quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Ministro do Supremo beneficiou a si próprio ao paralisar inspeção

Ricardo Lewandowski, que concedeu liminar contra corregedoria, recebeu pagamentos sob investigação

Ministro atuava no Tribunal de Justiça de São Paulo antes de ir para o STF e não vê problema em conduta

Mônica Bergamo

COLUNISTA DA FOLHA


O ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), está entre os magistrados que receberam pagamentos investigados pela corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no Tribunal de Justiça de São Paulo, onde ele foi desembargador antes de ir para o STF.

Lewandowski concedeu anteontem uma liminar suspendendo a investigação, que tinha como alvo 22 tribunais estaduais. O ministro atendeu a um pedido de associações como a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que alega que o sigilo fiscal dos juízes foi quebrado ilegalmente pela corregedoria, que não teria atribuição para tanto.

Por meio de sua assessoria, Lewandowski disse que não se considerou impedido de julgar o caso, apesar de ter recebido pagamentos que despertaram as suspeitas da corregedoria, porque não é o relator do processo e não examinou o seu mérito.

A liminar que ele concedeu suspende as inspeções programadas pelo CNJ e permite que o relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, volte a examinar a questão em fevereiro, quando o STF voltará do recesso de fim de ano.

A corregedoria do CNJ iniciou em novembro uma devassa no Tribunal de Justiça de São Paulo para investigar pagamentos que alguns magistrados teriam recebido indevidamente junto com seus salários e examinar a evolução patrimonial de alguns deles, que seria incompatível com sua renda.

Um dos pagamentos que estão sendo examinados é associado a uma pendência salarial da década de 90, quando o auxílio moradia que era pago apenas a deputados e senadores foi estendido a magistrados de todo o país.

Em São Paulo, 17 desembargadores receberam pagamentos individuais de quase R$ 1 milhão de uma só vez, e na frente de outros juízes que também tinham direito a diferenças salariais.
Lewandowski afirmou, ainda por meio de sua assessoria, que se lembra de ter recebido seu dinheiro em parcelas, como todos os outros.

O ministro disse que o próprio STF reconheceu que os desembargadores tinham direito à verba, que é declarada no Imposto de Renda. Ele afirmou que não entende a polêmica pois não há nada de irregular no recebimento.

A corregedoria afirmou ontem, por meio de nota, que não quebrou o sigilo dos juízes e informou que em suas inspeções "deve ter acesso aos dados relativos à declarações de bens e à folha de pagamento, como órgão de controle, assim como tem acesso o próprio tribunal".

No caso de São Paulo, a decisão do Supremo de esvaziar os poderes do CNJ suspendeu investigações sobre o patrimônio de cerca de 70 pessoas, incluindo juízes e servidores do Tribunal de Justiça.
Liminar concedida anteontem pelo ministro Marco Aurélio Mello impede que o conselho investigue juízes antes que os tribunais onde eles atuam analisem sua conduta -o que, na prática, suspendeu todas as apurações abertas por iniciativa do CNJ.

No caso de São Paulo, a equipe do conselho havia começado a cruzar dados da folha de pagamento do tribunal com as declarações de renda dos juízes. O trabalho foi paralisado ontem.


Colaboraram FREDERICO VASCONCELOS e FLÁVIO FERREIRA, de São Paulo

Saiba mais

Magistrados do TJ teriam recebido R$ 1 mi cada um

DE SÃO PAULO


A inspeção realizada pelo CNJ no Tribunal de Justiça de São Paulo teve como um dos focos um grupo de 17 desembargadores que pode ter recebido ilegalmente R$ 17 milhões dos cofres da corte paulista, como foi revelado pela Folha no dia 8.

Na investigação, feita de 5 a 14 de dezembro, a equipe do CNJ buscou documentos para apurar se o valor foi usado para pagar R$ 1 milhão de uma só vez para cada um dos magistrados.

Vários desembargadores e juízes de primeira instância do TJ têm direito a receber verbas relativas a pendências salariais, mas, em geral, as quitações ocorrem por meio de várias parcelas de pequeno valor.
A equipe do CNJ avalia se não houve violação ao princípio jurídico da impessoalidade e, consequentemente, um privilégio ilegal.

A corregedoria apura a suspeita de que no final de 2010 o então presidente do tribunal, Antonio Carlos Viana Santos, morto em janeiro, tenha se aproveitado de uma sobra orçamentária e determinado os pagamentos em favor de si e outros 16 colegas. O TJ possui 353 desembargadores.

A análise dos pagamentos foi suspensa pela decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do STF.


Conselho vai enviar a Estados cópias de processos suspensos


Além de dar continuidade às investigações, objetivo é expor a suposta inoperância das corregedorias estaduais

Decisão do Supremo paralisou investigações iniciadas pelo CNJ sem passar por Tribunais de Justiça dos Estados
FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA


A corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) -órgão de controle do Judiciário- deve enviar para Tribunais de Justiça nos Estados cópias de seus processos disciplinares que foram suspensos anteontem por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).

Formalmente, o envio dos processos tem o objetivo de dar continuidade às apurações nos tribunais de origem dos magistrados.

A ação do conselho, porém, pretende expor a suposta inoperância das corregedorias locais -argumento usado pelos que defendem a maior autonomia do CNJ.

A decisão que esvaziou o poder de investigação do conselho paralisou automaticamente todas as investigações iniciadas diretamente pelo CNJ, sem passar antes pelos tribunais estaduais.

No mesmo dia da decisão, auxiliares da corregedora do CNJ, Eliane Calmon, já começaram a selecionar os processos suspensos para enviá-los aos tribunais nos Estados. São mais de 54 procedimentos de diferentes anos.

O material deverá ser compilado, analisado e despachado a partir de janeiro, quando os assessores de Calmon voltam ao trabalho, depois do recesso de final de ano.

Eles avaliam que, como não podem fazer nada até que a questão receba uma decisão definitiva, é melhor enviar os casos para os Estados.

'OMISSÃO'
A expectativa da corregedoria é que, ao receberam os processos, os Tribunais de Justiça não farão nada contra os seus próprios membros, corroborando assim a tese de Calmon de que há uma omissão dos órgãos de controle dos Estados.

De acordo com estatísticas do CNJ, os processos originados no próprio conselho representam a minoria.
Recentemente, a Folha publicou levantamento feito em 210 reclamações disciplinares que chegaram no órgão de controle durante este ano.

Os números mostraram que 72% delas (152) foram encaminhadas para os Estados em que os juízes suspeitos trabalham, para que as corregedorias locais atuassem.

Apenas 14% (29) das reclamações começaram a ser apuradas diretamente no CNJ. O restante ou foi arquivado ou recebeu pedido de informações.

Não serão enviados aos Estados os processos relativos a cerca de 60 magistrados que seriam investigados pelo conselho por aumento suspeito de patrimônio.

Essa investigação foi suspensa, também anteontem, por decisão de outro ministro do Supremo, Ricardo Lewandowski.

CONFLITO
A decisão de anteontem foi um dois momentos mais importantes de um conflito que eclodiu no segundo semestre de 2011 e colocou em lados opostos o presidente do CNJ e do STF, Cezar Peluso, e a corregedora Eliana Calmon.

Ele defende a atuação das corregedorias estaduais, enquanto ela diz que o enfraquecimento do CNJ abre espaço para o que chamou de "bandidos de toga".

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