terça-feira, 3 de maio de 2011

Rapidez digital e tradição jornalística

Por Sergio da Motta e Albuquerque em 3/5/2011

O Twitter foi o grande "vencedor" na cobertura da mídia sobre a morte de Osama bin Laden. A notícia vazou pela rede social (mesmo sem confirmação) no domingo (1/5) e chegou ao público antes das publicações da mídia tradicional. No dia seguinte, outro ponto para o Twitter: já havia sido publicado em quase todo mundo que a primeira nota no microblog veio do paquistanês Sohaib Athar, um consultor de informática de 33 anos, que informou voo anormal de helicóptero, seguido de explosão, em Abbottabad (Paquistão), conforme a notícia publicada no Último Segundo no mesmo dia. O técnico paquistanês, entretanto, não sabia que se tratava da morte de Osama bin Laden.

Mas informar antes (e sem confirmação) não quer dizer informar melhor. A informação do paquistanês foi inconsciente. E o "vazamento" da informação da morte de Bin Laden não passaria de mais uma nota curta do Twitter, se não tivesse sido antes capturada por um repórter do New York Times. Em outras palavras, a notícia vazou para as mãos de um repórter especializado em mídia digital: este foi o grande diferencial na cobertura de mídia daquela noite, e que favoreceu o jornal de Nova York.

Naquele momento, o New York Times tinha o homem certo, na hora certa: um jornalista viciado em Twitter... Um sujeito que reclama quando "perde" 20 minutos fora do microblog. O periódico nova-iorquino, então, com essa vantagem nas mãos, fez uma ágil e excelente cobertura do evento, sem esquecer em nenhum momento o papel fundamental que o Twitter teve no tenso desenrolar da cobertura da mídia sobre a morte do terrorista.

O anúncio oficial

No dia primeiro de maio, às 10h49, horário do leste dos Estados Unidos, o Huffington Post noticiou a morte de Bin Laden. The New York Times postou sua notícia ("Como o anúncio de Bin Laden Vazou" – "How The Osama Bin Laden Announcement Leaked Out") um pouco mais tarde, às 11h28, mas o fez de forma muito mais completa, estabelecendo a cronologia inicial dos primeiros momentos da cobertura, incluindo aí as informações que vieram pela rede social, desde os primeiros tweets entre membros da comunicação social do governo americano até a cobertura nacional das grandes redes de TV americanas. Vejamos mais de perto a evolução dos acontecimentos, segundo a ordem temporal do New York Times:

** "O anúncio curto veio logo depois das 21h45, de Dan Pfeiffer, o diretor de Comunicações da Casa Branca. ‘POTUS (codinome do presidente dos Estados Unidos) vai falar à nação hoje à noite as 10h30, hora local’, ele escreveu no Twitter, compartilhando a mesma mensagem transmitida à equipe de imprensa da Casa Branca;

** "De acordo com Brian Williams, o âncora do NBC Nightly News, alguns jornalistas receberam e-mails com apenas três palavras: ‘Go to work’ (Vá trabalhar);

** "Âncoras e editores de jornais não sabiam com certeza que o presidente estaria comunicando a nação a morte do homem mais odiado na América. Mas repórteres de Washington intuíram rapidamente que poderia ser sobre Osama bin Laden;

** "A especulação não foi ao ar imediatamente, mas às 10h25 surgiu uma nota no Twitter que trazia bastante confiabilidade: fora postada por Keith Urbahn, ex-chefe de pessoal do ex-secretário de Defesa do governo Bush, Donald Rumsfeld, e dizia: ‘Fui informado por pessoa de reputação que eles mataram Osama bin Laden’. Logo depois, Urbahn acrescentou: ‘Não sei se é verdade, mas vamos rezar para que seja’. O ex-funcionário de Rumsfeld informou, mas não confirmou a notícia. É importante que isso fique claro, aqui;

** "‘Dentro de minutos’, continuou Brian Stelter, o autor da matéria, ‘fontes anônimas do Pentágono e da Casa Branca começaram a contar aos repórteres a mesma informação. ABC, CBS e NBC interromperam a programação pelo país quase ao mesmo tempo, às 10h45.’ O presidente Obama anunciou, então, oficialmente, a morte do odiado inimigo para toda a nação."

Falsa oposição

A esta altura dos acontecimentos, já podíamos ver, nas redes pagas CNN e BBC, aglomerações de populares comemorando o fato (em frente à Casa Branca) com um minicarnaval de bandeiras, hinos e outras manifestações de satisfação do povo americano. Tudo havia sido confirmado: o inimigo público número 1 dos Estados Unidos estava realmente morto.

Certa vez, o jornalista brasileiro Ruy Castro afirmou que "o Twitter não pode produzir conteúdo como faz um periódico convencional. Não pode aprofundar temas, fazer investigações e pesquisas, produzir editoriais ou publicar artigos mais longos, tantas e tantas vezes necessários". Foi uma observação relevante e que agora mostra seu valor. Pois se o Twitter saiu na frente na informação da morte de Bin Laden, o New York Times, além de localizar o tweet original, que trouxe credibilidade à então especulação sobre a morte do terrorista, apresentou uma cobertura que, por razões óbvias, não pode ser feita no Twitter. Ele não foi pensado para isso.

Não se trata de estabelecer uma falsa oposição maniqueísta nova mídia vs. imprensa tradicional. O próprio Stelter (que é repórter de TV e mídia digital do New York Times) faz intenso uso do microblog. Foi lá que ele localizou o tweet original de Keith Urbahn. Seu trabalho, combinando a rapidez do Twitter com a capacidade de aprofundamento do jornal, deixou bem claro a nova gênese da formação e divulgação da notícia no mundo contemporâneo. E a cobertura do New York Times provou que há espaço bastante para a convivência entre a mídia digital imediata e extensa e a cobertura aprofundada e intensa dos jornais tradicionais.

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