segunda-feira, 11 de julho de 2011

Meus lugares claros

De bom humor e camisa florida, escritor americano James Ellroy contraria imagem sombria e diz que quer se mudar para Paraty

ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA

O norte-americano James Ellroy, 63, escreveu livros pesados e violentos, habitados por assassinos, matadores de aluguel e degenerados.
Este é o homem, afinal, que batizou sua autobiografia de "Meus Lugares Escuros", livro em que relatou o assassinato da mãe e confessou suas próprias perversões, como invadir casas de estranhos para cheirar roupas íntimas femininas.
Mas o Ellroy que veio à Flip -e fez uma das mais celebradas participações do evento- não lembrava o "cão demoníaco da literatura americana", como já foi chamado.
Vestindo camisas floridas e sempre de bom humor, ele elogiou as edições brasileiras ("as mais bonitas e bem editadas versões estrangeiras de meus livros") e disse que quer se mudar para Paraty: "Este lugar é mágico".
"Norte-americanos não têm a menor ideia sobre o Brasil", continua. "Para muitos, o Brasil é sinônimo de esquadrões da morte, salsa e mulheres nuas fazendo sexo promíscuo. Nada contra mulheres nuas ou sexo promíscuo, mas não foi o que vi."
Ellroy passeou pela cidade, conheceu cachoeiras e praias, comeu pastéis de camarão e, claro, acabou na caipirinha: "Eu quero viver aqui, com tempo para escrever e passear. Vou convencer minha namorada".
Ele tem outra forte ligação com o Brasil: sua admiração pelo boxeador Éder Jofre.
"Em 1960, meu pai me levou para ver Jofre lutar contra Eloy Sanchez [do México] pelo título dos pesos-galo. Jofre o demoliu. Foi um massacre. Eu nunca tinha visto um lutador com tanta velocidade e força. Jofre foi o maior lutador do mundo, de qualquer categoria, entre 1959 e 1964."
Ellroy se diz um ermitão. Vive em Los Angeles, mas não vai ao cinema, não frequenta festas, não assiste à TV e não lê. Só tem um passatempo: música clássica. "Tudo o que eu aprendi sobre narrativa e coesão, aprendi com Beethoven e Bruckner."


9ª FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY

Para Ellroy, cinema arruinou seus livros

Escritor diz que "embolsa uma boa grana" com adaptações de suas obras, mas só vê "trapaceiros" em Hollywood

Após falar na Flip, no último sábado, autor de "Los Angeles: Cidade Proibida" dá palestra hoje na capital paulista

Leticia Moreira/Folhapress

O americano James Ellroy em Paraty, durante a Flip

DE PARATY

O escritor James Ellroy é um polemista profissional, que defende suas opiniões com a mesma ferocidade com que escreve.
Em Paraty, ele divertiu a todos com sua verve ácida -que pode ser vista novamente hoje à noite, na Livraria Cultura, em São Paulo.
Quando perguntado sobre Hollywood (vários de seus livros, incluindo "Los Angeles: Cidade Proibida" e "Dália Negra", foram adaptados para o cinema), foi impiedoso: "Em Hollywood só há trapaceiros filhos da puta. Nem eu, que já me meti com todo tipo de delinquentes, tenho coragem de trabalhar com aquelas pessoas".
Sua tática para lidar com os estúdios de cinema é simples: "Eu vendo os direitos de meus livros, embolso uma boa grana e depois não quero saber mais. De qualquer forma, eles vão arruinar o que escrevi. Dos filmes, só gosto de "Los Angeles: Cidade Proibida", mas é uma versão açucarada e assexuada do meu livro".
Sobre Brian de Palma, que dirigiu "Dália Negra", Ellroy disse: "É a pessoa mais antissocial que já conheci. Só sabe falar sobre cinema e termina toda frase com uma gargalhada histérica. E tem a anatomia mais estranha que já vi: a distância entre seus ombros é pequena, mas tem a maior cintura que já vi num homem. Parece um abacate falante".
Sobre suas influências, é categórico: livros não o interessam mais. "Quando era mais novo, gostava muito de Raymond Chandler. Mas percebi que era uma farsa, um pretensioso que não conseguia escrever uma trama decente." Entre seus autores favoritos, cita mestres da ficção criminal como James M.
Cain ("O Destino Bate à Sua Porta") e Joseph Wambaugh ("A Cena do Crime"). E autores novos? "Não conheço nenhum. Às vezes, a editora me pede uma frase para a capa de um livro. Dou, mas nunca leio os livros."
Um de seus temas favoritos é o assassinato da mãe, ocorrido quando ele tinha apenas dez anos, e nunca solucionado. "Fez nascer em mim uma obsessão por dois temas que marcariam meus livros: mulheres e crime." A tragédia também parece ter abalado sua mente. Ellroy teve sérios problemas com álcool e drogas e chegou a morar na rua. "Eu era um voyeur, um tipo muito estranho. Gostava de invadir casas de estranhos e cheirar calcinhas de mulheres. Mas nunca cometi nenhum roubo, como dizem por aí." Ele se diz um romântico.
"Eu amo mulheres. Amo estar com elas, amo a maneira como elas pensam. Pena que nem todas me amem de volta!" Mas tem uma teoria interessante sobre conflitos matriarcais: "Quem não viveu experiências traumáticas com a mãe não pode ter uma vida sexual saudável".
Ellroy se define como "analfabeto cibernético" e jura que nunca usou um computador. Escreve seus livros a mão. "Acho o e-mail o último recurso dos covardes", afirma. "Ouvi dizer que há pessoas que terminam relacionamentos por e-mail. Isso é o fim dos tempos."
Aos jovens escritores, tem apenas um conselho: "Joguem seus computadores no lixo. Parem de entrar no Facebook. Parem de ler besteiras no Twitter. Saiam à rua, vão a um bar, tomem uma caipirinha, conversem com as pessoas, façam sexo com alguém. Em uma palavra: vivam!". (ANDRÉ BARCINSKI)

JAMES ELLROY
QUANDO hoje, às 19h30
ONDE Livraria Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/3170-4033)
QUANTO grátis (ingressos serão distribuídos a partir das 17h)


RAIO-X
JAMES ELLROY


NASCIMENTO
Em Los Angeles, em 4 de março de 1948

OBRAS
"Dália Negra", "Los Angeles: Cidade Proibida", "Tabloide Americano" e o mais recente, "Sangue Errante", lançados pela editora Record

ESTILO
Famoso no gênero policial, James Ellroy é conhecido pela "prosa telegráfica", formada por frases curtas e tramas intrincadas com múltiplos personagens

Nenhum comentário:

Postar um comentário