quarta-feira, 4 de maio de 2011

Detector espacial de partículas tentará localizar matéria escura e antimatéria

Le Monde
Stéphane Foucart

  • Nova simulação por supercomputador mostra que a colisão de duas estrelas de nêutrons produz naturalmente estruturas magnéticas que impulsionam rajadas de partículas associadas com explosões de raios gama (GRBs) de curta duração Nova simulação por supercomputador mostra que a colisão de duas estrelas de nêutrons produz naturalmente estruturas magnéticas que impulsionam rajadas de partículas associadas com explosões de raios gama (GRBs) de curta duração
Para os físicos, o mundo é um quebra-cabeça. O jogo pode parecer simples, mas a maioria das peças está faltando. Na esperança de encontrar três delas – matéria escura, antimatéria e matéria estranha -, a comunidade científica elaborou um instrumento inédito: um detector de partículas orbital. Chamado de Alpha Magnetic Spectrometer (AMS) e concebido sob a direção de Samuel Ting (Massachusetts Institute of Technology, CERN), que recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1976, esse monstro de quase 7 toneladas, do tamanho de um pequeno ônibus, seria lançado na sexta-feira (29), a bordo da nave Endeavour, a partir do Centro Espacial Kennedy (Flórida, EUA). Em seguida ele será acoplado à Estação Espacial Internacional (ISS), onde deverá permanecer por cerca de dez anos em serviço.
“O objetivo é detectar a radiação cómica, esse fluxo de partículas que bombardeia continuamente a Terra”, explica Sylvie Rosier-Lees, pesquisadora no Laboratório de Física das Partículas de Annecy-le-Vieux (CNRS, Universidade de Saboia) e responsável pela colaboração francesa no AMS. “Como esses raios cósmicos são destruídos assim que entram na atmosfera, é preciso se posicionar acima, ou seja, no espaço.”
Essa radiação cósmica, cuja existência é conhecida há cerca de um século, é composta por pouco menos de 90% de prótons, cerca de 10% de núcleos de hélio, e o resto de núcleos pesados (ferro, berílio, etc.), mas também de alguns antiprótons e, talvez, outras estranhezas em um número muito pequeno. “A análise dos dados requer uma datação precisa, até o nível do microssegundo, da passagem das partículas através do detector”, explica Claude Zurbach, pesquisador no Laboratório Universo e Partículas de Montpellier (CNRS, Universidade Montpellier 2), encarregado da concepção de parte da instrumentação do AMS.
Antes de se chocar com o cimo da atmosfera terrestre, as partículas que formam a radiação cósmica são produzidas e aceleradas no coração de galáxias muito ativas, ou mesmo dentro da nossa – a Via Láctea -, nos restos de supernovas ou nas nebulosas de pulsar. Um dos primeiros objetivos do AMS é saber mais sobre a física que governa o funcionamento desses objetos estelares que, por mais estranhos que pareçam, são na verdade formados de matéria ordinária.
Mas isso não é tudo. “Ao buscar componentes muito raros da radiação cósmica, pode-se esperar alcançar uma física não convencional”, diz Rosier-Lees. Em especial, a grande sensibilidade do detector deverá lhe permitir “ver” – supondo que eles se encontrem lá – núcleos de anti-hélio no fluxo de partículas que ele receberá.
“O AMS deverá ser capaz de detectar uma única partícula de antimatéria perdida em um fluxo de um bilhão de partículas de matéria”, diz Laurent Derome, pesquisador no Laboratório de Física Subatômica e de Cosmologia de Grenoble (CNRS, Universidade Joseph-Fourier, Instituto Politécnico de Grenoble), associado ao projeto. Há interesse em buscar a passagem fugaz de núcleos de anti-hélio porque este, embora exista em estado nativo no Universo, não pode ser produzido por colisões de partículas de matéria. “A detecção de um núcleo de anti-hélio seria uma grande descoberta”, acredita Derome. “Isso indicaria que podem existir domínios de antimatéria, zonas onde esta prevaleceu sobre a matéria”.
A existência dessa antimatéria, “simétrica” àquela que nos cerca, é uma dessas questões que obcecam os físicos, porque ela leva a outra questão: a de saber por que existe alguma coisa no lugar de nada. “A priori, uma vez que as leis da física são simétricas, pode-se pensar que depois do Big Bang toda a matéria deveria ter se aniquilado em contato com a antimatéria criando luz”, explica Laurent Derome. “Então não teria restado nada”. Ora, o Universo existe: então, há um problema, ao qual os cerca de 500 cientistas da colaboração AMS, que reúne 16 países, podem esperar começar a responder.
O detector orbital buscará um indício de formas de matéria mais exótica ainda. Ele buscará na radiação cósmica a assinatura de certas partículas muito pesadas e com pouca carga elétrica, cuja existência é prevista por certas teorias: os strangelets. Para entender a estranheza dessa matéria, é preciso saber: que aquela que nos cerca é formada de átomos, eles mesmos constituídos de núcleos que formam a maior parte da massa; que esses núcleos são feitos de um agregado de nêutrons e prótons; e que esses mesmos prótons e nêutrons são constituídos de quarks “up” e “down”.
Esses dois pequenos fragmentos elementares compõem todos os núcleos de átomos de todas as moléculas de tudo aquilo que nos cerca. Mas os físicos sabem que outros quarks existem: em especial o quark “estranho”, conhecido por só formar partículas instáveis - que só existem por durações ínfimas de tempo, antes de se desintegrarem sob outras formas. A existência desses strangelets poderia assinalar a existência – prevista por certos teóricos – das chamadas estrelas “estranhas”, de uma densidade extrema, compostas de uma sopa de quarks como esses...
Também se aproveitará o AMS para procurar ver a assinatura da famosa matéria escura – aquela, invisível, cuja natureza os físicos desconhecem, mas cujo efeito gravitacional eles acreditam perceber na matéria ordinária. Os teóricos também preveem que o choque de duas partículas dessa enigmática matéria produza partículas providas de certas gamas de energia. Se estas forem detectadas, isso “poderá permitir que se tenha uma ideia da distribuição dessa matéria escura em nossa galáxia”, resume Rosier-Lees.
Tradução: Lana Lim

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