domingo, 22 de janeiro de 2012

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Marilena Chauí

Ela era bonita, mas também tinha curiosidade intelectual – Oi. – Oi. – Desculpe. É que nós vimos você sentada aqui sozinha... – Estou esperando meu namorado. – Eu posso falar com você até ele chegar? – Falar? – É. Só conversar. Não é paquera, juro. – Bom... – Eu estou naquela mesa ali, com aquela turma. Nós estávamos tentando decidir se você é modelo ou atriz. Metade aposta que você é modelo, metade aposta que você é atriz. – Não sou nem uma coisa nem outra. – É só bonita. – Só bonita, não. Eu trabalho. Num escritório de advocacia. – Ah, é advogada? – Não. Faço trabalho administrativo. – Veja você. Quando a gente vê uma mulher extremamente bonita, como é o seu caso, logo conclui que ela deve viver de explorar sua beleza. Que se não fizer isso está desperdiçando sua beleza. Ou sonegando sua beleza do público. O que não deixa de ser uma forma de preconceito. A mulher pode ser bonita sem fins lucrativos. Pode ser bonita de graça. – Você, como apostou? – Hein? – Você: apostou que eu era atriz ou modelo? – Pois você não vai acreditar. Fui o único que destoei dos dois lados. Disse: aquela ali é uma intelectual. – Não sou não. – Certo. Não digo uma escritora, uma pesquisadora, uma estudante de antropologia social... Mas há algo de... de... espiritual na sua beleza. Pensei: ela pode não abrir um livro... – Gosto de livro de vampiro. – Pois então. Ela pode só ler livro de vampiro e ao mesmo tempo ter uma mente superior. Notei isso de longe. Vim aqui com a missão de descobrir se você é modelo ou atriz e vi que eu é que tinha razão. – Você ganhou a aposta. – É... Não vou precisar pagar o chope... Se eles acreditarem em mim, claro. – Como, se eles acreditarem? – Podem não acreditar. Achar que eu estou inventando para ganhar a aposta. Que você não tem nada de espiritual. E nenhuma curiosidade intelectual. – Como eu posso ajudar? – Vamos fazer o seguinte. Hoje, às 10h, tem uma entrevista com a Marilena Chauí na TV Cultura. Eu posso, lá da outra mesa, lembrar você da entrevista e você faz um sinal de oquei. Oquei? – Combinado. Ele volta para a mesa da turma e diz: – Está no papo. – O quê?! – Dez horas no apartamento dela. – Você está brincando... – Eu não apostei que conseguia? E para ela, na outra mesa: – Dez horas! Não esquece! – E ela faz um sinal de oquei.

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