domingo, 3 de julho de 2011

Ficções reais - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Romeu e Julieta nunca existiram, o que não impede que exista um balcão em Verona que os guias locais identificam como o do quarto da desafortunada jovem, para grande alvoroço dos turistas. Aparecia tanta gente na cidade de Portbou na fronteira da Espanha com a França atrás do túmulo do crítico e ensaísta alemão Walter Benjamin, que ali se suicidara para não ser devolvido à França ocupada pelos nazistas, que a prefeitura decidiu inventar um túmulo para ele, já que ninguém sabia o verdadeiro paradeiro dos seus restos.
Nem o balcão da Julieta nem o túmulo do Benjamin são exatamente falsificações. Os amantes de Verona são símbolos tão cultuados de romance trágico, há tanto tempo, que têm direito a uma vida real, mesmo que retroativamente. E se o túmulo do Benjamin está vazio, isto acaba sendo um detalhe sem importância. A lápide mentirosa evoca um dos grandes intelectuais do seu tempo, o monumento induz a uma reflexão sobre as mentes arrasadas pela guerra e, afinal, não é preciso que sejam mesmo os restos do Marx naquele cemitério em Highgate para que seu túmulo seja local de romarias.
Li que foi lançado um livro chamado Daisy Buchanan’s Daughter, a filha de Daisy Buchanan, o amor da vida de Jay Gatsby no romance O Grande Gatsby, de F.Scott Fitzgerald.
Pam Buchanan faz uma pequena aparição, com três anos de idade, em O Grande Gatsby e o novo livro é uma especulação sobre como teria sido a sua vida depois dos acontecimentos narrados por Fitzgerald. O que sugere um novo filão literário, ficções sobre personagens fictícios, ou a continuação de obras famosas com personagens tomados emprestados do autor original. Capitu, no fim da vida, num asilo, finalmente contando a verdade sobre Escobar. Madame Bovary, em vez de se suicidar, começando uma vida nova como chapeleira em Paris. Etc, etc.
Já se especulou como teria sido a continuação de Romeu e Julieta se o mal entendido que resultou na morte dos amantes tivesse sido evitado a tempo e os dois se casassem e vivessem felizes – até começarem a cansar um do outro, os filhos infernizarem a vida dos dois, surgirem as suspeitas de traição, Julieta engordar, Romeu começar a beber e voltarem velhas desavenças familiares (“Vocês Capuletos são todos iguais!”)
Melhor terem morrido mesmo, e ressuscitado para os turistas.

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