quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Vento anarquista - ZUENIR VENTURA

Quem chamou a atenção para o que classificou de "enigma" foi o historiador e deputado pelo Parlamento Europeu Rui Tavares em recente artigo intitulado "A vingança do anarquista". Ele perguntava por que os mercados apertavam o cerco em torno de Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, e não incomodavam a Bélgica, que tinha uma dívida pública maior do que a portuguesa e, ainda por cima, estava sem governo eleito. Apesar disso, "a economia belga é a que mais cresceu na zona euro nos últimos tempos, ou seja, sete vezes mais do que a alemã".

Tavares ressaltava que isso aconteceu não "apesar", mas "graças" à situação singular dessa monarquia parlamentar que, "desgovernada" há 19 meses, desconhecia medidas de austeridade, recessão, arrocho, demissões e cortes de programas sociais. Desse modo, concluía o articulista, "a economia cresce de forma mais saudável, ajuda a diminuir o déficit e a pagar a dívida". Sede da União Europeia e da Otan, a Bélgica bateu o Iraque na categoria país sem governo, e não fez da crise política uma tragédia; preferiu enfrentá-la com bom humor e comemorar, chamando-a de Revolução da Batata Frita, como paródia à Revolução de Jasmim tunisiana e em homenagem ao prato nacional. Os jornais chegaram a fazer piada. Um anunciou em manchete: "Finalmente campeões do mundo"; outro celebrou, também com autoironia, o feito negativo inédito: "Recorde batido!"

Nos anos 70, o economista Edmar Bacha descreveu como Belíndia um país fictício, desigual e injusto, onde conviviam dois povos, um que tinha o padrão de vida da pequena e rica Bélgica e outro que lembrava a pobreza da Índia. Era o Brasil da época dos militares. Agora, o reino belga está sendo fonte de inspiração para outra fábula - a utopia anarquista de que não só é possível sobreviver sem governo como se vive até melhor sem ele.

Em tempos de descrença nas instituições, quando os jovens estão indo às praças públicas protestar em várias partes do mundo, independentemente de regime, ideologia ou credo, sabendo mais o que não querem do que o que querem, o exemplo belga pode exercer um grande fascínio, principalmente se considerarmos que nessa estação de tantas "primaveras" insurrecionais um pouco do vento da anarquia está soprando.

Já imaginou se a velha moda do "hay gobierno, soy contra" se espalha? No Brasil, onde o comportamento da Câmara e do Senado leva muita gente a sonhar com o seu fechamento por desnecessários, a experiência belga poderia ser adotada durante pelo menos alguns meses. Como se trata de um exercício de fantasia do tipo "o que não tem governo nem nunca terá", da música de Chico Buarque, quem sabe assim o país não funcionaria melhor? Uma coisa parece certa: sem ministros e ministérios, a corrupção seria menor.

Trem fantasma - DORA KRAMER

Reza uma versão atribuída ao "Palácio do Planalto" que o governo resolveu não tomar conhecimento do fato de que seu ministro do Trabalho, Carlos Lupi, foi funcionário fantasma do gabinete da liderança do PDT na Câmara durante mais de cinco anos, porque em "todos os partidos" há contratados que não aparecem no trabalho.

Um adendo: como de resto se deixou para lá a escabrosa história de um mecânico petista que ao tentar registrar seu sindicato (cartório, guichê de arrecadação, como queiram, pois o objetivo é ter acesso ao dinheiro da contribuição sindical) no Ministério do Trabalho foi informado de que deveria pagar um "por fora" de R$ 1 milhão.

Recusou-se - até porque não tinha o dinheiro -, comunicou o ocorrido a parlamentares petistas, mandou e-mail ao gabinete da presidente, ao secretário-geral da Presidência, mas, como disse o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, são muitas as mensagens que chegam todos os dias dizendo isso e aquilo.

Portanto, não havendo mãos a medir para atendê-las, a solução é deixar todas para lá.

A Presidência foi mais atenciosa na resposta: informou que o e-mail enviado a Dilma Rousseff chegou truncado, não dava para ler justamente o trecho da denúncia sobre a tentativa de extorsão. Do cinismo, uma obra de arte.

E as outras mensagens? E os avisos aos parlamentares? O senador Eduardo Suplicy disse que mandou um ofício à boca do lobo, ou melhor, ao Ministério do Trabalho. De onde menos se esperava que saísse uma providência é que não saiu nada mesmo.

Em Roma como os romanos, deixemos para lá. Voltemos ao caso da Câmara, de onde Carlos Lupi recebeu salário entre 2000 e 2006 sem aparecer para trabalhar, ato considerado aceitável porque há fantasmas para todo lado.

É a lógica da ilegalidade tornada legítima pela adesão à prática - a mesma aplicada ao uso do caixa 2 nas campanhas eleitorais. Se muita gente comete uma infração, ela passa a ser considerada, digamos, um hábito.

Em tempos menos estranhos à distinção entre o certo e o errado e em ambiente menos permissivo, tal revelação suscitaria dois tipos questionamentos: um ao ministro, cuja ficha já se assemelha a um boletim de ocorrências, outro à Câmara dos Deputados a fim de se verificar que bagunça é essa.

No lugar de admoestações, no entanto, o que tivemos foi a assinatura do líder do governo na Câmara em mais um atestado de desmoralização do Parlamento.

"A maioria dos funcionários (contratados pelos deputados) jamais pisou na Câmara", disse Vaccarezza. Ao defender o sagrado direito à boquinha, o deputado defendeu também a malversação.

Uma velha conhecida dele. Desde os idos de 1996, quando prestava o mesmo tipo de serviço no gabinete do vereador malufista Brasil Vita. Era, então, secretário-geral do PT, não tinha mandato parlamentar e ganhava a vida na base do ponto assinado sem comparecer ao trabalho.

Não fossem tão estranhos os tempos nem tão permissivo o ambiente, a afirmação do, note-se, líder do governo na Câmara requereria do presidente da Casa uma averiguação e dos partidos ali representados a apresentação da prova em contrário.

Não haverá uma nem outra. Os partidos serão comedidos nos protestos (se houver) a fim de não materializar seus fantasmas, Vaccarezza talvez se veja obrigado a consertar a declaração dizendo que foi entendida fora do contexto e Marco Maia, ah, o presidente da Câmara no dia anterior já havia explicitado a empresários paulistas qual é o seu padrão.

Reunido com o Grupo de Líderes Empresariais (Lide) na segunda-feira, foi instado a se manifestar sobre ética na política e cobrado por causa da absolvição de Jaqueline Roriz, filmada recebendo dinheiro de origem suspeita.

E o que disse o deputado aos homens de negócios? "A Câmara não é uma delegacia de polícia, embora muitos desejem que se transforme numa delegacia de polícia."

Engana-se ou se faz de desentendido o presidente da Câmara. Ninguém quer que o Legislativo seja uma delegacia. Bastaria que cumprisse direito sua delegação e não contribuísse para fazer da política um caso de polícia.

sábado, 26 de novembro de 2011

Sonho pode apagar memórias negativas

Experimento feito por pesquisadores da Califórnia monitorou cérebro de voluntários que viram imagens 'fortes'

Estudo mostrou que fase do sono marcada por sonhos diminui o estresse cerebral ligado a essas experiências

SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO


Qual a receita para apagar uma memória dolorosa? O tempo, claro -incluindo o tempo gasto no sono e nos sonhos. É o que sugere uma pesquisa da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA).
De acordo com os cientistas, os processos químicos cerebrais durante o sonho ajudam a filtrar as experiências emocionais negativas.

É na fase de sonhos do sono, conhecido como REM (sigla inglesa para "rapid eye movement", ou movimento rápido do olho), que o cérebro trabalha as experiências emocionais. Essa fase equivale a 20% de uma noite.

O estudo dos EUA contou com 34 jovens saudáveis, divididos em dois grupos.
Metade viu 150 imagens "fortes" na parte da manhã e à noite -eles ficaram acordados entre as sessões. A outra metade dormiu uma noite entre as visualizações (veja infográfico acima).
Os pesquisadores observaram que aqueles que dormiram entre as visualizações relataram uma reação emocional melhor às imagens.

Além disso, exames de ressonância magnética dos participantes enquanto dormiam mostraram uma redução na atividade da amígdala (região cerebral que processa as emoções) no sono profundo.

REM
"Esse é o resultado mais interessante do trabalho. Não havia ainda uma relação comprovada entre sono REM e redução da atividade da amígdala", analisa o neurocientista Sidarta Ribeiro, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

Os resultados sinalizam a importância do sonhar. "O estágio do sonho é uma espécie de terapia durante a noite", explica Matthew Walker, principal autor do estudo que está na "Current Biology".
O trabalho também indica porque as pessoas com estresse pós-traumático, como veteranos de guerra, sofrem com pesadelos.

A "terapia noturna" não funciona direito em pessoas traumatizadas, pois o sono REM costuma ser interrompido recorrentemente.

Ao dormir, a pessoa revive o trauma porque a emoção não foi devidamente arrancada da memória no sono.

Os pesquisadores também registraram a atividade do cérebro dos participantes enquanto eles dormiam, usando eletroencefalograma.

Durante o sono REM, a atividade cerebral diminui. Isso indica que a queda de estresse no cérebro ajuda a processar as reações emocionais às experiências do dia.

"Durante o sono REM há uma diminuição dos níveis de norepinefrina, um neurotransmissor associado ao estresse", explica Walker.

Os pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley têm trabalhado há algum tempo ligando o sono ao aprendizado, à memória e à regulação do humor. Mas ainda não há um consenso científico sobre a função do sonho na saúde das pessoas.

Até a publicação de "A Interpretação dos Sonhos", de Sigmund Freud, concluída no final do século 19, os sonhos eram vistos como premonições ou eram relacionados a problemas digestivos.

Freud lançou a ideia de que o sonho tinha uma ligação com o processamento inconsciente das emoções.
"Hoje, fazemos trabalhos que têm a ver diretamente com o que Freud estudou, mas de maneira mais aprofundada", explica Ribeiro

Jussara na berlinda - José Castello

A leitura dos poemas da pernambucana Jussara Salazar — que reencontro em “Carpideiras” (Editora 7Letras) — me arremessa de volta aos jogos de infância. Não sei de que parte da mente, entre um verso e outro, me ressurge a antiga brincadeira da berlinda No jogo infantil, uma das crianças é objeto de comentários que lhe chegam anonimamente. Às cegas, deve eleger um deles, o que transforma o emissor em seu substituto. Nesse entrecruzamento de posições, alguém sempre está na berlinda. Como, na vida, sempre estamos.

Estranho que um livro que fala das lágrimas e de morte me remeta, justamente, à infância. É mais prudente examinar melhor a palavra, “carpideira”, que o dicionário define como uma “mulher mercenária que acompanhava os funerais pranteando os mortos”. Há, em sua figura, uma “atuação” — como a do ator em cena. Uma encenação nesse choro que empresta dramaticidade a um corpo vazio.

Existe, talvez, uma relação imprevista entre as carpideiras e a berlinda. Nos dois casos, joga-se alguma coisa — uma parte do ser está em questão. Mas existe, também, uma diferença crucial: enquanto as crianças colocam-se na berlinda por prazer, as carpideiras choram para tirar vantagens de suas lágrimas. O desempenho na berlinda é gratuito, fútil e interminável. Já as carpideiras medem as horas e as intensidades de seu choro, à espera do justo pagamento. Nem isso importa: crianças e carpideiras tiram efeitos surpreendentes de seus desempenhos.

Essa tensão entre o inútil e o útil está no coração dos poemas de Jussara Salazar. As carpideiras fazem sua ópera Por isso talvez o livro, em que a poesia se metamorfoseia às vezes em prosa, abre com um cenário luxurioso. “No ano sagrado da colheita ao entrar na aldeia víamos a grande arvore luminosa plantada ao centro do bosque”. A árvore evoca os deuses e remete a sentimentos antigos. Prossegue a poeta: “Do chão em torno de seu corpulento lenho brotava o fogo-fátuo (...) por onde saltava misterioso o boitatá enquanto alguns macacos lançavam olhos de fogo ao vento”.

As imagens, contínuas e tensas, se derramam sobre as páginas, nelas gravando o tom agudo (choroso) do poema. Estamos em um teatro: o versos vêm entrecortados por breves descrições de cena. Costuram uma narrativa secreta. A ação parece incontrolável: “Aceso o clarão das velas do céu/ um macaco salta a umbra noturna/ rondando a manhã lunar”. Nas sombras, velhas — como versos rangentes — se movem e se lamuriam. A palavra, milenar, encarna-se nesses personagens vagos, para quem a poesia é, antes de tudo, um canto. Música remota, impregnada nas palavras. Encanto.

Jussara faz dos poemas um leito para o relato. O zumbido nordestino a envolve. Descreve: “Cantarolando entre as rãs/ sou humana rodopio/ no alpendre da casa”. A magia esconde-se nas miudezas. A construção equivale à destruição Escreve Jussara: “Sangro a terra arrancando pedaços/ até que nada reste e vou-me raposa/ ao vento desatinada e casta noiva”. As lágrimas imitam sangue que escorre. Ao fundo, um coro de anjos acolhe a aflição do leitor. “Quem quer ver a barcarola/ Que vai se deitar ao mar/ Nossa Senhora vai nela/ Vão os anjos a remar”.

No entrecruzamento de falas (comentários secretos, como na berlinda), as posições se deslocam. Personagens fluidos, eles se esquivam, se disfarçam, não se deixam pegar. A História, com seu ameaçador “H” maiúsculo, percorre as entrelinhas: “Passou um minuto e depois cem anos/ quando a barca das velhas aportou/ Trouxeram o breviário e umas fotos lá do cafundó”. Ato: teatro. No laço dos poemas, cada gesto, por menor, ganh grandeza.

Em uma escrita antiga, Jussara remenda versículos, cantos, orações, retábulos. Até que o livro, retorcendose, fala de si mesmo. Está escrito: “Abre-se o livro/ sinuoso rio/ voz muda/ palavra bela”. Diz mais: “Rio livro sinuoso/ cósmico/ a água arrasta/ a maré carrega/ rio sinuoso/ livros sãocasas”. Jussara escreve aos talhos; é uma escultora que, com a lâmina das palavras, corta nossa ilusão. O jorro de palavras conduz a um “canto geométrico”, discretamente cabralino, que a poeta define como um “teatro de luz”. Jogo bruto _ as metáforas como cartas sangrentas, as palavras como grilhões. A escrita de Jussara é espessa, cada palavra arrasta consigo algo de material. Quase podemos ouvir o choro que sublinha a palavra.

Volto à berlinda, jogo em que palavras anônimas se oferecem como cartas de um baralho. A criança (a poeta) faz sua escolha no escuro e depoi precisa aceitar o que a sorte lhe destinou. O coro das carpideiras instala o teatro da morte, mas também purifica a casa dos malefícios da dor. Ele a incorpora, transformando-a em energia. Ato de salvação em que a vida, mesmo diante da morte, resiste. No momento em que rematam a mortalha, as velhas carpideiras ainda dizem: “Com espinho/ costuro amarro/ prendo teu coração com o meu”. O canto (a palavra) é este cordão forte com o qual, choramingando, as carpideiras se amarram à morte. Não para engoli-la (não para morrer), mas para lhe destinar um lugar. O teatro do poema chega, enfim, a seu termo: “dá corpo” a algo que já não tem corpo algum. Eis a poesia.

É um jogo, é só um jogo, que tem seu lado interesseiro, mas que, para além disso, acolhe e emoldura o rombo que, impotentes, enquadramos com a palavra “morte”. Como diz a poeta, depois “a beleza adormece”, envolta, enfim, no silêncio. “Calar o escasso é cantar um reinado”. Envolto na mudez, “o relógio das horas/ ecoa sem fim”, sinal de que a vida — arrancada da morte, como em um parto — prevalece.

A poesia não tem solução. Nada resolve. Como o canto das carpideiras, não passa de encenação. De um substituto, um consolo. Poetas podem ser mentirosos, fraudulentos, falsários, nada importa: é a palavra que, fingindo-se de veste, lhes dá o próprio corpo. De um poeta, o que se tem, enfim, é só isso: uma ferida. Diz Jussara: “este cortejo é uma rua/ uma saída/ onde a ânsia mergulha/ no espesso da vida”. O que mais ouvir, senão esse rumor?

Email: josegcastello@gmail.com.

Leia mais textos do colunista em www.oglobo.com.br/blogs/literatura

Se o eletrônico morreu? Há controvérsias - Claudia Assef

Neste 2011 que está para acabar, muito se falou, inclusive neste espaço, sobre o fim da música eletrônica,
ou melhor, de sua transmutação para o pop a ponto de afastá-la totalmente de suas raízes.

Imbuída de um espírito investigador, esta coluna foi atrás de entrevistar dois nomes
que ajudaram a construir os alicerces da dance music – cada um à sua maneira, ambos com muita popularidade. O primeiro, o DJ Frankie Knuckles, esteve no Brasil durante o festival SWU, e o outro, Liam Howlett, fará por aqui, dia 10/12, show com sua banda, Prodigy. Vamos às conversas.

Um dos criadores da house music, o americano Frankie Knuckles estava lá quando toda essa história de discotecagem e de sair para dançar começou. Ele foi parceiro do finado Larry Levan, considerado por muitos o DJ dos DJs de todos os tempos. Portanto, Knuckles, mais do que ninguém, viu modinhas nascerem e morrerem, novatos virarem estrelas e agora acompanha a tecnologia mudar completamente o jeito de se fazer e consumir música. Por e-mail, ele falou à coluna.

Tecnologia e discotecagem.
“Acho que a tecnologia facilitou o serviço para que qualquer pessoa consiga, por exemplo, unir as batidas de duas músicas sem fazer nenhum esforço. Mas uma coisa que ela não te ensina é a habilidade de contar uma história com a música que você toca. Um set sem alma, por mais bem mixado que seja, pode se tornar uma chatice sem fim. Sem as mudanças necessárias, feitas no tempo certo, se torna muito monótono ouvir um DJ, vira um barulho contínuo que ninguém aguenta – a não ser que se esteja doidão, é claro.”

Inspiração no passado. “É um movimento natural. Há um interesse enorme em torno do som que se fazia no começo da house. A nova geração de DJs e produtores tem buscado inspiração na ‘velha guarda’ para trazer um novo fôlego às produções atuais. Acho saudável.” Entre os nomes da nova geração que ele recomenda ir atrás estão os DJs Dimitri From Paris, o carioca Memê, o inglês Grant Nelson, e as duplas K.O.T. (Kings of Tomorrow) e The Shapeshifters.

Superação de limites. Não é exagero dizer que Knuckles teve que se reinventar ao longo da carreira. Em 2008, ele teve um dos pés amputados por conta de complicações relacionadas à diabete: “Tive que me adaptar para continuar tocando, mas agora está tudo certo. Acho que a maior dificuldade foi lidar com a maneira como as pessoas passaram a me ver desde o que aconteceu. Dei duro para retornar o mais perto da normalidade possível sem fazer com que as pessoas em minha volta se sentissem desconfortáveis com minha situação. Mas, acredite, estou bem melhor assim do que estava antes”.

Para onde vai a música eletrônica?.
“Não tenho a menor ideia. Mas só posso esperar que ela melhore. A tecnologia trouxe coisas maravilhosas. Agora, cabe a todos os DJs e produtores que estão fazendo música em seus quartos darem um passo adiante. É preciso criar mais músicas memoráveis”, finalizou. Está dado o toque.

Efeito Prodigy. Não resta dúvida de que o Prodigy tem uma química forte com o Brasil. Basta lembrar o que aconteceu no Skol Beats de 2006, quando o grupo foi o maior responsável por arrastar quase 60 mil pessoas ao evento, gerando correria, tumulto e confusão momentos antes de subirem ao palco. Pelas minhas contas, o Prodigy já esteve no País pelo menos quatro vezes. A primeira apresentação, em 98, teve que ser cancelada por conta do desmoronamento do palco do festival – o Close Up Planet – e eles só voltaram no ano seguinte. De lá pra cá, os shows do Prodigy por aqui sempre tiveram um efeito avassalador. Com a palavra, Liam Howlett, do trio fundador deste grupo formado em 1990 em Essex (Inglaterra), que se tornou sinônimo de música de rave. Brasil & Prodigy. “Acho que o brasileiro é muito festeiro e consegue extravasar sua energia, por isso combina muito com a gente. Nossos shows aí são sempre muito caóticos, as pessoas gostam mesmo de dançar, e acho que isso tem tudo a ver com a gente. Em alguns países, o Prodigy não vai tão bem, se as pessoas são mais contidas, não entendem o nosso som. Mas esse com certeza não é o caso do Brasil. Estamos fazendo bem menos shows do que fazíamos antes, pra poder nos concentrar na gravação do próximo disco, mas um convite pra tocar no Brasil é muito difícil de recusar”, disse o tecladista, na entrevista que fizemos por telefone. O Prodigy toca dia 10, na festa de 15 anos da rave XXXperience, na Fazenda Maeda, em Itu (mais informações em www.xxxperience.com.br).

Dubstep é vida. “Para mim, a música eletrônica está superviva, e muito disso graças ao dubstep. É isso que considero uma das coisas mais legais da música eletrônica; ela está sempre mudando. O dubstep represent uma nova fase. Acho que o gênero trouxe uma energia nova para a dance music. Eu ficaria muito atento ao (americano) Skrillex, que está fazendo coisas bem interessantes. Por exemplo, está produzindo o novo disco do Korn, e certamente sairá alguma coisa bacana dessa parceria. Pode ser que o dubstep não dure muito tempo, mas será importante para promover uma transmutação na música eletrônica. Não precisamos de artistas ‘fake’ como Britney Spears ou Christina Aguilera fazendo dubstep pra provar que ele é relevante.”

Novos rumos. “Não pensamos muito em fazer coisas que quebrem paradigmas, queremos fazer nossas músicas, sabe. Sempre quisemos ficar o mais longe possível das fórmulas da dancemusic. Claro que é legal soar atual, mas não nos impomos essa obrigação. Não queremos pertencer a uma nova cena, nem mesmo criar uma. Para o Prodigy, o importante é fazer nossa música soar bem nos shows ao vivo e, claro, manter viva a chama do underground, porque é lá que gostamos de estar.”

Sangue novo. “Acho fundamental trazer gente nova para a música eletrônica. Não acho que rock esteja cumprindo esse papel, então cabe aos artistas de dance music atrair a atenção da molecada. Uma coisa é certa, as pessoas sempre vão querer sair pra dançar em festas em clubes e ouvir música alta. Portanto, sempre haverá espaço para a música eletrônica evoluir. Mesmo que hoje o espaço esteja sendo ocupado por artistas mais pop, o fundamental é saber que há público. Agora é preciso que mais gente interessante
bote a cabeça para funcionar para criar coisas boas e relevantes.”

sábado, 19 de novembro de 2011

A Charge nossa de cada dia - Gabriel Renner

Hélio Schwartsman - Os neutrinos e a luz

SÃO PAULO - Depois de abalar o mundo dos físicos, em setembro, ao anunciar que flagraram neutrinos viajando mais rápido que a luz, pesquisadores do laboratório Gran Sasso, na Itália, voltaram aos detectores, fizeram novas medições e insistem que os resultados estão certos.

A notícia é tão extraordinária que, para ser aceita, ainda precisa ser confirmada por um centro que não o italiano, mas já podemos ir especulando sobre suas implicações.

Neutrinos são partículas subatômicas com massa. De acordo com a teoria da relatividade especial, de Albert Einstein, a do famoso E=mc², não poderiam ser acelerados para atingir velocidade superluminal.
Se isso ocorre, boa parte da física precisará ser revista. A primeira vítima pode ser a noção de causalidade. Se a velocidade da luz é violada, a forma como o Universo processa informações fica de pernas para o ar. Torna-se, em princípio, possível que efeitos precedam suas causas.

Uma das soluções aventadas para o problema é propor que os neutrinos chegaram mais rápido porque tomaram um atalho por outras dimensões espaciais e quem sabe até por outros cosmos, o que nos leva às incríveis teorias do multiverso, segundo as quais existiriam ao menos nove modalidades de universos paralelos, todas matematicamente consistentes, mas jamais observadas.

Estamos diante de uma encruzilhada epistemológica. Não são poucos os que acusam a ciência de ponta, em especial a física de partículas e os teóricos das supercordas, de criarem um universo de abstrações matemáticas que não têm como ser testadas com a tecnologia atual (um pecado menor) nem em princípio (a danação eterna para um físico). Segundo esses críticos, tais ramos da ciência estariam se aproximando perigosamente da metafísica e da religião.

É claro que não estão, mas esse é um debate fascinante, que inclui, entre outros destaques, a discussão sobre se a matemática é ou não real.
helio@uol.com.br

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

FERNANDO RODRIGUES - O Brasil profundo

BRASÍLIA - A República completou 122 anos ontem no Brasil. E o publicitário Nizan Guanaes usou sua coluna na Folha para procurar uma empregada doméstica que soubesse cozinhar.
"Uma Dona Flor, mas que não precisa ter o corpo da Sônia Braga -precisa é cozinhar", explicou.
Bem-sucedido, Nizan Guanaes diz ser um entusiasta do Brasil contemporâneo. Mas é fascinante como até em cabeças como a dele sobrevive um pedaço renitente do Brasil antigo, profundo.
Esse criptopreconceito vem sempre pendurado em algum elogio. O publicitário louva o país no qual "as pessoas querem ter seu próprio negócio, abraçar profissões 'mais nobres'. E isso é ótimo para elas e para o país". Mas ele, ainda assim, quer a sua cozinheira para fazer aquela "grande e vasta comida brasileira".
Nizan reconhece que o país passa por uma "mudança transformadora". Por isso, admite estar na "desesperadora e cafajeste situação de desejar a cozinheira do próximo".
Em certa medida, o publicitário repete o ato falho de Delfim Netto num programa de TV neste ano. O ex-ministro já se notabilizara durante a ditadura militar por sugerir que o bolo precisava crescer e só depois ser repartido com a população. O diagnóstico delfiniano agora é outro: "Há uma ascensão social visível. A empregada doméstica, que felizmente não existe mais, está desaparecendo. Quem teve este animal, teve. Quem não teve, nunca mais vai ter".
Delfim se desculpou. Em momento algum, desejou referir-se "à classe das empregadas domésticas de maneira pejorativa".
Nizan também deve ter redigido seu texto de boa-fé. Quer dar emprego a alguém. "É fruto do bom momento econômico do Brasil." Só que, ao escolher as palavras do seu "Procura-se uma grande cozinheira", o publicitário mostra, de forma involuntária, como é resiliente o velho Brasil no nosso cotidiano.

Luli Radfahrer - O tempo da gambiarra se foi

Morte do Flash indica que quem quiser fazer de tudo vai terminar crucificado por não fazer nada direito


Esta é uma verdadeira história de inovação. Seu enredo tem incompreensão, oportunidade, rejeição, hegemonia, diversificação, teimosia e uma longa decadência até que a toalha fosse jogada. Tudo muito rápido, como convém.

Ela começa no início da década de 90, época em que a web movida a modem não inspirava confiança. Disputando espaço com CD-ROMs, esperava-se da rede mundial pouco mais do que um jornal de bairro.
Nesse contexto, uma start-up inventa uma ferramenta de animação fácil de usar, que permitia criar vinhetas coloridas que ocupavam pouco espaço e poderiam ser facilmente transmitidas, ideais para as maçantes "páginas" web.

Seu nome era FutureSplash. Tinha sido desenvolvida para os Tablet PCs que já existiam, mas que, avançados demais para seu tempo, morreriam quase duas décadas antes dos iPads. Órfãos, seus inventores tentaram vender a tecnologia à Adobe, mas a gigante da editoração eletrônica estava ocupada demais com o Photoshop e com a linguagem PostScript para prestar atenção.

Sem opções, a tecnologia foi licenciada para quem começava a investir na internet. Entre eles a Microsoft, que resolve usá-la no MSN, na época um programa de notícias que durou pouco tempo.

Em 1996, após derrotas sucessivas, a ferramenta foi comprada pela Macromedia, empresa que tinha percebido o potencial da produção independente de conteúdo web e lançado ferramentas para criação de páginas (DreamWeaver) e aplicativos multimídia (Director). O nome FutureSplash, comprimido, virou Flash. Tinha encontrado seu nicho, e o crescimento era inevitável.

Uma década depois a Adobe compraria a Macromedia. Cinco anos mais tarde surgiria o iPad. A história parecia ter retomado seu curso.

Mas nunca é fácil. O Flash e seus derivados tinham se transformado em um gigante, ocupando lacunas das linguagens de programação.

Toda ferramenta multipropósito, como um triatleta, enfrenta problemas em suas áreas específicas. God-zilla digital, o Flash era simples demais para jogos 3D, limitado para a criação de aplicações específicas e restrito para a leitura por equipamentos dedicados.

A briga com a Apple e a restrição nos iPhones foi o golpe de misericórdia, mas não o único. Antes disso o Flash já apanhava do Google, por ser inacessível para buscas. Especialistas em segurança criticavam sua fragilidade, e defensores da liberdade na rede combatiam seu formato fechado. Até mesmo a Microsoft, antiga parceira, criou um clone de sua tecnologia, o Silverlight.

O Flash Player para smartphones e tablets mal teve dois anos de vida. A tecnologia que já foi sinônimo de vídeo na rede vem sendo substituída por outras de maior qualidade e formato aberto. A interação sofisticada migrou para linguagens de programação de alto nível e ferramentas específicas, como Unity3D. Flash continua grande, mas a falta de foco afasta desenvolvedores e faz a tecnologia, aos poucos, definhar.

Partes da sua história podem ser vistas em todas as empresas de inovação, da descoberta de oportunidades além de seu tempo à criação de "puxadinhos" sem atenção a qualidade, estratégia ou eficiência.

O tempo da gambiarra se foi. O mercado está cada vez mais pulverizado. Quem quiser fazer de tudo vai terminar crucificado por não fazer nada direito.

Carga pesada - DORA KRAMER

Não é confortável a situação da presidente Dilma Rousseff: ou demite o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, e segue a regra aplicada a outros partidos de sua base aliada que também tiveram ministros envolvidos em denúncias em série, ou deixa tudo como está e empresta fundamento às bravatas de Lupi quanto a ser, diferentemente dos colegas, "imexível".

Assim como o vampiro corre da luz e o diabo foge da cruz, o Palácio do Planalto tenta evitar o registro da contabilidade de seis ministros derrubados por suspeita de corrupção, fraudes e gestão indevida, para não dizer temerária.

Mas, ao resistir a fazer o que deve ser feito (a julgar pelo critério adotado pela presidente até agora) apenas para não dar o braço a torcer às pressões das denúncias que não cessam, o governo adere exatamente à lógica da qual busca fugir. Dança, ao inverso, conforme a música e não de acordo com seu critério do que seja ou não aceitável no comportamento de um ministro do Estado.

No último fim de semana acrescentaram-se novas denúncias às já existentes: a carona do ministro em jatinho na companhia de dono de ONG acusada de desviar dinheiro de convênios; a mentira ao Congresso sobre o assunto; atuação livre de lobistas dentro da pasta para acelerar processos de interesse de sindicatos; loteamento de superintendências regionais entre correligionários; privilégio na assinatura de convênios a Secretarias Municipais do Trabalho cujos titulares são filiados ao PDT.

Isso sem contar a impertinência verbal de Carlos Lupi.

Por menos caiu Nelson Jobim da pasta da Defesa, com palavras bem mais leves sobre "idiotas" imodestos, que a dúvida pública de Lupi sobre a autoridade de Dilma para demiti-lo.

Por denúncia semelhante à carona em avião contratado por empresário com negócios junto ao ministério, caiu Wagner Rossi da Agricultura.

Por convênios fraudulentos e favorecimento ao partido (PC do B), caiu Orlando Silva.

E por que Lupi não cai? Consta que no caso do PDT o buraco é mais embaixo.

Formalmente licenciado da presidência por conflito de interesses apontado pela Comissão de Ética Pública, Carlos Lupi é ministro do Trabalho e ao mesmo tempo presidente de fato do partido.

Domina a máquina de cima a baixo e isso dificultaria seu afastamento, porque deixaria o Palácio do Planalto sem interlocutor na legenda para negociar a troca de seis por meia dúzia, como foi feito nos casos anteriores.

Do ponto de vista estritamente argumentativo, a premissa seria verdadeira. Mas, no cotejo com a realidade exposta publicamente por alas dissidentes do PDT, revela-se um conveniente sofisma.

Há pelo menos dois grupos que contestam os métodos de Lupi de se fortalecer a estrutura partidária a partir do uso da máquina pública.

Um deles, aquele com representação no Parlamento, é integrado no Senado por Cristovam Buarque e Pedro Taques e, na Câmara, por Miro Teixeira e José Antônio Reguffe.

O outro se identifica com os fundadores e a liderança de Leonel Brizola. Acusa Lupi de desorganizar propositadamente o PDT para transformá-lo numa sinecura de uso pessoal.

Ambos os grupos já deixaram claro que apoiam investigações e querem ver Carlos Lupi longe do ministério e do partido.

São minoritários? São, mas mostram - como nenhum dos partidos até agora mostrou - que o PDT não é uma rocha em torno de Lupi e que, bem trabalhado, pode vir a ser uma peneira.

Ademais, mesmo junto aos que lhe são fiéis certamente pesa mais o poderio de uma presidente cuja avaliação positiva ultrapassa os 70% e ainda com três anos de mandato pela frente.

Algo se move. Origem não assegura condutas, mas não resta dúvida de que é bom sinal o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, ter ido buscar novos nomes para compor sua equipe no Banco Mundial, na Marinha e no Itamaraty.

Não deixa de ser um passo na direção do rompimento com a sistemática de nomeações exclusivamente partidárias, habitualmente sob o critério da concessão de abrigo a correligionários derrotados em eleições.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Facebook muda nome de Salman Rushdie e revolta escritor

SOMINI SENGUPTA
DO "NEW YORK TIMES"

O escritor Salman Rushdie usou o Twitter para publicar uma série de posts exasperados. Segundo ele, o Facebook havia desativado sua conta, requerendo provas de identidade, e o transformou em Ahmed Rushdie, o nome utilizado pelo autor em seu passaporte. Porém, ele nunca usou seu primeiro nome, Ahmed; o mundo o conhece como Salman.

Salman questionou: será que o Facebook transformaria J. Edgar Hoover em John Hoover, ou Scott Fitzgerald em Francis Fitzgerald?

"Onde você está se escondendo, Mark?", disse, fazendo menção ao executivo-chefe do Facebook, Mark Zuckerberg. "Volte aqui e devolva meu nome!"

O universo do Twitter abraçou a causa. Em duas horas, Rushdie declarou vitória: "O Facebook afrouxou! Eu sou Salman Rushdie novamente. Eu me sinto MUITO melhor. Uma crise de identidade na minha idade não é divertido".

Os pontos discutidos por Rushdie são algumas das noções mais complexas da era digital: você é quem você diz ser on-line? Quem trabalha por isso --e o que ganha com isso?

Como a internet se transformou em um local para todos os tipos de transações, de comprar um tênis a derrubar ditadores, um debate vital vem crescendo sobre como as pessoas se representam e se revelam nos sites que visitam. Um lado vê um sistema em que cada um usará um tipo de passaporte digital com seu nome real e expedido por empresas como Facebook, para viajar pela internet. Outro lado acredita no direito de usar chapéus diferentes --e, às vezes, máscaras-- para você poder consumir e expressar o que quiser, sem medo de repercussões off-line.
Zsolt Szigetvary/Efe
Salman Rushdie
Salman Rushdie

O argumento contra os pseudônimos mostra como a internet do futuro deverá ser organizada. Grandes empresas de internet, como Google, Facebook e Twitter, têm participação importante no debate --e, em alguns casos, filosofias completamente diferentes, que sinalizam suas próprias ambições.

O Facebook insiste no que chama de identidade autêntica, ou nomes reais. E isso tem se transformado em um passaporte em vários sentidos, permitindo que seus usuários entrem em mais de 7 milhões de outros sites e aplicativos com seu nome de usuário e senha do Facebook.

A rede social do Google, o Google+, que abriu suas portas para todos os usuários em setembro, também quer os nomes que seus usuários usam no mundo off-line, e chegou a banir algumas contas por isso.

Mas o Google indicou recentemente que deverá permitir o uso de apelidos. Vic Gundotra, executivo do Google responsável pela rede social, disse em uma conferência no último mês que quer criar uma "atmosfera" confortável mesmo para aqueles que usam nomes falsos. "É complicado fazer isso de forma correta", disse.

Em contraste total, o Twitter segue a teoria do cada um por si, permitindo o uso de pseudônimos de pessoas desde apoiadores do WikiLeaks até a perfis falsos de famosos. Mas ele considera a representação enganosa como motivo para suspender usuários.

"O risco real para o mundo será se a tecnologia da informação criar um sistema de identificação para todos", diz Joichi Ito, diretor do Media Lab, do instituto MIT. "Nos EUA, talvez isso não seja um problema. Mas se cada criança na Síria for identificada a cada vez que usar a internet, ela poderá correr risco de vida".

O problema é que a internet é usada para razões diferentes por pessoas diferentes.

Pode ser vital para uma pessoa usar sua identidade real para encontrar um trabalho em sites como o LinkedIn, diz Ito, mas também pode ser arriscado usar seu nome real para expressar opiniões políticas na internet. Ito diz ficar preocupado com a possibilidade de serviços extremamente populares e ubíquos, como o Facebook e o Google, insistam em uso real de identidade, criando uma espécie de regra para o uso da internet.

As pessoas sempre usaram pseudônimos. Várias delas são mais conhecidas por seus nomes falsos; pense em Lady Gaga ou mark Twain. Outros que usam pseudônimos para se proteger: fontes anônimas e dissidentes. Há ainda aqueles que usam nomes falsos para perturbar outras pessoas ou enviar spams.

A política de nomes reais pode representar problemas na vida real. Wael Ghonim, famoso blogueiro egípcio, usou um nome falso para criar uma popular página contra o ditador Mubarak. Isso fez com que o Facebook desligasse brevemente a página em árabe no meio da revolta popular no país, até que uma mulher americana concordasse em administrá-la usando seu nome real.

Sobre o caso da conta de Rushdie, a empresa não explica o que aconteceu, mas admite que houve um engano. "Nós pedimos desculpas pelo inconveniente que causamos a ele", disse o Facebook.

Rushdie, que já viveu de forma anônima por causa de ameaças de norte, tem ultimamente se revelado no Twitter. E por meio dele, ele lutou por seu nome on-line. Um impostor usava uma conta falsa do escritor no Twitter, e Rushdie pediu para a empresa removê-lo. Agora, sua página tem o símbolo azul de "Conta Verificada", com direito a frase de Popeye: "eu sou o que sou e é tudo isso que sou".

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Caetano Veloso - Tigre

O tema do Brasil visto por estrangeiros foi parte do núcleo do Tropicalismo e nunca me abandonou

Acho que não conheço Flora Thompson DeVeaux pessoalmente. Digo “acho” porque estava certo de nunca ter encontrado Benjamin Moser (embora o achasse familiar nas fotografias), mas afinal ele me disse que nos conhecemos em Nova York (já aderi ao Y e ao K na grafia do nome dessa cidade tão amada e aonde vou tão pouco: as letras voltaram oficialmente para o português, no amalucad acordo, e toda a razão do argumento que me foi apresentado por Sergio Flaksman ganhou do meus caprichos): Benjamin trabalhava na Knopf era assistente de George Andreou quando este me convenceu a escrever e publicar “Verdade tropical”. Admito que ele mudou bastante (não sei s emagreceu ou se simplesmente ficou mais bonito), mas o fato é que eu o vi e falei com ele muitas vezes naquele tempo, e me surpreendeu que eu não me lembrasse dele agora. Assim, pode ser que eu já tenha visto Flora em algum lugar. Mas o querer dizer isso? Que não gravo as feições de americanosque gostam de Clarice Lispector?

Bem, estou no Recife, me preparando para ir para o Chevrolet Hall (que nomes têm os locais de show hoje em dia!) cantar com Maria Gadú, sendo que saio do palco para um jatinho que me leva a Maceió, onde faço show amanhã (coisa rara em minha vida fazer shows em dias seguidos em cidades diferentes, mas o voo daqui até a capital das Alagoas dura menos de meia hora). De modo que não tenho tempo para tentar escrever objetiva e concisamente, o que deveria ser meu fito, uma vez que escrevo para comentar algo escrito por uma americana. Já ralham comigo amigos e desconhecidos pela falta de clareza e coesão dos meus textos — os menos chegados sempre exemplificando com a capacidade anglo-saxônica de escrever de maneira breve e expressiva. Imagina se me ponho a dialogar com uma jovem ianque que estuda em Princeton, encafifou-se com o jeito high school dos alunos da PUC e, sem embargo, apaixonou-se pelo Rio de Janeiro! Logo eu, que estudei na Universidade da Bahia, tendo ido às aulas no primeiro ano e abandonado a escola no segundo, o ano do golpe militar (que Mauro Lima retrata em “Reis e ratos”, com ênfase na participação da CIA no episódio).
Não. Nem dá.

Li alguns textos de Flora no blog da “Piauí” porque me mandaram aquele em que ela comenta “La piel que habito”, referindo-se en passant ao artigo que publiquei aqui sobre o filme. São textos bacanérrimos. Têm as virtudes louvadas na boa prosa americana em geral, mas com uma marca pessoal irresistivelmente vívida. Há uma apresentação em (ótimo) português, mas os posts mesmo são em inglês, porque ela acha que seu humor é “um pouco intraduzível”. São textos engraçados, elegantes e que esboçam um olhar antropológico sobre a vida brasileira. Ex-aluno de Padre Pinheiro, não me atrevo a querer enfrentar a ironia veloz de uma mente juveníssima e metropolitana. Mas, como já escrevi em algum lugar, o tema do Brasil visto por estrangeiros foi parte do núcleo do Tropicalismo e nunca me abandonou. Flora chia contra o que lhe pareceu clichê na imagem caricata de um carioca fantasiado de tigre, cuja biografia é dada em segundos nos termos de “cresceu numa favela” etc. Que ela tenha quase exortado os brasileiros a reagirem contra isso é intrigante. No post, ela faz um paralelo, que seria forçado se não fosse uma piada explícita, entre a ideia convencional que forasteiros fazem do Brasil habitado por bandidos de favela que se fantasiam no carnaval e a que nós fazemos das relações dos americanos com a ceia do Dia de Ação de Graças. Em suma, ela diz que aqui perguntam a ela se vai perder o tal peru do jantar, obrigatório nas sitcoms da TV, e parece que a favela do filme de Pedro é algo que quem não conhece o Brasil pergunta a quem, como ela, conhece bem mas não é daqui, se não teme. E conclui que os americanos ao menos são responsáveis pelas sitcoms, enquanto os brasileiros deixam a última palavra a Almodóvar e aos Simpsons (em referência a um notório episódio do desenho em que o Rio aparece mal).


Sou do tempo em que a plateia brasileira desprezava “Orfeu negro” (que é adorado por estrangeiros e até inspirou o romance de que nasceu Obama) como os austríacos rejeitam “A noviça rebelde”. Contei a Pedro sobre o texto de Flora, e ele logo se lembrou de “A condessa descalça” e “Vicky Cristina Barcelona”, para só falar de dois filmes americanos de grandes diretores em que a Espanha aparece em clichês inverossímeis. Creio que Flora não acharia as Espanhas de Mankiewicz e de Woody Allen mais aceitáveis do que o Rio de Pedro. Mas o que mais me interessa dizer a ela não é que Pedro se tenha posto acima desses exemplos (pois apesar de parecer preso a contradições relativas a seu tom paródico e autoparódico, Pedro não nos deixa brecha para pensar que ele se rendeu a um clichê). O que me interessa é frisar que os brasileiros não se grilarem com isso pode ser um bom sinal. Para um velho tropicalista, sim. Faz pouco tempo, os atores de “Velozes e furiosos” vieram ao Rio lançar o número X da série. Dizem que o Rio é tratado como lixo sociológico numa obra que é lixo artístico. Meu filho de 19 anos foi ver e achou o filme mau, mas apenas riu dos erros e dos desrespeitos à vida carioca. Houve tempo em que a tensão relativa à improvável respeitabilidade do Brasil aos olhos dos outros era opressiva. Hoje, sentimos que filmes como “Cidade de Deus” é que dão a última palavra. Internamente, são os filmes de Coutinho.

Alain Fresnot - Cinema brasileiro, simples e eficaz

Em dois a três anos, adotando algumas medidas, é possível atingir nível de produção que permitirá ao cinema brasileiro ter 40% do mercado interno

A Argentina recentemente estabeleceu um imposto progressivo sobre o numero de cópias dos filmes americanos oferecidos. O fato de dois ou três lançamentos hollywoodianos simultâneos ocuparem mais de 70% da oferta é comum em praticamente todos os países, e reflete a demanda existente.

Ao operar em escala "interplanetária", o cinema americano consegue reunir capitais que permitem desenvolver os produtos e simultaneamente criar a demanda.

A capilaridade da divulgação dos filmes americanos em produção é extremamente eficiente. A divulgação é permanente. Pequenos jornais do interior têm mais materiais "jornalísticos" dos filmes que serão lançados, com um, dois anos de antecedência, do que o dos filmes nacionais do ano em curso.
Com o PSDB, foi criada a agência reguladora, Ancine, e instituídos os incentivos fiscais que fizeram o cinema brasileiro ressuscitar depois da tragédia Collor de Mello.

Com o PT, criamos o Fundo Setorial, o Vale Cultura e, recentemente, o PL 116, sobre conteúdo em TV, estes últimos ainda dependentes de regulamentação. A ministra Ana de Hollanda vem coordenando os esforços da agência reguladora e do Conselho Superior do Cinema para estabelecer um novo patamar de crescimento do setor.

É possível alavancar nossos filmes em quantidade e qualidade, hoje com só 15% em média de "market share". Para isto, é o bastante desfazer um dos maiores erros cometidos contra a atividade: a redução da porcentagem disponível para as empresas aplicarem em cultura, de 6% para 4%, imposta em 1998 pelo ministro Francisco Weffort, e que deve ser revista com urgência.

Implantada em consequência da crise na Ásia e com promessa de reversão, nunca foi reconsiderada. Sudan, Suframa e outras áreas cujos incentivos foram reduzidos na ocasião tiveram suas alíquotas recuperadas, só a cultura não.

Além disso, ao longo destes anos, institutos e fundações foram criados, afastando grandes grupos do patrocínio à produção cinematográfica. Televisões públicas, secretarias de cultura estaduais e municipais buscam também recursos incentivados, gerando uma competição fratricida e desigual entre agentes públicos e privados e entre as diversas linguagens artísticas.

Com a regulamentação do PL 116, haverá aumento dos recursos públicos investidos diretamente na atividade. Resta agora recuperar a margem dos produtores no contato direto com empresas, devolvendo a possibilidade de investir 6% do Imposto de Renda devido em cultura.

Isso permitirá um equilíbrio entre as duas fontes de recursos, deixando aos produtores a possibilidade de buscar financiamento mais adaptado a cada filme.

Com isso, no prazo de dois a três anos, é possível um nível de produção que permitirá ao cinema brasileiro participar de 40% de seu mercado interno, com os benefícios daí decorrentes.
Não há hipótese de nossos filmes aumentarem sua presença sem um comprometimento do poder público para além do Ministério da Cultura e da Ancine. É necessária uma vontade de Estado, que envolva vários ministérios, a Fazenda e a própria Presidência da República.

ALAIN FRESNOT é membro do Conselho Superior de Cinema, diretor e produtor de "Ed Mort", "Desmundo" e "Família Vende Tudo". Foi presidente da Associação Paulista de Cineastas.

A Charge nossa de cada dia - Mandrade

domingo, 13 de novembro de 2011

Melodrama e tragédia em Almodóvar - SÉRGIO TELLES

A Pele Que Habito, novo filme de Almodóvar, é uma boa vitrine de suas habituais estereotipias, responsáveis pela criação de um mundo ficcional marcado pelo excesso, pelo exagero, pelo kitsch melodramático onde circulam personagens a um passo da caricatura.

Nessa salada de desgraças temperada com mão pesada, Almodóvar nos mostra filhos que ignoram a identidade de seus verdadeiros pais, mortíferas rivalidades fraternas, traições, suicídios, mutilações por queimaduras extensas, tudo isso emoldurando seu habitual prato de resistência - um caso de mudança de sexo. Mas há uma considerável novidade. Desta vez a mudança de sexo não é uma transformação desejada conscientemente pelo personagem e obtida após a superação de grandes dificuldades. Aqui ela ocorre como uma violência que lhe é imposta contra sua vontade, uma vingança contra sua masculinidade. Esta vingança tem outras intrigantes conotações tanto para o agressor como para a vítima, mas não vou abordá-las para não expor completamente o enredo, comprometendo o prazer de quem não viu ainda o filme.

O que nos prende a uma trama como esta, cheia de reviravoltas rocambolescas, que não se preocupa com a verossimilhança e que beira o ridículo? O que é que nos faz ficar entre a crítica zombeteira e a fascinação frente aos inacreditáveis transbordamentos afetivos que nos são apresentados? Será que por se afastar tanto da realidade externa, a trama se revela como uma fantasia bruta que emerge como que diretamente dos desejos mais reprimidos e secretos guardados no inconsciente? Poderia ser uma versão não burilada do que Freud chama de "romance familiar" a forma como a mente infantil ficcionaliza o mistério do amor entre os pais, os ciúmes entre os irmãos, o magno enigma das diferenças anatômicas sexuais, a bissexualidade e a castração?

Vistos sob esse prisma, os temas de A Pele Que Habito são atemporais e de longa data aparecem no imaginário coletivo. Haja vista, por exemplo, a castração do sedutor como punição aplicada pelo pai que lava a honra da filha deflorada. Mas nos tempos atuais eles adquirem formas distintas.

Uma das características da contemporaneidade é a diferente moralidade frente à sexualidade. Essa radical mudança decorre dos movimentos de liberação feminista e gay. Nessa luta, ambas as facções tiveram o inesperado e inestimável auxílio dos avanços da tecnociência, que estabeleceram métodos anticoncepcionais seguros e possibilitaram profundas intervenções no corpo. A pílula libertou a sexualidade da mulher, até então delimitada pela maternidade. A tecnologia alterou as modalidades da reprodução humana (inseminação artificial, fecundação in vitro, implantação do ovo em barrigas de aluguel, etc.) a ponto de, estritamente falando, prescindir da forma convencional configurada pela junção de dois seres de sexos opostos. Além disso, os avanços da medicina, através da manipulação hormonal e de novos procedimentos cirúrgicos, produziram alterações radicais no corpo, tornando viável até mesmo a mudança de sexo.

Acompanhando essas transformações, os costumes passaram a aceitar novas formas de relacionamentos, como as famílias reconstituídas após o divórcio, a união estável protegida pela lei entre casais heterossexuais e a união civil homoafetiva, que abriu espaço para que pares homossexuais postulassem uma nova forma de parentalidade, através da adoção de filhos ou da concepção por meio dos recursos tecnológicos, quando o gameta de um dos interessados é fecundado in vitro e implantado posteriormente num útero de aluguel ou de um dos cônjuges, no caso de um casal de lésbicas.

Essas novas parentalidades, essas diferentes configurações familiares, essas inquietantes possibilidades de manipulação do corpo, levando aos extremos da mudança da identidade de gênero, estão no centro do universo mostrado nas obras de Almodóvar.

Em sendo assim, aquilo que à primeira vista nos provoca estranhamento e nos parece inverossímil em seus filmes não decorreria tanto do excesso melodramático e sim algo próprio deste novo e desconhecido mundo do qual Almodóvar é um dos primeiros cartógrafos.

De fato, se observamos com atenção, verificamos como é psicologicamente correta a construção de seus personagens e das situações-limite por eles vividas, produto de famílias extremamente disfuncionais que eles são. Em A Pele Que Habito, por exemplo, pode-se rastrear a sucessão de eventos desastrosos a um casal que não assume a esterilidade de um dos cônjuges, o que leva - por um lado - à produção de filhos ilegítimos que ignoram suas origens e, por outro, a uma mulher que não pode assumir plenamente a maternidade, mantendo com os filhos uma relação simultaneamente falsa e parcial, alimentando a rivalidade entre eles. Ambos apresentam falhas identitárias e, cada um à sua maneira, desenvolvem condutas delinquenciais. Um deles se mostra impossibilitado de exercer a contento a paternidade e de elaborar seus lutos, mantendo uma atitude megalomaníaca de negação da morte e de outras limitações humanas.

Reformulando então a questão posta inicialmente, poderíamos dizer que a estranheza dos filmes de Almodóvar reflete aspectos da contemporaneidade que ainda nos parecem obscuros e pouco familiares, mas reais e dignos de observação. E, quem sabe, a roupagem melodramática com a qual os apresenta seja um recurso para torná-los mais palatáveis para o grande público, disfarçando a insuportável dimensão trágica neles implícita.
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Presidente pavio curto - Vera Magalhães

Broncas frequentes de Dilma introduzem tensão na relação com ministros e colaboradores

VERA MAGALHÃES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA


Quem tem medo de Dilma Rousseff? A julgar pelos relatos do dia a dia na Esplanada dos Ministérios, a resposta é simples: todo mundo.

A Folha ouviu ministros, assessores e parlamentares sobre as famosas broncas da presidente. A conclusão é que ninguém está imune a elas -nem os "queridinhos" de Dilma, como Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) e Guido Mantega (Fazenda).

A lista de fatores que provocam a ira da presidente vai do desconhecimento dos assuntos de governo a tentativas de enrolá-la ou dar palpites sobre áreas dos colegas.

Alguns ministros se abalam emocionalmente com os pitos. Duas ajudantes de ordem e uma secretária da Presidência pediram demissão.

Anderson Dorneles, assessor pessoal que é tratado como se fosse um filho e acompanha Dilma há mais de 20 anos, já ameaçou duas vezes ir embora do governo.

Alguns assessores evitam levar problemas a Dilma por temer o mau humor presidencial. "Tem gente que nem decide nem submete a ela, com medo da bronca", resume um ministro, que, assim como os demais ouvidos pela Folha, falou em caráter reservado.

Outra senha para a gritaria é alguém tentar levar um "contrabando" para uma reunião. "Ela conhece o governo, sabe os caminhos da burocracia. Não dá para enrolá-la", sentencia outro auxiliar.

DILMA X LULA
Aqueles que permaneceram da gestão Lula dizem que o ex-presidente também dava broncas, mas elas eram "genéricas" e "no plural".

Com Dilma a coisa é pessoal, olho no olho, em público e quase sempre aos gritos.
Os alvos preferenciais são os ministros mais próximos: os palacianos e os que participam da coordenação de governo. Paradoxalmente, aqueles de quem ela não gosta escapam quase ilesos, porque raramente são recebidos.

Quando o tempo fecha, a presidente cruza os braços, põe as mãos sob as axilas, inclina a cabeça de lado e mira alguém. "O cara sabe na hora que vai para o pelourinho", descreve uma testemunha.
O bordão "meu querido" é outro sinal de encrenca.

Um traço de estilo que tensiona o ambiente é que Dilma não faz confraternizações. Aboliu a Festa Junina na Granja do Torto e as rodadas de prosa regadas a uísque que Lula promovia nas viagens.
"Se, numa viagem, ela convoca um café, é sempre para trabalhar", descreve quem já integrou algumas comitivas.

Apesar do temor, os assessores veem o estilo ríspido como demonstração de que ela está "investida da função" e "leva o cargo a sério".

"Chega a ser engraçado, porque, com a bronca, vem sempre uma ironia. Mas só quando não é com você", resume uma de suas vítimas.


"Acha que eu não conheço?"
Dilma participava de uma reunião de vários ministérios para discutir a concessão de bolsas de estudo federais.

Um funcionário do Ministério de Ciência e Tecnologia sugeriu que fossem antecipados recursos financeiros para pagar os benefícios.

A presidente imediatamente cortou sua palavra:
- Como é que é? Você quer que eu libere agora um dinheiro para alunos que vão começar a estudar em setembro? Você acha que eu não entendo nada de execução orçamentária? Você acha que eu não entendo nada de execução financeira?

Dilma virou-se para um ministro ao seu lado e falou:
- Ele acha que eu não conheço! Sabe quando ele vai ver esse dinheiro?

E voltando-se para a frente, onde não havia ninguém:

- Tchau, dinheiro!


Como os ministros podem evitar problemas
1) Nunca vá a uma reunião com ela sem ler sobre o tema que será tratado. Ela lê tudo antes e vai certamente sabatiná-lo

2) Caso tenha cometido a temeridade de não ler, não tente enrolar. Ela vai perceber e pode ser bem pior

3) Nunca interrompa a presidente no meio de um raciocínio. Ela será ríspida e vai mandá-lo se calar

4) Não tente sugerir uma ação contrária ao que ela acaba de propor. O melhor é tentar convencê-la com jeitinho. Comece assim: "Não seria melhor..."

5) Não contrarie uma ordem argumentando que a repercussão na imprensa será ruim para o governo. É explosão na certa

6) Não dê declarações à imprensa sobre temas delicados do governo e que não tenham relação estrita com a sua pasta. Você será gravemente advertido por Dilma

7) Nunca, jamais, em hipótese alguma discuta alguma determinação comentando que "no governo Lula era assim". Poucas coisas deixam a presidente mais irritada

"Tchau, drogado, volta amanhã"
A presidente comandava uma reunião com representantes de vários ministérios para discutir o lançamento de uma política de saúde para pessoas com deficiências.

Quando um funcionário do Ministério da Saúde sugeriu uma sigla para identificar a nova política, Dilma cortou:

- O quê? Você está me sugerindo mais uma sigla? Você sabe quantas siglas tem no Ministério da Saúde? - e se pôs a enumerar várias delas.

Ao citar os CAPs-AD (Centros de Atenção Psicossocial Antidrogas), voltou-se para um ministro ao seu lado:

- Você sabia que os CAPs-AD fecham às 18h? Você chega para o drogado e fala: 'Drogado, são 18h. Tchau, drogado, volta amanhã!'.

"Pô, general"
Dilma fez sua estreia nas Nações Unidas em setembro. Como seu cabeleireiro, Celso Kamura, estava na cidade, pediu que ele arrumasse seu cabelo para o grande dia.

Já pronta, no trajeto entre o hotel e o carro, a presidente foi surpreendida por uma chuva fina, mas persistente.

Ao seu lado, o general Marcos Antonio Amaro dos Santos, chefe da segurança presidencial, não tinha um guarda-chuva à disposição e ficou desconcertado.

Dilma, que já tinha chamado a atenção do general em várias ocasiões, desta vez se limitou a apontar para o cabelo todo cheio de laquê, em seguida abrir os braços, resignada, e desabafar:

- Pô, general...

"Ninguém fala de economia"
Logo que assumiu a função, a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) deu uma entrevista em que defendeu a criação de um novo imposto para financiar a saúde.

Dilma Rousseff chamou a responsável pela articulação política e os demais ministros palacianos para uma reunião e deu um recado expresso, em tom bastante ríspido:

- Ô, Ideli, você, o Gilberto e a Gleisi não podem falar sobre economia. Vocês estão me entendendo? Aqui no palácio ninguém fala de economia! Sobre esse assunto, só fala o Mantega! - concluiu.
Dali em diante, nunca mais se ouviram as opiniões econômicas de Ideli Salvatti nem de seus colegas.

"Pode tocar"

A presidente se preparava para deixar o Palácio do Planalto para um compromisso.

Tradicionalmente, o chefe da segurança presidencial, general Amaro, acompanha de perto todos os deslocamentos de Dilma, e vai no carro junto com a presidente.

Como o elevador do Palácio do Planalto estava cheio, o general não teve outra opção a não ser descer em outro, depois de Dilma.

Irritada com o ligeiro atraso do guarda-costas, que vinha correndo logo atrás, ela ordenou ao motorista:

- Pode tocar!

O carro arrancou e o general, que vinha correndo, ficou para trás, diante dos olhos incrédulos de outros assessores que viam a cena.

"Eu quero que o embaixador..."
O chanceler Antonio Patriota procurou a presidente para interceder a favor do embaixador brasileiro na OEA (Organização dos Estados Americanos), Rui Casais.

Dilma convocara Casais de volta ao Brasil em abril, em resposta às críticas da organização ao tratamento de populações indígenas afetadas pela usina de Belo Monte.

Patriota pediu que ele voltasse a Washington, pois sua família estava ambientada.

A reação da presidente foi uma negativa veemente, seguida de um palavrão. O embaixador segue no Brasil.

"Acordo de jeito nenhum"
Depois de intensa negociação com o Ministério da Fazenda, Dilma autorizou a liberação de recursos para pagar emendas parlamentares e facilitar a aprovação da renovação da DRU (Desvinculação das Receitas da União).

Fez isso antes de viajar para a reunião do G20, em Cannes. Na volta, reuniu ministros e líderes para saber como estavam as negociações.

- Teremos 380 votos - assegurou o líder do governo, Candido Vaccarezza (PT-SP).

No dia seguinte, ele e o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), sugeriram um acordo com a oposição, para renovar a DRU por dois anos.

- O quê? - indignou-se a presidente. - Eu libero tudo que vocês pedem, vocês me garantem 380 votos e agora querem fechar acordo com a oposição? De jeito nenhum!

E mandou Ideli Salvatti fazer vigília na Câmara para impedir qualquer negociação.


"Vocês têm de entender"
A presidente comandava uma reunião de ministros e assessores sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte (PA).

Em sua vez de fazer uma intervenção, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, advertiu para a péssima repercussão do tema na imprensa internacional.
Dilma atalhou, aos brados:

- Não tô preocupada com repercussão na imprensa!

Todos se entreolharam diante do tom de voz, mas ela prosseguiu:

- Vocês têm de entender de uma vez por todas que esse projeto é bom, importante para o país, e vai ser feito!

Dali para a frente, ninguém objetou mais nada e todos os ministros passaram a defender publicamente a usina como projeto estratégico para a infra-estrutura do país.

Explosões inspiram quadros humorísticos

DE SÃO PAULO


O temperamento explosivo da presidente Dilma Rousseff inspirou vídeos que se espalharam como vírus na internet e até um perfil falso no microblog Twitter.

As paródias mais famosas são as feitas pelo site Kibe Loco, em que um humorista vestido sempre com um tailleur vermelho se enfurece ao ler as notícias e telefona para os ministros, que recebem invariavelmente uma chuva de ofensas impublicáveis.

Consta que a verdadeira Dilma já viu e achou engraçados esses vídeos, em que é retratada desancando ministros ainda no cargo, como Guido Mantega ("engole esse choro, Guido!") e outros já defenestrados, como Antonio Palocci e Nelson Jobim.

"Você já viu aqueles vídeos do Kibe Loco? Na verdade, eles são bastante fiéis", descreve um auxiliar, ao se referir às broncas da vida real.

Outro vídeo que se tornou febre na rede é a montagem "System of a Dilma", em que um discurso feito por Dilma na campanha eleitoral de 2010 foi editado com uma música da banda heavy metal System of a Down. Até sexta-feira, 2,4 milhões de pessoas tinham visto o vídeo.

O perfil do Twitter @diImabr clona até a foto da conta oficial da presidente (trocando o "l" do nome por um "I") e distribui broncas a granel.

"Lupi tá brincando com o perigo", advertia a falsa Dilma na sexta-feira, não tão distante assim da real situação do ministro do Trabalho. (VM)

A Charge nossa de cada dia - Miguel JC

Um mistério, uma carta e o Big Bang

Carta redescoberta inocenta físico de usurpar descoberta da expansão do Universo

RAFAEL GARCIA
DE WASHINGTON


Uma carta achada nos arquivos da Real Sociedade Astronômica britânica pôs fim a acusações que vinham manchando o nome de um dos cientistas mais importantes da história.

O documento absolve Edwin Hubble (1889-1953) de ter tentado roubar do padre belga Georges Lemaître (1894-1966) o mérito por mostrar que o Universo está em expansão.

Hubble, americano mais conhecido por ter um telescópio espacial com seu nome, geralmente recebe o crédito pela descoberta, anunciada em 1929. Dois anos antes, porém, Lemaître chegara à mesma conclusão.

Pesquisadores sugeriam que a disputa por primazia tinha envolvido desonestidade por parte de Hubble, mas uma carta de Lemaître, descoberta pelo historiador e astrônomo Mario Livio, contraria essa ideia.
Hubble costuma ser citado como autor da descoberta porque seus cálculos lhe permitiram chegar à conclusão sem muita margem para dúvida. O belga fora o primeiro a sugerir que o Cosmo estava se expandindo, mas sua estimativa da taxa de expansão era mais imprecisa. Antes de 1930, um não conhecia o trabalho do outro.

Uma hipótese que surgiu recentemente é a de que, depois disso, Hubble teria tentado atrapalhar a divulgação dos trabalhos de Lemaître. Uma aparente pista era uma tradução do estudo do padre feita para o inglês, em 1931, em que as partes mais importantes do trabalho haviam sido apagadas.

BRUXELAS
O artigo original, publicado nos "Anais da Sociedade Científica de Bruxelas", falava abertamente sobre o Universo em expansão.

A tradução do artigo para o inglês na renomada revista "Monthly Notices of the Royal Astronomical Society", porém, tinha equações faltando, e a principal referência ao Universo em expansão sumira.
"Parece que o tradutor do artigo de Lemaître de 1927 apagou deliberadamente essas partes do texto", escreveu Sidney Van Den Bergh, astrônomo do Conselho Nacional de Pesquisas do Canadá, num artigo em que analisou as duas versões.

Essa sabotagem, porém, era só aparente. Na carta de 1931 descoberta por Livio, Lemaître se dirige ao editor da revista inglesa se identificando como autor da tradução. Diz ter modificado o original apenas porque gostaria de apresentar a ideia da expansão do Universo separadamente, em um outro estudo, mais detalhado.

Naquele ano, ele já havia compreendido a principal implicação de sua descoberta: o Big Bang, a explosão que deu origem ao Cosmo.

"Tenho a impressão de que Lemaître era mesmo uma pessoa bastante modesta", disse Livio à Folha. "Certamente ele não estava obcecado com a primazia."

Na opinião do astrofísico historiador, o crédito deveria ser compartilhado.

A carta reveladora foi enfim publicada na revista "Nature", e Van Den Bergh elogiou o "trabalho de detetive" de Livio. Mas ele defende que Lemaître detenha sozinho a primazia pela descoberta, e discorda que fosse "desapegado" com relação a essa questão.

"Em 1961, Lemaître me contou que, por ser padre, sentia certo viés em favor da ideia de que o Universo tinha sido criado", disse. "Deve ter sido, portanto, um prazer especial para ele ter sido o primeiro nesse quesito", diz Van Den Bergh.

Marcelo Gleiser - O cérebro determina o que é real?

Estamos cercados de radiação eletromagnética que não vemos. O essencial é invisível aos olhos

Para que eu esteja escrevendo estas palavras, uma coreografia desconhecida organiza a ação coletiva de milhões de neurônios no meu cérebro: ideias emergem e são expressas em palavras, que datilografo no meu laptop graças à coordenação detalhada dos meus olhos e músculos. Algo está no comando, uma entidade que chamamos de "mente".

Segundo a neurociência moderna, nossa percepção do mundo é sintetizada em regiões diferentes do cérebro. O que chamamos corriqueiramente de "realidade" resulta da soma integrada de incontáveis estímulos coletados pelos cinco sentidos, captados no mundo exterior e transportados para nossas cabeças pelo sistema nervoso.

A cognição, a experiência concreta de existirmos aqui e agora, é uma fabricação de incontáveis reações químicas fluindo por bilhões de conexões sinápticas entre neurônios.

Eu sou e você é uma rede eletroquímica autossustentável, que se define através de sua atuação na malha de células biológicas que constituem o nosso corpo. Mas somos muito mais do que isso.

Somos todos diferentes, mesmo se feitos da mesma matéria-prima. A ciência moderna destituiu o velho dualismo cartesiano de matéria e alma em favor de um materialismo estrito. Hoje, afirmamos que o teatro do ser ocorre no cérebro e que o cérebro é uma rede de neurônios que se acendem e apagam como luzes numa árvore de Natal.

Ainda não temos ideia de como essa coreografia neuronal engendra a nossa sensação de existirmos como indivíduos. Vivemos nossas vidas convencidos de que a separação entre nós e o mundo à nossa volta é clara. Precisamos dela para construir uma visão objetiva da realidade que nos cerca.

No entanto, nossa percepção dessa realidade, na qual baseamos nossa sensação de existir como indivíduos, está longe de ser completa. Nossos sentidos capturam apenas uma pequena fração do que realmente ocorre à nossa volta. Trilhões de neutrinos vindos do coração do Sol atravessam nossos corpos a cada segundo.

Estamos cercados por radiação eletromagnética de todos os tipos-ondas de rádio, infravermelha, micro-ondas-sem nos dar conta disso. Sons escapam da nossa audição, grãos microscópicos de poeira e bactérias são invisíveis aos nossos olhos. Como disse a raposa ao Pequeno Príncipe: "O essencial é invisível aos olhos".

Nossos instrumentos em muito ampliam nossa visão, permitindo-nos "ver" o que escapa aos nossos sentidos. Mas a tecnologia tem limites, mesmo que esteja sempre avançando. Portanto, uma grande fração do que ocorre escapa e escapará à nossa detecção. O que sabemos sobre o mundo depende do que podemos medir e detectar.

Quem, então, pode determinar que sua sensação do real é a verdadeira? O indivíduo que percebe a realidade apenas com os sentidos? Ou o que amplifica sua visão com instrumentos diversos?

Obviamente, essas pessoas verão coisas diferentes. Se compararem o que chamam de realidade material, o conjunto das coisas que existem à sua volta, irão discordar completamente. Qual dos dois está certo? Eu proponho que nenhum está. Mas vamos ter de continuar essa conversa na semana que vem.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: http://goo.gl/93dHI

Ciência explica os lapsos de memória

The New York Times
Tara Parker Pope

Pesquisadores do cérebro afirmam que lapsos de memória são comuns
Pesquisadores do cérebro afirmam que lapsos de memória são comuns

Às vezes até um cérebro saudável não funciona como deveria. Talvez ninguém saiba disso melhor do que Rick Perry, governador do Texas, que sofreu um lapso de memória constrangedor durante o último debate presidencial republicano. Perry parou no meio de uma frase enquanto se esforçava para lembrar o nome do Departamento de Energia, uma das três agências federais que ele tem dito com frequência que deveriam ser eliminadas. Um olhar de sofrimento cruzou seu rosto. Ele gaguejou. Começou de novo. Mudou de assunto. Mas as palavras não vieram.

Como a gafe afetará as aspirações políticas de Perry não se sabe. Mas entre os pesquisadores do cérebro, o momento é uma demonstração fascinante de uma experiência humana comum: quando o cérebro congela.

"Há muitas explicações possíveis sobre o motivo pelo qual isso acontece", diz Daniel Weissman, neurocientista da Universidade de Michigan que estuda a atenção. "Muitas coisas acontecem quanto tentamos acessar as memórias, e problemas em qualquer estádio podem levar à falha."

Perry não é a primeira figura pública a sofrer um constrangedor lapso de memória. A cantora Christina Aguilera esqueceu as palavras do hino nacional enquanto se apresentava no Super Bowl este ano. E o juiz John G. Roberts Jr. trocou uma palavra no juramento da cerimônia de posse para o presidente Barack Obama, fazendo com que ele fizesse o juramento novamente no dia seguinte.

Pesquisadores do cérebro observam que as pessoas têm lapsos de memória como estes todos os dias, quer seja quando entram num cômodo e se esquecem o que iam fazer ali ou quando não conseguem se lembrar de um nome que está na ponta da língua.

Algumas memórias, como o nome do primeiro presidente ou o aniversário de um filho, são tão fortes que não é necessário nenhum esforço para acessá-las. Mas quando a informação é relativamente nova ou usada com menos frequência, as pessoas precisam confiar na capacidade do cérebro de buscar estrategicamente suas memórias de informações difíceis de encontrar. Durante este processo, o córtex pré-frontal do cérebro entra em ação, e interage com o lobo temporal médio, a parte do cérebro que forma e acessa memórias de fatos e eventos.

Quando tudo vai bem, o lobo médio temporal age como um sistema de fichas de catálogo de uma biblioteca, apontando para os lugares do cérebro em que diferentes partes da memória são guardadas e permitindo que a memória seja acessada. Mas no caso de Perry, parece que algo deu errado, e a busca encontrou a ficha errada, procurou no lugar errado ou foi interrompido.

A culpa pode ter sido da distração, dizem os especialistas. Pouco antes da gafe, Perry olhou diretamente para seu oponente Ron Paul, o que sugere que o olhar pode ter atrapalhado sua linha de pensamento. Ou é possível que a mente de Perry tenha começado a passar para o próximo ponto muito rápido, deixando-o confuso no momento. O estresse também pode prejudicar a função do hipocampo, que está envolvido na recuperação de memórias.

"Tentar desesperadamente cumprir a promessa que você fez no começo de sua fala, então, sob os holofotes, com os riscos muito altos e aumentando ainda mais, o estresse só piorando, o tempo passando cada vez mais, buscando dicas oferecidas por seus concorrentes num debate – o problema só aumenta", disse por e-mail Neal J. Cohen, professor de psicologia da Universidade de Illinois que estuda o aprendizado e a memória humana.

Outra possibilidade é que Perry teve outras conversas sobre corte de orçamento com seus estrategistas de campanha, e essas memórias tenham interferido em sua capacidade de lembrar os detalhes de seu plano atual. Essa interferência de memórias passadas acontece, por exemplo, quando uma pessoa sai do supermercado e olha para o mar de carros no estacionamento e percebe que esqueceu onde estacionou.

"Enquanto você busca em sua memória, há muitas memórias muito parecidas de estacionar no supermercado que interferem umas nas outras", disse Weissman. "Se houve alguma discussão sobre cortar outros departamentos, é possível que ela tenha havido de alguma forma uma interferência dessas memórias, e por isso ele não conseguiu se lembrar."

Pesquisas recentes sobre o cérebro usaram imagens de ressonância magnética funcionais para observar a atividade do cérebro durante lapsos de atenção ao fazer uma tarefa monótona. O equivalente no mundo real seria dirigir numa rodovia e descobrir que você passou a saída que deveria ter pego. A pesquisa sugere que durante tarefas familiares, uma região do cérebro chamada de rede de modo padrão é ativada e o cérebro fica preguiçoso.

"Nós achamos que ele fica preguiçoso – ou menos diligente – em relação à tarefa externa porque ele acha que sabe o que acontecerá depois", disse Tom Eichele, neurofisiologista e professor adjunto de psicologia biológica e médica na Universidade de Bergen na Noruega.

Quer seja o estresse, memórias concorrentes ou distração que tenha causado o branco de Perry, está claro que ele não é o único.

"Eu achei que foi uma experiência muito comum", disse Weissman. "Todos nós já passamos por isso."

Tradução: Eloise De Vylder

Escritor chinês desafia os limites da censura

The New York Times
Edward Wong
Beijing (China)

Murong Xuecun é um romancista popular chinês. Para exercer sua profissão, Xuecun muitas vezes colide contra os censores, que o levou a ser um crítico da censura na China e a publicar suas obras na Internet Murong Xuecun é um romancista popular chinês. Para exercer sua profissão, Xuecun muitas vezes colide contra os censores, que o levou a ser um crítico da censura na China e a publicar suas obras na Internet

Quando o escritor Murong Xuecun apareceu numa cerimônia aqui no ano passado para receber seu primeiro prêmio literário, ele segurou com força uma folha de papel com algumas das palavras mais incendiárias que já havia escrito. Era uma reflexão sobre o desconforto da censura. "A escrita chinesa exibe sintomas de uma doença mental", ele planejava dizer. "É a escrita castrada. Sou um eunuco proativo, eu me castro antes mesmo que o cirurgião levante o bisturi."

Os organizadores da cerimônia proibiram-no de fazer o discurso. No palco, Murong fez um movimento de fechar a boca com um zíper e saiu sem dizer uma palavra. Então ele fez com o discurso o mesmo que fez com três de seus livros mais vendidos, que passaram por um duro processo de censura: ele postou o texto integral na internet. Seus fãs correram para ler.

Murong Xuecun, pseudônimo de Hao Qun, 37, está entre o mais famoso de uma série de escritores chineses que se tornaram sensações do mercado editorial na última década por causa de seu uso discreto da internet. Os livros de Murong são espirituosos, violentos e niilistas, com histórias de homens de negócios e funcionários públicos envolvidos em propinas, brigas, apostas e encontros com prostitutas nas cidades grandes da China.

O fato de seus livros serem publicados na China mostra como o setor, antes cuidadosamente controlado pelo estado, tornou-se mais regido pelo mercado. Mas a prosa de Murong inevitavelmente vai contra a censura, que o Partido Comunista Chinês tem a intenção de manter apesar das mudanças graduais no setor editorial. Murong diz que ele é um "criminoso das palavras" aos olhos do estado, e um "covarde" em sua própria visão por fazer a autocensura.

Suas crescentes frustrações o pressionaram para se tornar um dos críticos mais vocais da censura na China. Depois de fechar a boca em Pequim em novembro passado, ele fez seu discurso proibido três meses depois em Hong Kong. Ele também discutiu o tema no final de semana passado em Nova York, na Asia Society.

Murong deve seu sucesso comercial ao fato de ter encontrado formas de praticar sua arte e construir uma base de fãs na internet, fora do setor editorial que sofre um policiamento maior.
Ele fala de temas políticos tanto um blog quando numa microblog que lembra o Twitter, que tem quase 1,1 milhão de seguidores. Ele publica seus livros capítulo por capítulo ou em seções online sob diferentes pseudônimos à medida que escreve. Esta serialização ao estilo de Dickens gera um burburinho, e a escrita evolui com o retorno dos leitores. Uma vez que o livro está terminado ou quase, Murong assina com uma editora. As edições censuradas geram dinheiro, mas as versões na internet são mais completas.

Em 2004, a Rádio Internacional da China, estatal, chamou o popular primeiro livro de Murong de "um pioneiro cibernético" numa matéria que depois foi postada no site do jornal "People's Daily", do Partido Comunista. Funcionários locais da cidade de Chengdu, onde a história se passa, fizeram a denúncia.
A versão sem censura do livro, "Chengdu, Por Favor Me Esqueça Esta Noite", foi traduzida para o inglês ("Deixe-me em Paz: Uma História de Chengdu") por Harvey Thomlinson e indicada em 2008 ao prestigioso Prêmio Literário Man Asian.

"Eu simplesmente achei muito divertido fazer isso", disse Murong sobre escrever online, enquanto fumava um cigarro atrás do outro em seu apartamento no 26º andar em Pequim, com vista para os Montes Ocidentais, com um sorriso brincalhão em seu rosto jovem. "Mais tarde, eu percebi que os escritores e leitores na internet estavam mudando o curso da literatura chinesa e dando início a um novo fenômeno."

A internet deu início a uma revolução no setor editorial da China permitindo que várias vozes florescessem. As editoras agora podem identificar novos talentos e comprar os direitos para edições impressas. Tudo isso contribuiu para as reformas no mercado na década passada e para o debate, dentro do partido, sobre como nutrir e controlar o setor ao mesmo tempo.

Embora sua censura sistemática destrua a criatividade, o partido anseia por respeito doméstico e internacional para a produção cultural da China. Depois de um encontro de quatro dias sobre política cultural e ideologia em outubro, o Comitê Central do partido disse que a China precisava incentivar seu poder suave e a "segurança cultural" com mais "produtos culturais interessantes". Na semana passada, o People's Daily fez um comentário pedindo ao estado para transformar as editoras em companhias com marcas internacionais para que seus livros possam ajudar a espalhar "valores centrais do socialismo". E alguns funcionários anseiam para que um escritor da China continental ganhe o Prêmio Nobel de Literatura.

Há tempos os governantes chineses têm uma relação complicada com os livros, promovendo aqueles que preservam o pensamento e a história oficial e banindo ou destruindo outros. Qin Shihuang, antigo unificador da China, queimou livros e enterrou acadêmicos vivos. No século 18, o imperador Qianlong baniu milhares de textos e seus autores por ideias traidoras enquanto reuniu uma vasta coleção imperial para ser impressa. Mao Tsé-Tung e seus camaradas não foram diferentes.

À medida que o discurso intelectual começou a florescer novamente nos anos 80, escritores como Yu Hua, Mo Yan e Su Tong lançaram um olhar crítico sobre a história chinesa e a sociedade rural. Wang Shuo escreveu uma literatura urbana "hooligan". Mas foi o avanço da internet no final dos anos 90 que de fato abriu as comportas.

Escritores mais jovens usaram a rede para contar histórias do boom da China. Um site, Rongshuxia, foi particularmente influente, levando livros de Annie Baobei, Ning Caishen e Li Xunhuan (o pseudônimo de Lu Jinbo, hoje um editor importante que apoia Murong). Nos anos recentes, a internet popularizou a ficção, e as livrarias aqui agora estocam toda variedade de gêneros: ficção científica e fantasia, terror, histórias de detetive, romances adolescentes e, o mais lucrativo de todos, histórias infantis.

"A internet criou todas, e eu digo todas as tendências literárias que decolaram em 2005 e depois disso", diz Jo Lusby, diretor administrativo da Penguin China.
Poder sobre a publicação
Mais livros estão sendo impressos agora do que em qualquer momento desde que o partido Comunista tomou o poder em 1949. Em 2010, cerca de 328 mil títulos foram publicados, mais do que o dobro do número de 2001, de acordo com estatísticas oficiais.

Mas o governo ainda tem importantes instrumentos de controle. A agência que fiscaliza o setor, a Administração Geral de Imprensa e Publicação, não permitiu um verdadeiro crescimento das editoras que têm permissão oficial para publicar livros. No ano passado, havia 581 editoras como estas, apenas 19 a mais do que em 2001. Todas são do estado, e o governo está tomando iniciativas para consolidá-las.
Esses números não capturam um fenômeno importante: a demanda de mercado levou a uma expansão nas editoras privadas. Para publicar, elas precisam ou criar parcerias com editoras estatais ou, mais frequentemente, comprar códigos do ISBN, um para cada título. No papel, esta prática é ilegal, mas as autoridades fecharam os olhos para isso durante anos.

Quanto à censura, editores-chefes agem como vigilantes. Eles sabem que podem perder seus empregos se o material publicado causar a ira dos funcionários. Livros de não ficção de temas especiais como o exército ou religião passam por um veto adicional dos ministérios envolvidos. No setor, "há uma sombra sobre os corações de todos", disse o editor Lu.

Em junho, funcionários transformaram a editora Zhuhai, uma pequena editora estatal, num exemplo, fechando-a abruptamente. A Zhuhai havia publicado uma memória de Jimmy Lai, um editor de jornal de Hong Kong criticado por alguns líderes chineses.

A internet tampouco oferece total liberdade aos escritores, uma vez que há censores online. E alguns escritores relutam em postar livros inteiros por medo da pirataria; Murong disse que ele não postou seu último livro, uma obra de não ficção sobre um esquema de pirâmide, por esse motivo.

Escritores que querem evitar essas dificuldades acabam fazendo o trabalho do governo. Murong disse que ele abandonou dois livros em andamento que ele achou que nunca seriam publicados. Um deles se chamava "O Contra-revolucionário".

"O pior efeito da censura é o impacto psicológico sobre os escritores", disse Murong. "Quando eu estava trabalhando no meu primeiro livro, não me preocupava se ele seria publicado, então eu escrevia o que eu queria. Agora, depois que publiquei alguns livros, posso sentir claramente o impacto da censura quando escrevo. Por exemplo, penso numa frase, e depois percebo que ela com certeza será apagada. Então eu nem a escrevo. Esta autocensura é a pior."
Inspirado pela internet
Murong argumentou com Lu quando eles estavam fechando os planos para publicar "Dançando na Poeira Vermelha", sobre o sistema legal corrupto, em 2008. Lu, que havia comprado um código de ISBN da editora Zhuhai, disse a Murong que queria limitar a edição porque o livro era muito sórdido. Numa entrevista, Lu disse que Murong era "o melhor escritor com menos de 40 anos", mas acrescentou: "Murong tem um problema: seus livros são muito sombrios."

"Ele é um niilista solitário que não acredita em nada", disse Lu.

Os quatro livros de Murong e um trabalho de jornalismo investigativo são baseados nos anos que ele passou nas cidades de crescimento rápido da China. Ele viajou da fazenda de sua família na província de Jilin até Pequim para frequentar a Universidade Chinesa de Ciência Política e Direito, que treina juízes, advogados e policiais, o tipo de gente que figura nos seus livros. Murong então se mudou para Chengdu, depois para Shenzhen e Guangzhou, trabalhando em companhias.

Em 2002, ele começou seu livro sobre Chengdu. Usando um pseudônimo, "The Little Match That Sells Girls" - uma referência distorcida ao conto "The Little Match Girl" de Hans Christian Andersen – ele postou seus capítulos online à medida que os escrevia. O livro em evolução ganhou notoriedade e foi republicado em fóruns. Era picante e prendia o leitor: o protagonista, Chen Zhong, funcionário de uma companhia de óleo e partes de automóveis, pratica adultério e faz propinas com frequência. Há cenas de sexo em bares e bordeis. Um de seus melhores amigos é um policial corrupto.

Escrever na internet significou, na maior parte do tempo, trabalhar além da cortina da censura. O mundo impresso foi diferente. Depois que Murong assinou um contrato para ter um livro de Chengdu publicado por Zhou Wen, um empresário, ele foi obrigado a cortar 10 mil palavras.

Depois que o livro foi publicado, ele postou um manuscrito sem censura na internet, um que era ainda mais completo do que a versão capítulo a capítulo que ele havia escrito online. "Eu me senti liberto", disse ele.

Alguns escritores são céticos e acham que os livros sem censura na internet não têm muito efeito. Chan Koonchung, autor de "The Fat Years", um livro distópico publicado em Hong Kong e Taiwan mas proibido na China continental, teve pelo menos duas versões eletrônicas de seu livro postadas por fãs. Mas ele disse acreditar que apenas poucas pessoas na China continental leriam o livro online porque ele não pode ser discutido na mídia ou de qualquer outra forma.

"A maioria das pessoas não sabem sobre esses livros", disse Chan. "Então elas não vão para a Internet procurá-los."

Murong eventualmente persuadiu outra editora a publicar uma edição completa do livro de Chengdu. Os direitos de publicação geralmente duram de três a cinco anos na China, e as editoras que lançam as edições seguintes às vezes se sentem mais confiantes para reinserir passagens que foram originalmente censuradas.

"Uma vez que um livro passa pela censura e é publicado, ele é legítimo", disse Murong. "Alguns anos depois, você pode publicar a versão completa. A lógica é a seguinte: se a primeira versão não foi proibida, por que a segunda seria?"
Aprendendo as linhas
Murong começou a se tolher em seu segundo livro, "Céu à Esquerda, Shenzen à Direita", sobre jovens que tentavam a sorte em Shenzen. "Eu já sabia quais eram as linhas, baseado na experiência do meu primeiro livro editado", disse ele.

Por exemplo, Murong originalmente queria que seus protagonistas tivessem experienciado os protestos reprimidos da Praça Tiananmen em 1989. Mas ele disse que não ousou ultrapassar "essa linha vermelha intocável".

Houve outro ímpeto para a auto-censura. "Eu sempre fiquei amigo dos editores", disse ele. "Não quero causar problemas para meus amigos. Se eles dizem que algo é arriscado, ou que podem perder o emprego por causa disso, eu deixo eles deletarem o que quiserem."

Assim como o livro sobre Chengdu, a versão completa da história de Shenzhen existe online. Uma versão sem censura do quarto livro de Murong, sobre o sistema legal, é vendida como e-book.

"Agora que estou consciente das minhas tendências de auto-censura, tento compensá-las enquanto escrevo", disse Murong. "Posso escrever uma versão e publicar outra 'mais limpa'".

A batalha mais dolorosa de Murong com a censura aconteceu quando ele trabalhou com um editor da editora Heping em seu último livro, "China: Na Ausência de um Remédio", uma não ficção que documenta os 23 dias que Murong passou disfarçado para investigar um esquema de pirâmide. Houve negociações intermináveis. Até uma expressão como "povo chinês" teve que ser mudada para "um povo". Murong gritou com o editor, quebrou uma xícara no chão e deu um soco na parede de sua casa.

"Parecia que alguém estava me castigando por motivo algum", disse Murong. "Em 2008, a censura foi dolorosa, e eu consegui passar por ela. Mas em 2010, eu não a suportava mais."


Zhang Jingtao, o editor, disse que queria "tornar o livro mais apropriado para nossa sociedade e nossos tempos".

"Editar livros é uma atividade cultural, que cai no domínio da ideologia", disse Zhang. "Meu trabalho é ser o controle de qualidade ideológico."

O livro foi publicado no ano passado e bastante aclamado, embora incompleto. Jornais publicaram artigos sobre o papel de Murong ao alertar a polícia sobre a fraude. O livro foi transformado em série na Literatura do Povo, uma revista co-fundada por Mao. Seus editores decidiram dar o prêmio anual de literatura da revista para Murong.

Em novembro passado, um dia antes da cerimônia do prêmio, Murong passou oito horas preparando seu discurso. Ele escreveu: “a única verdade é que não podemos falar a verdade. O único ponto de vista aceitável é que não podemos expressar um ponto de vista”. O texto tinha 4 mil palavras. No final, nenhuma foi dita.

Tradução: Eloise De Vylder