caixão, biobjetiva, com visor na parte de cima, semelhante a uma Rolleiflex."Eu estava muito nervoso, toda a situação foi tensa. Antes de chegar na sala onde estava o corpo, passei por vários corredores", conta ele."Havia uma vibração muito forte, nunca senti nada igual. Mas não me deixaram circular livremente pela sala, como todo fotógrafo faz quando vai documentar uma morte. Não tive liberdade. Fiz aquela foto praticamente da porta. Não fiquei com nada, câmera, negativo ou qualquer registro. Só dias depois fui entender o que tinha acontecido."Ele diz ter começado a montar o quebra-cabeça no domingo, quando o jornalista foi velado, ao descobrir que tinha fotografado o corpo de Vladimir Herzog. Depois, viu a foto no "Jornal do Brasil", o primeiro veículo da imprensa a publicar a imagem, ainda em 1975. No início dos anos 80, a revista "Veja" a publicaria creditando o autor: "Silvaldo Leung Vieira, Depto. de Polícia Técnica, Secretaria de Segurança Pública, São Paulo, 1975"."Tudo foi manipulado, e infelizmente eu acabei fazendo parte dessa manipulação", lamenta-se. "Depois me dei conta que havia me metido em uma roubada. Isso aconteceu, acho, porque eles precisavam simular transparência."NOTA OFICIAL Já antes da divulgação da foto, a versão do suicídio, dada pelos militares em nota oficial, foi recebida com suspicácia. "Cerca das 16h, ao ser procurado na sala onde fora deixado, desacompanhado, foi encontrado morto, enforcado, tendo para tanto utilizado uma tira de pano. O papel, contendo suas declarações, foi achado rasgado, em pedaços, os quais, entretanto, puderam ser recompostos para os devidos fins legais", dizia o texto do 2o Exército.A nota não batia com o relato da mulher do jornalista, Clarice, que foi avisada por Vladimir de que se apresentaria espontaneamente para depor. Amigos dele, como os jornalistas Rodolfo Konder e Paulo Markun, presos no DOI-Codi no mesmo dia, afirmaram que era possível ouvir gritos e gemidos de Herzog enquanto era torturado.O Exército afirmou que a tira de pano amarrada no pescoço de Vladimir Herzog, visto pela repressão como um agente da KGB, o serviço secreto da União Soviética, seria a cinta do macacão que usava. Mas os macacões do DOI-Codi não tinham cinta.Embora o laudo do Instituto Médico Legal afirmasse que a causa mortis foi "asfixia mecânica por enforcamento", Herzog não foi sepultado na ala dos suicidas do cemitério israelita do Butantã, conforme a tradição judaica. A decisão do rabino Henry Sobel foi considerada um desafio ao regime militar. A foto de Silvaldo mostrava que Vlado "se enforcou" atando o nó na primeira barra da janela, a 1,63 metro de altura. A imagem divulgada à época, contudo, fora cortada: descobriu-se depois, nos arquivos do SNI (Serviço Nacional de Informações), uma versão sem corte, segundo o jornalista Elio Gaspari. Essa imagem mostra a barra superior da janela, que Herzog poderia ter usado se quisesse de fato se enforcar, subindo na carteira escolar e se projetando em vão livre.SÉ Na semana seguinte à morte do jornalista, São Paulo continuava convulsionada. Além da agitação estudantil na USP (Universidade de São Paulo) que prenunciava as manifestações de 1977, a missa de sétimo dia de Vlado, na catedral da Sé, transformou-se num ato ecumênico de repúdio à ditadura.Silvaldo conta que "uns dez colegas" seus da Academia de Polícia foram escalados para fotografar alguns dos presentes na Sé. Eles deviam atuar "como fotógrafos de jornal", para identificar supostos subversivos. Edson Wailemann, 57, formou-se na turma de Silvaldo. Ele ainda se lembra do colega, apesar de não conhecer a história da foto de Herzog. É fotógrafo policial há 37 anos, atuando exclusivamente em casos de homicídio. "Naqueles anos, a polícia técnica sempre atendia a esses chamados, inclusive para os trabalhos dentro das dependências do Exército", confirmou à Folha. "Era comum".Um ex-agente do antigo SNI que atuava nessa época em São Paulo disse à Folha, sob condição de anonimato, que a história do fotógrafo não é verossímil.Segundo ele, o DOI-Codi, sob comando do militar Audir Santos Maciel, era um dos lugares mais herméticos do aparato de repressão. Antes de Maciel, o DOI-Codi fora chefiado por Carlos Alberto Brilhante Ustra. Parentes de desaparecidos que estiveram presos lá tentam responsabilizá-los judicialmente, até agora sem sucesso. Ustra e Maciel negam participação em torturas e assassinatos. A colaboração dos profissionais do Instituto de Criminalística com a repressão, principalmente fotógrafos e peritos, era tão comum que, na virada dos anos 70 para os 80, foi criada uma equipe especial para atender exclusivamente os crimes ou casos políticos. Até ela ser formada, no entanto, vários profissionais foram requisitados.A conexão da Polícia Civil (Dops) com o Exército (DOI-Codi), mais do que notória, era feita por intermédio de Fleury, entre outros."Havia um comando paralelo no Exército, e é bem provável que houvesse também um comando anarquista na Secretaria de Segurança Pública", disse à Folha o ex-governador (1975-79) Paulo Egydio Martins, 84. "Esse era um problema absolutamente crítico, que infelizmente saiu do controle."AULA PRÁTICA Oitenta e quatro dias depois de fotografar o cadáver de Herzog, Silvaldo foi convocado para outra "aula prática" no DOI-Codi. Era janeiro de 1976, e ele ouviu as mesmas recomendações de que não falasse nada sobre o trabalho. Novamente, a ordem partira do Dops.O objetivo era forjar outra farsa: a morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho, também "enforcado" nas dependências do Exército. Nas contas que Elio Gaspari faz em seu livro "A Ditadura Encurralada" (Companhia das Letras), Fiel Filho "fora o 39º suicida do regime, o 19º a se enforcar. Como Cláudio Manuel da Costa, com as meias, sem vão livre". (O poeta e inconfidente mineiro Cláudio Manuel da Costa foi o patrono dos "suicidas" nas prisões brasileiras. Morreu enforcado com uma meia comprida, em 1789.) Segundo testemunhas Fiel Filho fora detido pelos agentes do DOI-Codi de sandálias e sem meias. "Fiz fotos do local onde o corpo foi encontrado, mas não me deixaram ver o cadáver. Antes de fotografá-lo, recebi uma ordem de que deveria deixar o local", afirma Silvaldo.Assim como ocorreu na morte de Vlado, o 2º Exército, responsável pelo Estado de São Paulo, divulgou nota atestando o "suicídio". Mas não houve publicidade da imagem do morto no DOI-Codi. "Eu sabia que eles tinham feito merda, mas nessa segunda vez eu estava mais relaxado, fiz até um comentário: 'Aqui acontecem coisas estranhas'", lembra Silvaldo. "Um oficial do Exército que me acompanhava, que parecia ser muito jovem, me ameaçou: 'É melhor ficar calado e não comentar nada. Se você não calar, a gente te cala'."Não se sabe se o cadáver do metalúrgico foi fotografado dentro do DOI-Codi. "O que se conhece é uma imagem do corpo dele nu, no necrotério", conta o jornalista e cineasta Jorge Oliveira, que a expôs no documentário que produziu, "Perdão, Mr. Fiel", em que narra, como diz o subtítulo do filme, a história do "operário que derrubou a ditadura no Brasil".Separados por poucos meses, os assassinatos de Herzog e Fiel Filho expuseram o descontrole e a anarquia dos porões. A linha dura, que não aceitava a distensão "lenta e gradual" que o presidente Ernesto Geisel pretendia levar a cabo, resistia, com o argumento de que o Brasil ainda estava ameaçado pelo comunismo. A queda de braço da linha dura com Geisel e seu ministro Golbery do Couto e Silva (1911-87), que levou à queda do general Ednardo D'Avila Mello, chefe da Força em São Paulo, em 1976, e do ministro do Exército, Sylvio Frota, em 1977, é narrada em detalhes por Elio Gaspari em "A Ditadura Encurralada". "Tenho para mim que esses acontecimentos foram a raiz das Diretas-Já", avalia o ex-governador Paulo Egydio Martins. TAREFAS Em abril de 1979, quando o país discutia a Lei da Anistia, Silvaldo recusou-se a participar de uma tarefa -da qual ele diz não se lembrar. Desde julho de 1976, já estava efetivado como fotógrafo da Polícia Civil de São Paulo, segundo seu registro funcional da Secretaria de Segurança Pública. No documento, vê-se que passou pela delegacia de Santos, a de acidentes de trânsito e, por fim, a Darc, Delegacia de Arquivos e Registros Criminais, onde era responsável por registrar os presos condenados antes que fossem transferidos para os presídios."Mas o trabalho ia sempre além", conta, "e muitas vezes tinha que fotografar também presos políticos, alguns que acabavam de sair das sessões de tortura. Eu não aguentava aquilo, reclamava que minha atribuição não me permitia fazer esse serviço. E quanto mais eu questionava, mais a situação ficava delicada."Silvaldo diz que os superiores passaram a fritá-lo por sua atitude questionadora: não podia tirar férias e chegou a ser suspenso.Segundo registro da Polícia Civil ao qual a Folha teve acesso, Silvaldo foi afastado por três dias, nos termos da lei estadual no 207, de 1979, por "descumprimento dos deveres e transgressão disciplinar". Em agosto, finalmente tirou férias e deixou o Brasil.EUA Em Los Angeles, onde está radicado desde então, Silvaldo conta ter feito um pouco de tudo: como imigrante ilegal, ganhou dinheiro jogando xadrez e até como aprendiz de ourives, emprego que conseguiu graças a um empresário grego radicado nos EUA que era casado com uma conhecida dele de Santos. De lá, acompanhou o apagar das luzes da ditadura e viu a União ser condenada pela morte de Manoel Fiel Filho, em 1995 -no caso Herzog, a primeira condenação da União ocorreu ainda em 1978. (Ainda assim, setores das Forças Armadas frequentemente divulgam informações dando conta que Herzog e Fiel Filho se mataram, omitindo os assassinatos. Em 1993, um relatório da Marinha dizia que Vlado se suicidou no DOI-Codi.) Em 1986, foi favorecido pela Lei da Anistia da Imigração Americana, promovida pelo governo de Ronald Reagan (1981-89); dois anos depois, ganhou o visto de residência temporária; em 1989, veio o selo de residente permanente. Hoje trabalha no Good Shepperd Center, instituição beneficente voltada para mulheres e crianças sem-teto.O abandono do cargo público ainda lhe traz problemas. No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), convidado a trabalhar no setor cultural do Consulado em Los Angeles, não pôde assumir o posto: a infração administrativa até hoje o impede de voltar ao serviço público. 
 Silvaldo protocolou pedido em 2008 na Comissão da Anistia do governo federal para tentar receber indenização pelo tempo de serviço como fotógrafo da Polícia Civil. Alega ter abandonado o cargo por causa da perseguição política."Infelizmente eu estava no meio do caldeirão, sempre foi muito difícil para mim entender todo esse processo", conta. "O único conforto é pensar que a foto que fiz do Herzog ajudou a desmontar toda a farsa". Separado e sem filhos, ele planeja voltar para o Brasil para ficar ao lado da mãe octogenária. Ele não pretende voltar apenas para casa, mas também para a fotografia. Admirador dos fotógrafos Sebastião Salgado e Gale Tattersall (britânico que se especializou em fotos para o cinema), Silvaldo programa uma viagem ao Alasca com um grupo de Los Angeles, para registrar paisagens, em uma espécie de workshop. "Preciso me atualizar, comecei na fotografia na era do preto e branco. Mudou muito." Pela primeira vez, Silvaldo contou detalhes de sua atuação na polícia de São Paulo. "Ainda carrego um triste sentimento de ter sido usado para montar essas mentiras", disse O Exército afirmou que a tira de pano amarrada no pescoço de Herzog seria a cinta do macacão que usava. Mas os macacões do DOI-Codi não tinham cinta Silvaldo diz que os superiores passaram a fritá-lo por sua atitude questionadora: não podia tirar férias e chegou a ser suspenso. Em agosto de 1979, tirou férias e deixou o Brasil