quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Angelopoulos se dividiu entre a história e o existencialismo - AMIR LABAKI

Opinião
Angelopoulos se dividiu entre a história e o existencialismo

AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA


Theo Angelopoulos morreu como viveu: filmando.

Aos 76 anos, ele rodava um novo filme sobre a crise econômica que devasta sua Grécia natal quando foi atropelado por uma moto.

Parecia ensaiar um retorno a seu primeiro cinema, engajado e histórico, numa obra sempre comprometida em simultaneamente tomar o pulso de seu país e expressar sua complexa visão de mundo.
Não o encontrei quando de sua visita ao Brasil em 2009, para receber uma homenagem pela Mostra de Cinema de São Paulo, que já o celebrara anteriormente com uma retrospectiva.

Mas tive o privilégio de uma longa e exclusiva entrevista para esta Folha em seu quarto de hotel em Cannes em 1995, logo antes da cerimônia em que receberia o Prêmio Especial do Júri por "Um Olhar a Cada Dia".

Ele não ocultaria do público a decepção por ver-lhe escapar mais uma vez das mãos a Palma de Ouro, então atribuída a "Underground", de Emir Kusturica. Mas sua vez viria, três anos depois, com "A Eternidade e um Dia".

No encontro, Angelopoulos revelou combinar intensidade intelectual com ternura de modos, como que espelhando a elaborada construção de seu cinema, de longos planos-sequência, não raramente nos conduzindo por diferentes temporalidades, suaves movimentos de câmera, quadros compostos e apreço por símbolos. O estilo é o homem e vice-versa.

"Filmo para mim, para meus amigos e para adocicar o tempo que passa", confessou-me o diretor de "Paisagem na Neblina" (1988).

Em quase meio século de atividade, realizou pouco menos de uma dezena e meia de longas-metragens.
Eles se dividem, de maneira geral, em duas grandes fases: o período inicial, histórico, marcado sobretudo pela trilogia sobre a turbulenta Grécia dos anos 1930 aos 1970 ("Dias de 36", "Os Atores Ambulantes" e "Os Caçadores"); e o período existencialista, com belos capítulos autobiográficos ("Viagem a Cítara" e "Um Olhar a Cada Dia").

"O meu cinema é da memória, de certa forma", autodefiniu-se em Cannes. "Não acho que exista passado. Tudo é presente. Tudo volta e volta, queiramos ou não."

"A Eternidade e um Dia", a obra de sua consagração definitiva, surge como paradigmática. Eis novamente um artista em crise (um cineasta no filme anterior, agora um poeta) que flana pela Grécia contemporânea enquanto recorda sua vida e pranteia pelo estado da arte.

Foi também assim que Angelopoulos nos deixou.

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