quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A tragédia sincera da política americana - DOMINIC BOYER

O Tea Party propõe mensagem neoliberal radicalizada para combater o declínio de padrões de vida que o neoliberalismo mesmo ajudou a acelerar



O movimento Tea Party nos Estados Unidos é um enigma. Dependendo de quem responda, trata-se de uma revolução popular em favor da responsabilidade fiscal e contra a burocracia governamental -um movimento minoritário de protesto que é genuíno, mas cuja importância é exagerada nos relatos- ou é evidência do desgaste e da ineficácia da cultura política contemporânea dos EUA.
É difícil afastar a impressão de que é bem possível que seja tudo isso. Embora ninguém ponha em dúvida sua influência política, é difícil definir até mesmo quantos partidários o Tea Party possui.
Como o movimento não tem organização partidária, mas é composto de constelação frouxa de grupos de interesses locais e nacionais, que às vezes concorrem entre si, seu impacto político não pode ser medido em termos de base unificada de membros ou de plataforma.
Em lugar disso, temos visto como certos segmentos de sua base política vêm conseguindo radicalizar determinadas questões políticas, entre elas a imigração, o casamento homossexual, a taxação, os gastos do governo e, mais recentemente, o deficit nacional e a dívida dos EUA.
Embora seja bastante provável que os bilionários que dão apoio financeiro ao Tea Party (entre os quais estão os irmãos Koch e Rupert Murdoch) tenham motivações ocultas, é importante entender que os sentimentos políticos populares de ira, indignação e frustração que estão sendo canalizados por meio do Tea Party são realmente sinceros. Eles refletem dois fatos que se ornaram impossíveis de ignorar por qualquer pessoa que viva nos Estados Unidos.
O primeiro é que o padrão de vida americano está declinando, sem nenhuma esperança evidente de recuperação em vista.
O segundo é que o âmbito do discurso político nos EUA se estreitou de tal maneira que não existe razão para supor que esse discurso vá gerar novas soluções para contrapor-se à trajetória atual de declínio. Os Estados Unidos vêm sendo dominados por dois partidos políticos, um de centro-esquerda e outro de centro-direita, e ambos se comprometeram a promover uma agenda neoliberal de privatização e um modelo de saúde econômica nacional medido pela riqueza crescente da elite do setor privado.
A neoliberalização do Partido Democrata, em curso desde a década de 1990, vem empurrando os modos "progressistas" de liberalismo em direção a uma codependência cada vez mais íntima com a antipolítica voraz do neoliberalismo.
Tornou-se angustiante assistir a liberais progressistas como Obama buscando articular uma imaginação política que, nesta era de globalização e financialização, não escorregue simplesmente de volta para o corporativismo e o consumismo neoliberais.
Com a crise econômica de 2008, o distanciamento da política converteu-se em sentimento de ultraje diante de uma cultura política que está rapidamente se tornando tão repetitiva e destituída de imaginação quanto os regimes socialistas estatais da Europa Oriental.
O movimento Tea Party é um sintoma da tragédia da democracia americana hoje. Como um neurótico que constantemente arranca as cascas de suas feridas, o Tea Party propõe mensagem neoliberal radicalizada para combater o declínio dos padrões de vida e da cultura política que o próprio neoliberalismo ajudou a acelerar. Mas é a essa condição, precisamente, que os cidadãos americanos foram reduzidos.
Sem uma voz que os represente em uma cultura política elitista e monolítica, eles estão se punindo com mais abuso neoliberal. Sua raiva está voltada para dentro, pelo menos por enquanto.

DOMINIC BOYER é professor associado do Departamento de Antropologia da Universidade Rice (EUA) e editor do livro "Expertise: Cultures and Technologies of Knowledge" (editora Cornell Univ. Press).

Tradução de CLARA ALLAIN.

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