quinta-feira, 26 de maio de 2011

A quem interessa - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Seguindo a velha regra que já ajudou a identificar tantos culpados, na ficção e na vida – pergunte sempre a quem mais interessa o crime –, seria possível imaginar o próprio Sarkozy disfarçado de camareira entrando naquele quarto para tentar o Strauss-Kahn. Que, como se sabe, assedia sexualmente qualquer coisa com duas pernas. A ninguém aproveitou mais a desmoralização do provável candidato socialista à sua sucessão do que a Sarkozy. Mas as teorias conspiratórias sobre uma possível armadilha para o grande Kahn, que já eram improváveis, não resistiram às provas coletadas e não parece haver mais dúvidas (pelo menos no momento em que escrevo) de que a camareira
foi forçada a fazer o que não queria, como tantos países emergentes constrangidos pelo FMI. E que o Sarkozy não estava por perto.
As multidões que protestam nas ruas da Espanha contra os políticos em geral e as medidas de austeridade do governo em particular (nos moldes das impostas pelo FMI a economias subdesenvolvidas e que o Strauss-Kahn criticava quando era do outro lado), como as manifestações recentes na Inglaterra e na França, são uma reação à proposta indecorosa de que a maioria sacrifique-se para resolver uma crise da qual não é culpada. No caso do estouro das finanças que há
dois anos reverbera pelo mundo, está claro quem são os culpados e a quem aproveita o crime. O capital financeiro não precisa sacrificar nada e ainda é subsidiado, e cria dificuldades para resolver as crises com dívidas incontroláveis que assolam a Espanha e outros países – com as quais os bancos também lucram.
Uma curiosidade liga as manifestações na Europa com as revoltas nos países árabes. Nos dois casos, pelo que se ouve, são as redes sociais que estão convocando e organizando os movimentos populares. Quando se esperava que o resultado da interligação do mundo por uma malha eletrônica fosse um enclausuramento geral – todo mundo preso à sua telinha –, houve o contrário. A Internet botou todo o mundo na rua!

sábado, 14 de maio de 2011

Beijo gay do SBT foi tapa na Globo e na Record

Cena quente e sexy da novela "Amor e Revolução" revolucionou a realidade VITOR ANGELO
DE SÃO PAULO

Às 22h59 da última quinta, o SBT deu um tapa de luva militar na católica Globo e na evangélica Record ao colocar no ar um capítulo da história da teledramaturgia no país.
O dono do baú da felicidade promoveu a alegria do tão esperado primeiro beijo gay em uma novela brasileira.
Houve boatos de que, em 1963, no teleteatro chamado "Calúnia", teria acontecido o que seria o beijo lésbico entre as atrizes Geórgia Gomide e Vida Alves, mas não existe registro da cena.
São as cenas gravadas por Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Giselle Tigre), personagens da novela "Amor e Revolução", de Tiago Santiago, que mostram a primeira manifestação de afeto íntimo homossexual da televisão do Brasil.
O beijo entre elas foi quente, sexy, com pegada. Cenas insinuantes de pernas se esfregando deram um tom mais ousado à cena. Marcela, mais resolvida com a sua bissexualidade, sabe bem o que quer. Para Marina, tudo isso é uma grande novidade.
Depois do beijo, elas questionam o papel da mulher e da liberdade e independência que o sexo feminino pode conquistar em relação aos homens. A cena sozinha é uma síntese do título da trama. Há amor e revolução.
E tudo isso num dia em que houve um bate-boca entre a senadora Marinor Brito (PSOL-PA) e o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que perturbou a entrevista da senadora Marta Suplicy (PT-SP) mostrando seus panfletos antigay no Congresso.
E quando, em Uganda, está quase aprovada a lei que prevê pena de morte aos homossexuais, a ficção revolucionou e poetizou a realidade com um belo e longo beijo.
Que venham mais.

CLÓVIS ROSSI - O mistério do "smoking gun"

Com Bin Laden, houve inicialmente uma arma nas mãos do terrorista, depois retirada. Eis o mistério



"SMOKING GUN", como você sabe, é uma expressão que os norte-americanos inventaram para falar figuradamente de arma do crime, prova do crime, na forma de um revólver ainda fumegante após o disparo.
No caso Osama bin Laden, houve inicialmente um "smoking gun" nas mãos do líder da Al Qaeda, depois retirado. Eis o mistério.
A existência da arma fumegante dava aos atacantes uma boa justificativa para escapar da crítica mais sólida que se faz à operação, qual seja o fato de que, em vez de capturar Bin Laden e levá-lo a julgamento, o comando preferiu executá-lo.
É verdade que, para algumas pessoas, se trata de pura frescura, se o leitor me permite usar uma expressão pouco vernacular. Mas para mim, pelo menos, é toda a diferença entre civilização e barbárie, entre o devido processo e a lei de Talião.
Se se mantivesse a versão original, essa linha divisória ficaria borrada, até eventualmente apagada. Ante um criminoso assumido, de arma na mão, matá-lo passa a ser uma necessidade operacional.
Já sem a arma, dá para "sentir vergonha de ser norte-americano", como escreveu segunda-feira nesta Folha o jornalista Michael Kepp, há 28 anos no Brasil, usando argumentos irrefutáveis.
Por quê, então, mudar a versão original e retirar o "smoking gun" das mãos do líder terrorista?
Um ataque de transparência extremada? Duro de acreditar, não? Ainda mais que a transparência não chegou ao ponto de divulgar fotos de Bin Laden morto.
Medo de um desmentido pelas testemunhas? No mínimo improvável. É evidente que, entre a versão dos atacantes e a de parentes ou aliados de terroristas, a grande maioria das pessoas preferirá a primeira, noves fora os fanáticos de diferentes colorações, inclusive aqueles que são antiamericanos, façam o que façam os Estados Unidos.
Resta crer na avaliação de George Friedman para o sítio de geoestratégia Stratfor, que começa com uma machadada em analistas, colunistas (e leitores): "Depois de qualquer operação desse tipo, o mundo se enche de especulações por parte de pessoas que não sabem e de silêncio ou desinformação de parte dos que sabem".
Depois, vai ao ponto: "Ofuscar como a inteligência se desenvolveu e os detalhes específicos de como uma operação foi executada é parte essencial de operações encobertas. O processo exato precisa ser distorcido para confundir os oponentes a respeito de como as coisas foram realmente executadas; do contrário, o inimigo aprende lições e se adapta. (...) Desinformação operacional é a fase final e crítica de operações encobertas".
Pode ser uma explicação, mas, se é a verdadeira, não ajuda em nada na imagem dos Estados Unidos. Ficaria claro que preferem mandar mensagens aos terroristas, ainda que eventualmente obliteradas, a mandá-las ao mundo civilizado.

crossi@uol.com.br

RUY CASTRO - Direito humano

RIO DE JANEIRO - Desde ontem circula na internet um documento intitulado "O autor existe", estabelecendo o que seus signatários entendem como uma declaração de princípios sobre a instituição do direito autoral -a pedra fundamental, a partir da qual, e somente aí, pode frutificar qualquer discussão.
Apesar de o tema ter sido deflagrado por uma querela musical, o texto é amplo bastante para interessar aos escritores -que, na minha opinião, já deveriam estar com as barbas de molho- e aos autores de qualquer forma de expressão.
O documento está recolhendo adesões pelo site www.oautorexiste.com.br (nomes significativos já assinaram) e, como concordo com ele, aí vai, na íntegra:
"O direito autoral é uma conquista da civilização. O contrário é a barbárie.
"O direito autoral é um dos direitos humanos (carta da ONU). Ao autor pertence o direito exclusivo de utilizar sua obra (cláusula pétrea de nossa Constituição).
"O direito autoral é um direito privado. Somos capazes de criar e administrar o que nos pertence. Para isso, não precisamos da mão do Estado. Há dois lados na questão: o criador que quer receber e empresas que não querem pagar. Para resolver isso, a Justiça e o Estado podem e devem colaborar.
"A lei atual protege os criadores no mundo real e no virtual. Ela pode ser melhorada e aprimorada.
"O que se passa na internet em relação ao direito autoral é transitório: a tecnologia que cria supostos conflitos os resolverá.
"Todos os autores têm de ter à sua disposição todas as informações sobre o que se arrecada e se distribui. Essa comunicação tem de ser pública e oferecida, também, ao Ministério da Cultura.
"A função social da arte é espalhar beleza e prazer estético para a humanidade. A obrigação de tornar a cultura acessível a todos é do Estado, sem prejudicar o autor".

A filosofia POP em questão - Silvano Santiago

Gilles Deleuze foi o primeiro a utilizar o termo filosofia pop. Ao se referir ao livro Mil Planaltos (1980), vale-se dele e quase o condena. Estaria destinado à lata de lixo? Não, responde Mehdi Belhaj Kacem (MBK, de agora em diante), jovem filósofo franco-tunisiano e ex-discípulo fervoroso de Alain Badiou. O pensador alternativo dá o título de Pop Philosophie (Perrin, 2005) às 11 entrevistas que concede a Philippe Nassif em 2003 e 2004. MBK quer reconciliar a pesquisa na filosofia e na psicanálise com a atualidade política e comportamental. Trabalha a deserção do político, a competição dos egos, a frivolidade depressiva e a pornografia, a vida punk, o videogame e a sitcomização (de sitcom, comédias em que os mesmos personagens aparecem em capítulos sucessivos) da vida amorosa. Pretende elevar a obscenidade contemporânea à altitude grega. Deve haver uma obscenidade grega e uma altitude contemporânea. A reviravolta na valoração tem de ser dada a conhecer. MBK a reconhece e a cria a partir de discussões sobre racionalidade rude e instinto vivo, anarquia e lei, lucidez desencantada e ativismo apaixonado, comunidade e sujeito, exigência e gozo. Ao encarnar a figura do jogador (de videogame), o filósofo pop se libera de problemas falsos.

Não é por acidente que MBK resgata em seminários a presença física do filósofo, sua palavra viva. O retorno à ágora socrática encaixa o pop entre os adversários dos filósofos da escrita, de que é exemplo Jacques Derrida. "Há situações de verdade que não são jogos de linguagem", reitera Badiou. A animação de seminários, entre eles o famoso "la cellule", e a opção por expor as ideias em livro/entrevista não invalidam a experiência do pensamento em escrita de MBK. Confessa, no entanto, que tem mais e mais necessidade de presença. E se justifica: "Há uma verdadeira diferença entre a palavra viva, que se desdobra aqui e agora, com você à minha frente, e a minha palavra diante do computador ou do caderno. Posso ter afetos extremamente fortes diante da folha de papel ou da tela, mas, por mais que Derrida me diga o contrário, há algo a mais na palavra viva e na presença física". Simples: a palavra viva do filósofo senta o real no poder e de lá expulsa a imaginação, entronizada em 1968.

Escute-se o lema de MBK: "Por toda parte, o real tornou-se didático, despoticamente didático". À época das entrevistas, destaca dois acontecimentos: o atentado às torres gêmeas (2001) e a ascensão de Jean-Marie Le Pen (extrema-direita) ao segundo turno das eleições francesas (2002). Considere-se o significado original que dá a acontecimento: é "o real de uma representação desagregada". Entenda-se: o real aparece numa representação em que estão destruídos os princípios de coesão e de unidade. O acontecimento endossa, portanto, a atual falência da representação artística. À diferença do filme Duro de Matar, o atentado não causa efeitos simbólicos. Causa efeitos sobre o simbólico; machucam-no como faca fere a pele ou a fruta. No acontecimento nova-iorquino, o real se apresenta de modo desagregado; põe em jogo um não-tempo caótico, a ser trabalhado filosoficamente. A mídia contra-ataca: imobiliza o cidadão, saturando-o de imagens. Pânico (MBK subscreve Deleuze e Badiou) é palavra que pertence ao registro do afeto, e não ao registro do real ou da representação. MBK é radical: o estado de exceção não deve armar o gatilho da guerra civil. Não houve baixas em maio de 68.

Quem leva o pensamento a pensar trata o acontecimento com atitude marcial. Pela "marcialidade" o pop não forma discípulos, forma "guerreiros", que improvisam em presença do imprevisto. Não se improvisa por escrito, mas a cappella. "Não tenho consciência de todas as filosofias por que atravessei", afirma MBK. Explica-se: "Você lê, você esquece, compreende cada vez mais; quanto a mim, compreendo o essencial do que há para se compreender, mas não lembro". Ele inaugura o "niilismo democrático" da atualização, que contradiz a memória plena, de que falam Bergson e Deleuze. Em oposição ao ensino magistral de caráter universitário, o ensino marcial pop capacita o sujeito a se reatualizar, a ser no tempo atual. O pensador que julga poder compreender com seu estoque de saber a "falência da representação" é um desorientado a priori. Constatará: não sei reagir ao imprevisto.

MBK repete Sócrates: "Chego virgem, vazio, nu, nada sei; chego a alguma coisa na discussão". Trabalha-se a arte de se aperfeiçoar. O modo de viver e de praticar a filosofia se dá pelo desenvolvimento no discípulo do "intercepto" (ato de obstruir o fluxo de alguma coisa). A escuta é o sentido que não se desliga, disse Freud. Antes de pedir a palavra, o guerreiro fica de tocaia, à escuta das coordenadas da situação. MBK lembra o seminário "la cellule": "Eu entrava na sala sem saber o que iria dizer. Formulava questões, e orientava minha fala de acordo com as reações que sentia e a atenção que captava. Ficava atento ao que desejava dizer e, ao mesmo tempo, à possibilidade de uma improvisação total". O intercepto é a negação do "democratismo convivial e autista" (adjetivos usados há pouco na crítica ao ministério Dilma Rousseff).

Quando a própria morte não paga a serventia do ser à causa nobre, não há herói. Há o jogador. Seu corpo participa da ação virtual, apropriando e manuseando imagens. Por ser explorado como jogo, o virtual é uma técnica tão revolucionária quanto o foram a foto e o cinema. Com uma vantagem: não é preciso ter a história da arte na cabeça para apreciar um videogame. Ao sobreviver no real político do Ocidente, onde imperam a depressão e o suicídio, o "jogador" pop corre risco de vida. De outra forma: o guerreiro arrisca a própria pele até no campo lúdico da representação. Deserdado, glorifica a herança da morte do herói.

No palco, com todas as obras - LÚCIA GUIMARÃES

Com convidados tão célebres quanto diferentes - de Umberto Eco a Keith Richards, de Harold Bloom a Elizabeth Gilbert -, Paul Holdengraber trouxe novos ares, público e ideias para a Biblioteca de Nova York

NOVA YORK

A voz de Bob Marley inunda o salão. O auditório é uma joia do estilo beaux-arts. Um cartaz exibe o logotipo da veneranda Biblioteca Pública de Nova York. Mas a mesinha à frente dos próximos palestrantes acomoda uma garrafa de rum, um balde de gelo e um punhado de limões. Daqui a pouco o lendário produtor musical Chris Blackwell, responsável pela carreira de Bob Marley, Cat Stevens e do U2, vai fazer uma rara aparição fora da Jamaica, onde vive. Olho para o lado e dou de cara com a viúva de Charles Mingus, Sue. O assento à minha frente é ocupado por Salman Rushdie. Peço para sentar na frente para acomodar uma câmera e Paul Holdengraber me pergunta: "Você quer tomar o lugar do Harry Belafonte?" Bem-vindo à série Live e ao mundo inesperado desse interlocutor, que começou o expediente da última semana um pouco mais cedo para receber o Estado em seu pequeno escritório abarrotado de livros. A modéstia das acomodações surpreende quando lembramos que Holdengraber já colocou no seu palco Umberto Eco, Orhan Pamuk, Norman Mailer e também Bill Clinton e Keith Richards.


Paul Holdengraber nasceu no Texas, passou a infância no México e cresceu na Bélgica. Ele é filho de judeus austríacos e cresceu fluente em alemão, francês, espanhol e inglês. Formado em Direito na Bélgica, foi cursar filosofia na Sorbonne, em Paris, onde estudou com Roland Barthes e Michel Foucault. De lá, partiu para um doutorado em Literatura Comparada na Universidade de Princeton. Depois de uma carreira como professor universitário, Holdengraber recebeu, em 2004, um convite do presidente da biblioteca, Paul LeClerc, para "oxigenar" a instituição, como diretor de programas públicos. Cumpriu a ordem com um vigor que deve ter deixado o novo patrão sem fôlego. É sua especialidade - como se verá na entrevista a seguir.

Quando você chegou aqui, em 2004, a biblioteca tinha uma série de eventos chamada PEP, o Programa de Educação Pública. Qual foi sua primeira iniciativa?
O nome já me lembrava remédio para acidez estomacal. Trocamos para Live (Ao Vivo) na Biblioteca Pública de Nova York. Nós tínhamos uma lista de 500 e-mails do público, hoje temos mais de 20 mil. Quando cheguei, o comitê gestor me perguntou qual era a minha "missão", o que dá uma ideia da mentalidade religiosa americana. Eu respondi que era tornar a biblioteca irresistível. Queria inverter os algarismos e atrair mais gente de 27 anos, não de 72. Queria atrair pessoas que tivessem empregos de verdade. Os eventos eram às 5 da tarde, ideais para quem é aposentado - ou para quem trabalha pouco ou é acadêmico, o que é mais ou menos a mesma coisa. Passei os eventos para as 7 da noite. A média de idade dos frequentadores caiu de 55-60 anos para abaixo de 40.

Como você, sem orçamento e com uma assistente, conseguiu trazer o Keith Richards para a biblioteca, em outubro passado?
O Richards escreveu na autobiografia, Life, que queria ter sido bibliotecário. Achei muito engraçado. Eu escrevi dizendo que o lugar dele era na Biblioteca Pública de Nova York. A biblioteca é a grande promotora de igualdade. Os ingressos se esgotaram em 42 minutos. Depois apareceram no eBay por quase US$ 10 mil. Havia gente acampada aqui, na véspera, gente que veio até da Austrália para encontrar esse milagre da medicina que é o Keith Richards.

Como é o seu critério de programação, um critério que recentemente acomodou, na mesma semana, o crítico literário Harold Bloom e Elizabeth Gilbert, autora de Comer, Rezar e Amar? Não estou criticando a escolha da Elizabeth...
Você pode falar mal e eu vou defender a Elizabeth com vigor. Vou pedir a você que leia as matérias que ela fez como jornalista. Além de boa oradora, ela escreve muito bem. Mas aconteceu de ter sido bem-sucedida. Em vez de vender 20 mil livros, vendeu quase 20 milhões e há um esnobismo reverso quando as pessoas se tornam famosas. A fama, como lembrou o poeta Rainer Maria Rilke, não é mais do que uma coleção de mal-entendidos reunidos em torno de um nome. Mas quero responder à sua pergunta: a vida das ideias é muito ampla. Napoleão uma vez se referiu a um de seus generais: ele sabe de tudo e nada mais. Eu não tenho esse problema, sou um homem de apetites. Gosto de devorar coisas diferentes. Uso a subjetividade informada de quem lê há 30 anos e acredita na coabitação de diferenças. Veja a contiguidade insana de uma prateleira de livros como a minha. Max Frisch (que bela coincidência: amanhã é o centenário de nascimento do escritor suíço) está ao lado do Adam Phillips, que está ao lado de Nicolai Gogol, seguido da Lillian Hellman e do Christopher Hitchens. Eles se detestariam. A minha alegria é criar programas que me surpreendam.

E quando você traz, além do Richards, celebridades da cultura pop que escrevem livros?
Outro dia tivemos aqui o Jay-Z. O que eu entendo de hip hop? Nada. Eu ataco o assunto com a euforia da ignorância. Escrevi uma carta de amor à Patti Smith porque me apaixonei perdidamente por Just Kids. (O livro de memórias de Smith ganhou o maior prêmio literário americano, o National Book Award em 2010). Mas trago também o médico e autor Atul Gawande, que escreveu um dos mais belos textos que eu li na New Yorker, Letting Go, sobre morrer e sobre como não sabemos dizer adeus às pessoas que amamos.

Você acredita que muitos dos fãs de Keith Richards ou de Jay-Z não têm curiosidade sobre o elenco de autores que brigam na sua prateleira?
O que eu sei é que nós ludibriamos as pessoas concluindo que elas não têm interesses. As pessoas não querem só ser alimentadas, elas querem ser nutridas. Eu já sei que muita gente está disposta a ouvir os autores falarem durante duas horas. Sei também que a biblioteca emprestou mais livros de Mailer e Günter Grass quando coloquei os dois no palco. Mas não penso que estou revolucionando os hábitos de leitura da cidade. Se consigo tocar algumas pessoas e fazê-las pensar que ler é cool, já fico feliz. Acho também que, neste tempo de telas e tudo digital, quando meus filhos já não acham mais que blackberry é uma fruta, nós precisamos estar juntos. Nós temos que estar numa mesma sala com os outros e redescobrir algo que estamos esquecendo - o poder da conversa. Quando me perguntam o que eu faço, respondo: teatro cognitivo.

O mundo editorial foi abalado por transformações tecnológicas. Converso com autores que vão fazer tours promocionais e, no fim de uma noite, assinam menos de dez livros.
É um desastre. Mas eu não acordo de manhã pensando em cicuta. Acordo pensando: "O que posso fazer?" Entendo que os escritores têm muitos motivos para se lamentar. O importante, porém, é trabalhar, trabalhar, trabalhar. Não importa a situação econômica. Sob os regimes mais autoritários, sob o pior fascismo as pessoas fizeram isso. É preciso parar de reclamar. Ninguém pediu a um artista para produzir nada. A vida da mente nunca esteve em grande forma por causa de uma situação favorável. Como produtores de cultura, como curadores de conversa, é nossa obrigação continuar tentando destacar o que é relevante.

Você se sente otimista sobre uma geração que mal consegue manter o contato de olhar numa conversa porque fica de olho nas mensagens de texto e nos e-mails? O hábito solitário da leitura pode resistir nesse contexto?
O meu papel é instigar. Acho que escolho ser otimista. Quando tomo o metrô no Brooklyn todo dia, para vir a Manhattan, vejo que todos os passageiros estão absortos nos seus iPhones, iPads e também em livros que não requerem eletricidade. Vejo que leem Jennifer Egan, Thomas Friedman ou Salman Rushdie. Todo fim de semana, minha única forma de celebrar o Shabat com meus dois filhos é ir a uma livraria e dar US$ 20 para cada um comprar livros.

Mesmo sendo otimista por disposição, o que você teme?
As exigências que nos distraem são tremendas. Eu faço o que posso para convencer as pessoas de que há poucas coisas no mundo melhores do que ler uma frase bem escrita. Ou ter uma boa conversa. A Isabel Allende veio falar aqui e disse que os sul-americanos fazem amor também pelos ouvidos - a ideia da sensualidade através da escuta é maravilhosa. Ouço dizer que nunca se escreveu tanto. Ou que certos interesses restritos, graças à tecnologia, têm mais chance de ser desenvolver. Mas vivemos na era da busca. E buscar informação não é ter conhecimento. Nós confiamos cegamente na Wikipedia, no Google. Meu pai sempre me dizia "vá procurar", mas ele não dizia onde. O objeto livro ainda é uma das coisas mais preciosas do mundo.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Caminho da Liberdade | Entrevista com diretor e elenco do filme

Peter Weir, Ed Harris, Colin Farrel e Jim Sturgess falam da produção


Steve Weintraub
12 de Maio de 2011

Caminho da Liberdade (The Way Back) é o novo filme do diretor/roteirista Peter Weir (Mestre dos Mares). O Omelete, representado pelos nossos parceiros do Collider, falou com o Weir e seu elenco principal, formado por Ed Harris, Jim Sturgess e Colin Farrell.

O filme narra a jornada de um grupo de homens que escapa de um gulag, um campo de concentração da antiga URSS, na Sibéria, entre 1941 e 1942, e atravessa centenas de quilômetros por cinco países hostis até chegar a um local seguro. Veja a entrevista abaixo:

Inicialmente, este foi um projeto que você foi atrás ou que veio atrás de você? Você poderia falar sobre isso?

Ed Harris: Meu agente me contou que Peter Weir estava fazendo um filme, e que estava pensando em mim para um personagem. E eu lembro de dizer: "Independente de quem seja o personagem, independente do que tenha que fazer, eu quero o papel". Porque eu adorei trabalhar com Peter no Show de Truman e gostaria muito de trabalhar com ele novamente. Eu nem sabia do que o filme se tratava. Aí me mandaram o roteiro e fui conversar com Peter, e ele me perguntou se eu gostaria de fazer Mr. Smith, e eu disse: "Sim. Qualquer coisa..."

Peter Wier: Bem, eu acho que a verdade é que eu já tinha alguns atores em mente. Mas eu tentava não pensar neles enquanto trabalhava no roteiro, mas eu sempre visualizava o Ed Harris enquanto escrevia sobre Mr. Smith, e pensava: "Não pense assim, ele pode não estar disponível ou não querer fazer". Nós trabalhamos juntos no Show de Truman e eu gostaria de fazer de novo.

Você trabalhou com alguém que eu considero um dos grandes diretores. Você pode falar um pouco sobre o começo, quando descobriu que ele estaria interessado em você. Foi algo do tipo: "O quê? Peraí. O quê?".

Jim Sturgess: Sim, foi sim... Surgiu um boato de que ele queria se encontrar comigo, e fiquei extremamente empolgado, mas na época eu estava gravando um outro filme, então, tive que esperar até poder encontrar Peter. E ainda não tinha lido o roteiro, pois eu estava muito ocupado com este outro filme e estávamos no meio das filmagens noturnas, e nem tive tempo pra dormir, sabe?Então voltei pra casa depois de uma dessas filmagnes noturnas, joguei um pouco de água na cara, e disse enquanto me olhava no espelho: "Esta é sua chance, não estrague tudo."

Peter Weir: Sobre o Jim Sturgees, acho que em Across the Universe ele tinha uma qualidade, sabe? Foi por isso que Julie Taymor o contratou como um tipo de beatle, na verdade... Há algo muito dócil nele, que eu precisava para este personagem.

Quando você ficou sabendo que Peter Weir queria você no filme, foi do tipo: "O quê?"

Colin Farrell: Eu não sabia que ele queria que eu estivesse no filme, na verdade, só de saber que ele estava fazendo um filme, já foi o suficiente para eu me inscrever para o papel e dizer: "O quê?" Então eu li o roteiro, gostei bastante, fiquei bastante emocionado, mas não estava tão atraído assim pelo personagem Valka. Bem, é inexplicável, mas às vezes você é atraído ao personagem e às vezes não é... E desta vez eu não estava até conhecer Peter.

Peter Weir: Eu vi quase tudo o que Colin Farrell fez. Eu fiquei pensando sobre alguma coisa para ele no filme. Eu nem tinha pensado num papel. Não imaginava que ele poderia fazer um russo tão bem quanto fez.

O que tinha na históra e no filme, que te fez dizer: "Eu tenho que fazer isso"?

Peter Weir: Eu acho que fiquei fascinado pela história, e aquele sentimento continuou comigo. Eu geralmente espero alguma semanas antes de responder qualquer coisa, só pra ver se isso ainda fica comigo. E com esse aqui foi assim. Acho que foi por causa da natureza épica dele.

Ed Harris: Ele sabe que o filme é sobre os personagens. Ele sabe que é principalmente sobre pessoas. Apesar da locação e das situações, a história vai ser sobre seres humanos.

Jim Sturgess: O interessante é que você está sempre pensando: "Quando é a performance. O que eu vou fazer? O que eu vou dar para essa performance?". Mas não era sobre isso, era sobre se deixar existir dentro de um ambiente e paisagens nas quais você é inserido.

Peter Weir: É uma caminhada de 6 mil km. Isso foi muito interessante para mim. Através dessas diversas paisagens. Pessoas tentando escapar para a liberdade e indo de encontro a aventuras e problemas. Eles eram pessoas comuns e um tanto inocentes. É aí que eu começo a pensar sobre a dimensão do espírito humano. Há muros de arame dentro destas pessoas. Pessoas comuns, como tinha dito, que podiam encontrar a vontade de viver, a vontade de sobreviver.

Ed Harris: E Peter cria os mundos nos quais eles habitam, para que os personagens sejam mais específicos. É cheio de pesquisa, o que os torna mais reais. Seja em O Show de Truman ou Mestre dos Mares, ou A Testemunha. Seja o que for, a atenção dele para os detalhes é impecável.

Colin Farrell: Mesmo quando estávamos falando com a imprensa há alguma semanas em Paris, entre as entrevistas, Peter me cochichava: "Aquele negócio sobre Valka era..." E nós acabamos as gravações há um ano... Quer dizer, ele… Quando ele abocanha um projeto, ele tem muito amor, e muita paixão por aquilo que faz. Eu só queria estar ao redor disso.

Jim: Sturgess: Nós éramos o único grupo de pessoas. E ficávamos na frente da câmera o dia todo, todos os dias. Nós eramos o único elenco do filme, na verdade. Assim que escapamos do acampamento éramos as únicas pessoas em cena, Não havia nem um tipo de cena bem definida. Você tinha que deixar rolar e parar de atuar, e realmente existir como uma dessas pessoas, e como eles agiriam nessas situações.

Ed Harris: Se você está no palco, está trabalhando para a plateia, e sente aquela energia, então sabe, ou espera que estejam prestando atenção. Quando você está trabalhando com Peter, você sabe que ele está prestando o máximo de atenção no que você está fazendo. Em qualquer palavra que você diz, em cada modulação de voz, qualquer fio de roupa, qualquer botão, qualquer fio de cabelo, a maquiagem, não importa qual seja. E você sabe que ele está te encorajando a fazer o seu melhor trabalho.

Você fez um grande intervalo entre este projeto e Mestre dos Mares, que foi o seu anterior. Você prevê mais uns sete anos, ou já tem alguma coisa que...

Peter Weir: Olhe para mim, acha que eu consigo? Quanto tempo me resta?

Mas é sério. Eu sou um grande fã seu, e dói saber que eu esperei sete anos desde seu último projeto. Não, eu não quero esperar mais sete anos.

Peter Weir: Eu estou pronto para outra, mas eu não tenho uma história. Eu tenho de passar por este processo de encontrar algo que me interesse profundamente, para então eu começar a trabalhar. Meu agente está me mandando coisas e eu vou lendo. Eu gostaria de voltar ao trabalho em apenas alguns anos.

Com certeza. Muito obrigado.

sábado, 7 de maio de 2011

As 10 ferramentas dos opressores da internet

Por Danny O’Brien em 3/5/2011

Reproduzido do site do CPJ, 2/5/2011

Em seu trabalho informativo nos países mais problemáticos, este ano os jornalistas produziram uma mudança radical no uso da Internet e de outras ferramentas digitais. Blogs, compartilhamento de vídeos, mensagens de texto e coberturas ao vivo com telefones celulares mostraram ao mundo imagens das revoltas em massa na praça central do Cairo e na principal avenida da Tunísia.

Mas a tecnologia utilizada para a cobertura informativa foi igualada, de certa forma, pelas ferramentas usadas para suprimir a informação. Muitas das técnicas dos opressores mostram uma crescente sofisticação, desde os correios eletrônicos desenhados pelo governo chinês para apoderar-se dos computadores pessoais de jornalistas, até os cuidadosamente articulados ataques cibernéticos a sites de notícias em Belarus. Além disso, permanecem velhas ferramentas de repressão que são tão antigas quanto à própria imprensa, incluindo a prisão de repórteres que publicam na Internet na Síria e o uso de violência contra blogueiros na Rússia.

Para comemorar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, em 3 de maio, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) expõe as 10 estratégias mais usadas para a censura à Internet em todo o mundo, e os países que tomaram a dianteira em seu uso. O mais surpreendente sobre estes Opressores da Internet não é a sua identidade – já que são países com notórios antecedentes de repressão –, mas o quão rápido adaptaram velhas técnicas ao mundo da Internet.

Nas nações mencionadas anteriormente – Egito e Tunísia – os regimes mudaram, mas os sucessores não dissolveram definitivamente as práticas repressivas do passado. As táticas de outras nações – como Irã, que emprega sofisticadas ferramentas para destruir a tecnologia que evita a censura, e a Etiópia, que exerce monopólio sobre a Internet – são observadas e imitadas por regimes repressivos no mundo.

A seguir, as 10 ferramentas mais usadas para a censura na Internet.

***

BLOQUEIO DA WEB

País em destaque: Irã

Muitos países censuram fontes de notícias online usando provedores de Internet locais e canais internacionais para configurar listas negras de sites da rede, e impedir o uso de certas palavras-chave pelos cidadãos. Desde a concorrida eleição presidencial de 2009, no entanto, o Irã aumentou dramaticamente a sofisticação do bloqueio à web, assim como seus esforços para destruir ferramentas que permitam aos jornalistas acessar ou criar conteúdo online.

Em janeiro de 2011, os criadores do Tor, uma ferramenta para evadir a privacidade e a censura, detectaram que os organismos de censura do país estavam usando novas e altamente avançadas técnicas para identificar e desmantelar programas de computação contra a censura. Em outubro, o blogueiro Hossein Ronaghi Maleki foi sentenciado a 15 anos de prisão por supostamente desenvolver um programa contra a filtragem na Internet, e capacitar online outros blogueiros iranianos. O tratamento do governo aos repórteres está entre os piores do mundo. Irã e China lideram a lista de 2010 do CPJ sobre os piores carcereiros da imprensa, com um registro total de 34 jornalistas presos por seu trabalho. Pelo investimento em tecnologias para bloquear a web, e a ativa perseguição àqueles que conseguem burlar tais restrições, o Irã está na dianteira em nível mundial.

Táticas em prática

>> Uma série de métodos repressivos

>> Os piores carcereiros do mundo

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CENSURA DE PRECISÃO

País em destaque: Belarus

A permanente filtragem de populares sites da rede leva, em geral, os usuários a encontrar formas de contornar o censor. Em consequência, muitos regimes repressivos atacam sites da Internet somente em momentos estrategicamente vitais. Em Belarus, o meio de comunicação opositor online Charter 97previu que seu site seria desmantelado durante a eleição presidencial de dezembro. E foi: no dia da eleição, o site foi derrubado por um ataque conhecido como negação de serviço (DOS, por sua sigla em inglês). O ataque DOS impede que um site funcione normalmente mediante uma sobrecarga do servidor com solicitações de comunicação externas.

De acordo com os informes locais, os usuários do ISP bielorrusso que tentavam visitar o Charter 97 foram redirecionados para um site falso criado por um desconhecido. A eleição, realizada sem o escrutínio de meios de comunicação críticos como o Charter 97, foi ofuscada por práticas pouco transparentes para a contagem de votos, segundo observadores internacionais. As medidas tecnológicas não foram o único ataque contra o Charter 97: os escritórios do site foram invadidos no início das eleições, e seus editores foram espancados, detidos e ameaçados. Em setembro de 2010, o fundador do site, Aleh Byabenin, foi encontrado enforcado em circunstâncias suspeitas.

Táticas em prática

>> Bloqueio de sites por uma eleição

>> Jornalistas online são alvo de ataques

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ACESSO NEGADO

País em destaque: Cuba

Avançados ataques tecnológicos contra jornalistas da Internet não são necessários se o acesso à rede é quase inexistente. Em Cuba, as políticas do governo deixaram a infraestrutura local de internet severamente limitada. Apenas uma pequena fração da população tem permissão para o uso de Internet em suas casas, enquanto uma ampla maioria deve utilizar os pontos de acesso controlados pelo governo mediante o registro de identidade, intensa vigilância e restrições de acesso a sites que não sejam de origem cubana. Para escrever ou ler notícias independentes, jornalistas online vão a cybercafés e utilizam contas oficiais de Internet vendidas no mercado negro.

Os que conseguem burlar os obstáculos enfrentam outros problemas. Conhecidos blogueiros como Yoani Sánchez têm sido desacreditados em um meio de comunicação acessível a todos os cubanos: a televisão estatal. Cuba e Venezuela recentemente anunciaram a construção de um cabo de fibra ótica entre os dois países que promete incrementar a conectividade internacional de Cuba. Mas não está claro se o público em geral se beneficiará da melhora da conectividade em um futuro próximo.

Táticas em prática

>> Blogueiros enfrentam grandes obstáculos

>> Sánchez chamada de “cyber-mercenária”

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CONTROLE DA INFRAESTRUTURA

País em destaque: Etiópia

Os sistemas de telecomunicações em muitos países estão fortemente ligados ao governo, o que concede uma poderosa forma de controlar os novos meios de comunicação. Na Etiópia, a companhia estatal de telecomunicações tem o monopólio sobre o acesso à Internet e a linhas telefônicas fixas ou celulares. Apesar de um acordo de administração e reposicionamento com a Telecom França em 2010, o governo ainda é proprietário e dirige a Ethio Telecom, permitindo que censure quando e onde ache necessário. A OpenNet Iniciative, projeto acadêmico global que monitora a filtragem e vigilância na Internet, afirmou que a Etiópia realiza uma filtragem “substancial” de notícias sobre política. Isto se compara à contínua investida da Etiópia contra jornalistas que trabalham fora da rede, quatro dos quais estão na prisão por seu trabalho, segundo antecedentes documentados pelo CPJ.

O controle do governo etíope não se estende apenas às linhas de telefone e acesso à Internet. O país também investiu em ampla tecnologia para o bloqueio de satélites, visando impedir que os cidadãos recebam notícias de fontes estrangeiras, como os serviços em idioma amárico da emissora Voz da América – patrocinada pelo governo dos Estados Unidos – e a televisão pública alemã Deutsche Welle.

Táticas em prática

>> Supressão de notícias sobre as revoltas no Oriente Médio

>> Controle sobre todos os meios de comunicação

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ATAQUES A SITES ADMINISTRADOS NO EXÍLIO

País em destaque: Mianmar

Para jornalistas que foram expulsos de seus próprios países, a Internet é um salvo-conduto que lhes permite continuar informando e opinando sobre sua terra natal. Mas os sites de notícias administrados do exílio também enfrentam censura e obstrução, muitas vezes perpetrados pelos governos de seus países de origem ou seus representantes. Sites no exílio que cobrem notícias em Mianmar enfrentam constantes ataques de negação do serviço. O meio de informação Irrawaddy na Tailândia, a agência de notícias Mizzima na Índia, e a Voz Democrática de Mianmar na Noruega, têm sofrido ofensivas que tem deixado seus sites inutilizáveis ou mais lentos.

Os ataques são frequentemente sincronizados com eventos políticos delicados, como o aniversário da Revolução Açafrão, um protesto contra o governo liderado por monges em 2007 que foi violentamente debelado. As autoridades acompanharam seus ataques tecnológicos com brutal repressão. Sites administrados do exílio dependem de jornalistas que estão disfarçados no país, que enviam seus informes de forma sigilosa. Este trabalho secreto é acompanhado de um risco extremo: ao menos cinco jornalistas da Voz Democrática de Mianmar estavam cumprindo longas sentenças de prisão quando o CPJ realizou seu censo anual de jornalistas encarcerados no mundo, em dezembro de 2010.

Táticas em prática

>> Ataques cibernéticos atingem sites no exílio

>> Repressão precede as eleições

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ATAQUES COM MALWARE

País em destaque: China

Programas de computação que provocam danos (conhecidos também por seu nome em inglês, Malwere) podem ser escondidos em correios eletrônicos aparentemente legítimos e enviados às contas privadas de jornalistas com um convincente, porém falso, cabeçalho. Caso seja aberto pelo repórter, o programa se instala no computador pessoal e pode ser usado de forma remota para espionar as outras comunicações do repórter, roubar seus documentos confidenciais e, inclusive, comandar o computador para que realize ataques online contra outros alvos. Jornalistas que trabalham na e sobre a China têm sido vítimas destes ataques, conhecidos como “pesca com arpão” (spear-phishing) em um padrão de conduta que indica claramente que os alvos foram escolhidos por seu trabalho.

Os ataques coincidiram com a entrega do Prêmio Nobel da Paz de 2010 ao escritor e defensor dos direitos humanos preso Liu Xiabo, e a supressão oficial de notícias que descrevem as revoltas no Oriente Médio. Peritos em segurança para computadores, como Metalab Asia e SecDev, averiguaram que tais programas de computador dirigiam-se especialmente a repórteres, dissidentes e organizações não governamentais.

Táticas em prática

>> Um falso convite para o Nobel

>> Apoderar-se de contas de correio eletrônico

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CRIMES CIBERNÉTICOS DO ESTADO

País em destaque: Tunísia sob Ben Ali

A censura de correios eletrônicos e redes sociais foi generalizada na Tunísia sob as ordens de Zine el-Abidine Bem Ali, como tem ocorrido em numerosos Estados repressivos. Mas, em 2010, a agência tunisiana de Internet levou seus esforços a um passo adiante, redirecionando os usuários tunisianos a páginas falsas criadas pelo governo para sites como Google, Yahoo e Facebook. Destas páginas, as autoridades roubaram nomes e senhas de usuários. Quando jornalistas online tunisianos começaram a enviar suas notícias sobre a revolta, o Estado usou estes dados para apagar o material.

O uso de páginas falsas, uma tática comum de hackers criminosos, está sendo adotada por agentes e apoiadores de regimes repressivos. Enquanto as práticas de crimes cibernéticos parecem ter sido abandonadas com o colapso do governo de Ben Ali, em janeiro, o novo governo não renunciou totalmente ao controle da Internet. Nas semanas que se seguiram, a administração anunciou que continuaria bloqueando sites da Internet que sejam “contra a decência, contenham elementos de violência, ou incitem ao ódio”.

Táticas em prática

>> Invadindo o Facebook

>> A revolução persistirá?

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PODEROSOS INTERROMPEDORES DA INTERNET

País em destaque: Egito sob Mubarak

Desesperadamente apegado ao poder, o presidente Hosni Mubarak literalmente fechou o serviço de Internet no Egito em janeiro de 2011, impedindo os jornalistas online de informar ao mundo, e os usuários egípcios de acessar fontes de notícias na rede. O Egito não foi o primeiro a cortar sua conexão à Internet para restringir a cobertura de notícias: o acesso à Internet foi cortado em Mianmar durante uma revolta de 2007, enquanto a região chinesa de Xinjang o teve bem limitado, ou negado o acesso durante um conflito étnico em 2010.

O desintegrado governo de Mubarak não pode sustentar sua proibição por muito tempo: o acesso à Internet voltou aproximadamente uma semana depois. Mas a tática de desacelerar ou interromper o acesso à rede tem sido copiada desde aquela época por governos como Líbia ou Bahrein, que também enfrentam revoltas populares. Apesar da queda do regime de Mubarak, o governo militar de transição mostrou suas próprias tendências repressivas. Em abril, um blogueiro que escreve sobre temas políticos foi sentenciado a três anos de prisão por insultar as autoridades.

Táticas em prática

>> Egito desaparece da Internet

>> Uma enorme perda online

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DETENÇÃO DE BLOGUEIROS

País em destaque: Síria

Apesar dos ataques generalizados com avançada tecnologia contra jornalistas da web, as detenções arbitrárias continuam sendo a forma mais fácil de interromper os novos meios de comunicação. Blogueiros e repórteres de Internet constituem cerca da metade da lista de jornalistas presos elaborada pelo CPJ em 2010. A Síria continua como um dos locais mais perigosos do mundo para manter um blog pelos repetidos casos de curtos e longos períodos de detenção.

Em uma decisão a portas fechadas, em fevereiro, um tribunal sírio sentenciou a blogueira Tal al-Mallohi a cinco anos de prisão. O blog de al-Mallohi abordava os direitos palestinos, as frustrações dos cidadãos árabes com seus governos e o que ela percebia como um estancamento do mundo árabe. Em março, o jornalista online Khaled Elekhetyar foi detido por uma semana, enquanto o veterano blogueiro Ahmad Abu al-Khair foi detido pela segunda vez em dois meses.

Táticas em prática

>> Um blogueiro se converte em espião

>>A detenção entre outras ferramentas

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VIOLÊNCIA CONTRA JORNALISTAS DE INTERNET

País em destaque: Rússia

Em países com altos índices de violência contra a imprensa, os jornalistas da rede se converteram no mais recente alvo de ataques. Na Rússia, uma brutal agressão em novembro de 2010 deixou o proeminente repórter de finanças e blogueiro Oleg Kashin tão ferido que precisou ser hospitalizado e permaneceu certo tema em coma induzido. Ninguém foi preso pelo ataque ocorrido em Moscou, o que reflete os fracos antecedentes da Rússia na resolução de ataques contra a imprensa.

A agressão contra Kashin foi o mais recente de uma série de ataques contra jornalistas da web que incluem o realizado em 2009 contra Mikhail Afanasyev, editor de uma revista online na Sibéria, e o assassinato de Magomed Yebloyev, proprietário de um site de Internet na Ingushetia, em 2008.

30 personagens do cinema sem maquiagem

Gollum/Sméagol – Andy Serkis (Trilogia: O Senhor do Anéis).

Sméagol – Andy Serkis (Trilogia: O Senhor do Anéis)

Gríma Língua-de-cobra – Brad Dourif (O Senhor do Anéis, As Duas Torres).

Gríma Língua-de-cobra – Brad Dourif (O Senhor do Anéis, As Duas Torres)

Freddy Krueger – Robert Englund ( A Hora do Pesadelo).

Freddy Krueger – Robert Englund ( A Hora do Pesadelo)

Predador – Kevin Peter Hall (O Predador).

Predador – Kevin Peter Hall (O Predador).

A Criatura (The Gill Man) – Ben Chapman (O Monstro da Lagoa Negra, 1954).

A Criatura (The Gill Man) – Ben Chapman (O Monstro da Lagoa Negra, 1954).

Jason – Ari Lehman (Sexta Feira 13 – 1980)

Jason – Ari Lehman (Sexta Feira 13 – 1980)

PinHead – Doug Bradley (Hellraiser).

PinHead – Doug Bradley (Hellraiser).

Pennywise – Tim Curry (IT, Uma Obra-Prima do Medo).

Pennywise – Tim Curry (IT, Uma Obra-Prima do Medo)

O Homem Pálido – Doug Jones (O Labirinto do Fauno).

O Homem Pálido – Doug Jones (O Labirinto do Fauno)

The Creeper – Jonathan Breck (Olhos Famintos).

The Creeper – Jonathan Breck (Olhos Famintos)

Leather Face – Gunnar Hansen ( O Massacre da Serra Elétrica-1974).

Leather Face – Gunnar Hansen ( O Massacre da Serra Elétrica-1974).

Andre Delambre se transformando em Mosca – Jeff Goldblum (A Mosca -1986).

Andre Delambre se transformando em Mosca – Jeff Goldblum (A Mosca -1986)

Eric, O Fantasma da Ópera – Lon Chaney (O Fantasma da Ópera-1925).

Eric, O Fantasma da Ópera  – Lon Chaney (O Fantasma da Ópera-1925).

A Criatura – Robert De Niro (Frankenstein de Mary Shelley).

A Criatura – Robert De Niro (Frankenstein de Mary Shelley)

Boca de Sauron – Bruce Spence (O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei)

Boca de Sauron – Bruce Spence (O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei)

Samara – Daveigh Chase (O Chamado )

Samara – Daveigh Chase (O Chamado )

Neytiri – Zoe Saldana (Avatar).

Neytiri – Zoe Saldana (Avatar de James Cameron)

Alien – Bolaji Badejo (Alien, O Oitavo Passageiro – 1979)

Alien – Bolaji Badejo (Alien,  O Oitavo Passageiro – 1979)

Diva Plavalaguna – Maïwenn Le Besco (O Quinto Elemento).

Diva Plavalaguna – Maïwenn Le Besco (O Quinto Elemento)

Darth Vader – David Prowse (Geurra nas Estrelas – Episódio IV).

Darth Vader – David Prowse (Geurra nas Estrelas – Episódio IV)

Christopher Johnson – Jason Cope (Distrito 9).

Christopher Johnson – Jason Cope (Distrito 9).

Jeriba ‘Jerry’ Shigan – Louis Gossett Jr. (Os inimigos).

Jeriba ‘Jerry’ Shigan – Louis Gossett Jr. (Os inimigos)

E.T. – Pat Bilon (movimentos especiais) (E.T. O Extraterrestre).

E.T. – Pat Bilon (movimentos especiais) (E.T. O Extraterrestre).

Godzilla (original) – Haruo Nakajima (Godzilla 1954).

Godzilla (original) – Haruo Nakajima (Godzilla 1954).

R2D2 – Kenny Baker (Guerra nas Estrelas – Episódio IV).

R2D2 – Kenny Baker (Guerra nas Estrelas – Episódio IV)

Chewbacca – Peter Mayhew (Guerras nas Estrelas – Episódio IV).

Chewbacca-Peter Mayhew (Guerras nas Estrelas – Episódio IV)

C-3PO – Anthony Daniels (Guerras nas Estrelas – Episódio IV)

C-3PO – Anthony Daniels (Guerras nas Estrelas – Episódio IV)

Darth Maul – Ray Park (Guerra nas Estrelas – Episódio I – A Ameaça Fantasma)

Darth Maul – Ray Park (Guerra nas Estrelas – Episódio I)

Noturno – Alan Cumming (X-Men 2).

Noturno – Alan Cumming (X-Men 2)

Mística – Rebecca Romijn (X-Men)

Mística – Rebecca Romijn (X-Men)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A decisão histórica do STF

Por Luciano Martins Costa em 6/5/2011

Comentário para o programa radiofônico do OI, 6/5/2011

A evidente manchete em toda imprensa nacional, nas edições de sexta-feira (6/5), é a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconhece as relações homoafetivas como uma nova espécie de família. Os jornais foram buscar todo tipo de opinião, desde juristas a representantes de crenças religiosas, para debater a extensão de direitos civis a parceiros do mesmo sexo que vivem em concubinato.

A partir da votação unânime do Supremo, parceiros de mesmo sexo que vivem juntos passam a ter direitos familiares iguais aos dos casais heterossexuais, como o de adotar filhos legalmente, receber pensão alimentícia, herança em caso de morte do companheiro ou companheira, partilhar plano de saúde e a declaração do Imposto de Renda.

De maneira geral, a imprensa tratou a notícia do ponto de vista mais progressista, evitando contemporizações com manifestações retrógradas como a que celebrizou recentemente o deputado Jair Bolsonaro. Mas a própria decisão da Suprema Corte impõe aos jornalistas alguns desafios inéditos.

A começar pela nomenclatura.

Omissão legislativa

Pode-se, por exemplo, usar a palavra concubinato para definir a situação legal de duas pessoas do mesmo sexo que vivem juntas?

É correto dizer, como fazem os jornais, "casal homossexual"? Ou seria mais correto chamar de "dupla"?

Como conciliar os conceitos de orientação sexual e compleição sexual dos indivíduos?

Varrendo-se para um lado as inevitáveis manifestações dos representantes eclesiásticos, que nunca vão aceitar a separação entre igreja e Estado, é interessante observar como a decisão histórica foi recebida por diferentes jornais.

O Globo foi o que deu o material mais extenso, distribuindo as reportagens ao longo de quatro páginas. Por outro lado, são claras as distinções entre as coberturas do Estadão e da Folha de S.Paulo, esta claramente mais festiva e colorida. Também não faltaram referências ao fato de que foi preciso o Judiciário se manifestar em tema sobre o qual o Legislativo vem se omitindo há anos.

Mais um round

A decisão histórica do STF coloca o Brasil em pé de igualdade com as dezesseis nações do mundo que já tomaram posição sobre a igualdade de direitos independentemente de orientação sexual.

Mas também escancara a desigualdade de opiniões que marca a sociedade brasileira em torno de questões básicas como os direitos civis.

Nessa disputa, o Brasil contemporâneo ganhou um round, mas o conservadorismo ainda rosna em instituições e personalidades de muito prestígio junto à imprensa.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

CARLOS HEITOR CONY - O terrorista emérito

RIO DE JANEIRO - Os norte-americanos são como o Botafogo: há coisas que só acontecem com eles. E como a bandeira deles tem muitas estrelas (a do Botafogo só tem uma), o resultado é que são exagerados, no bem e no mal.
A caçada a Bin Laden, que seria uma decorrência natural e justificável na luta contra o terror organizado, teve um final polêmico, que dará assunto para muitos filmes de ação -alguns deles já devem estar sendo produzidos.
Não se sabe por que o governo dos Estados Unidos gosta de mentir, e grande parte de sua história tem leituras conflitantes, como as mortes de Lincoln, Kennedy e até de Marilyn Monroe.
Bush mentiu e obrigou o general Colin Powell a mentir e a confessar que mentiu no caso da invasão do Iraque, país acusado de estar fabricando armas de extermínio massivo. Bem verdade que no caso do Paquistão ainda é cedo para surgir a verdade verdadeira (se o pleonasmo é possível). O episódio tem todos os germens para diversas teorias conspiratórias, a começar pela própria morte de Bin Laden, cujo cadáver foi jogado apressadamente no mar.
Fotos e filmes posteriores poderão ser contestados. O exame de DNA não prova nada. Para citar Eça de Queiroz: os norte-americanos "fizeram-na boa".
Quanto ao terrorismo em si, um terrorista só, como uma só andorinha, não faz verão. Os atentados continuarão, Bin Laden podia ser considerado um terrorista emérito, como FHC é professor emérito. Estava desativado, morava numa casa com crianças e mulheres, sem telefone, TV, internet.
Como podia dirigir uma rede internacional de capangas? Nem assistia ao programa do Faustão, não jogava na Mega-Sena e pagava tributo ao Grande Satã consumindo Coca-Cola e Pepsi. O que podia se esperar de um velho bandido assim?

Escritor de imagens e sombras

Por Sérgio Augusto em 3/5/2011

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 1/5/2011; intertítulos do OI

Reza a lenda que Saul Steinberg (1914-2003) ou tentou em vão arrumar emprego no jornal O Globo ou chegou a colaborar com o diário carioca mas não agradou e foi demitido. Até prova em contrário, é lenda. Ao que eu saiba, o genial humorista e artista gráfico romeno só veio ao Brasil para uma exposição de sua obra no Museu de Arte de São Paulo, em 1950. De qualquer modo, se não foi exatamente aqui que Saul Steinberg iniciou sua carreira jornalística no continente americano, foi para uma aventura editorial carioca que desenhou sua primeira capa de revista, justamente a do número de lançamento de Sombra, que chegou às bancas em dezembro de 1940, cinco anos antes de sua primeira capa para a revista The New Yorker, veículo que o consagrou mundialmente.

Uma pessoa de perfil em primeiro plano a saborear um sorvete, tendo ao fundo um homem a cochilar debaixo de vários guarda-sóis. Rio, verão, preguiça, sombra & água fresca – mesmo à distância, Steinberg pegou bem o espírito da coisa. A capa foi um sucesso.

Panfletos desenhados

Publicação bimensal para grã-finos da zona sul carioca, graficamente ousada e com colaboradores de alto coturno, como Stefan Zweig, Mário de Andrade e Augusto Frederico Schmidt, Sombra só não revelou o traço de Steinberg deste lado do Atlântico porque desde o ano anterior seus desenhos já circulavam em revistas argentinas, importadas pelos irmãos Victor e Cesare Civita, futuros fundadores da Editora Abril, primeiro em Buenos Aires, depois em São Paulo. Na época, o desenhista ainda morava na Itália, de onde só conseguiria fugir da perseguição fascista aos judeus em 1941.

Como outros romenos fora de série (Tzara, Brancusi, Ionesco, Eliade, Cioran), Steinberg viveu e se impôs culturalmente no exílio. Romênia? “Puro dada”, respondia, invocando Tzara, inventor do dadaísmo, abstendo-se de entrar em detalhes. Queria ser escritor, mas desistiu por causa da língua: “Ninguém lê romeno”. Os outros foram para Paris, viver e escrever em francês; ele preferiu a Itália.

Do pai impressor, encadernador e fabricante de caixas de papelão em Bucareste herdou o fascínio por papel, rabiscos, marcas e carimbos. Encaminhado para a engenharia, diplomou-se numa universidade milanesa, mas nem chegou a exercer a profissão. Em Milão, onde viveu oito anos, descobriu sua real vocação, bolando cartuns para a revista humorística Bertoldo, e sentiu na pele a repressão, relembrada em minúcias e com humor no livro Reflexos e Sombras, que Samuel Titan Jr. traduziu para o Instituto Moreira Salles e servirá de catálogo de uma exposição do artista (leia abaixo).

Fruto de conversas gravadas pelo também desenhista e escritor italiano Aldo Buzzi, na década de 1970, Reflexos e Sombras teve seu título inspirado numa série de desenhos de “sombras e imagens refletidas”, que Steinberg publicou na New Yorker em 1977. É um livro de memórias, desde a infância na Romênia (por ele comparada à de um negro no Mississippi) à consagração na América, acrescidas de observações e reflexões sobre o ofício de cartunista, o mundo artístico e o mercado de arte.

Na primeira tentativa de desembarcar em Manhattan, Steinberg foi barrado. A cota de imigrantes estava provisoriamente esgotada e ele se instalou por uns tempos em Ciudad Trujillo, atual Santo Domingo, na República Dominicana, onde aproveitou para aprender inglês, lendo Huckleberry Finn, de Mark Twain. De lá enviou desenhos para a New Yorker e, por intermédio de seu editor, Harold Ross, conseguiu o tão esperado visto. Naturalizado americano em 1943, serviu no setor de inteligência da Marinha, desenhando panfletos antinazistas para fomentar a resistência alemã. Ainda batia continência quando produziu suas primeiras “reportagens gráficas” (sobre a Índia, China e Norte da África) para a New Yorker.

Searas distintas

Sua paixão pela América foi fulminante; em particular por Nova York, com seus arranha-céus art déco e seus táxis que mais pareciam um juke-box sobre rodas, tão multicoloridos eram na década de 1940. Sua criação mais conhecida – o mundo visto a partir da Nona Avenida de Manhattan –, capa da New Yorker e depois pôster parodiado e copiado no mundo inteiro, sintetiza à perfeição o seu encanto pelos Estados Unidos, que procurou conhecer de perto, percorrendo o interior do país, para apreciar os caipiras (“a burguesia das cidades, essa está em toda parte, e é sempre igual”) e enriquecer seu acervo iconográfico. Paradas patrióticas, caubóis, peles vermelhas, bruxas de Halloween, estações de trem, quadrinhos, o coelho da Páscoa, o peru do Dia de Ação de Graças, Tio Sam, Mickey, Lincoln, a Estátua da Liberdade – foi em boa parte brincando, respeitosamente, com esses emblemas da cultura americana que Steinberg desenvolveu sua singular sintaxe visual.

“A América parece ter sido inventada para ele”, disse o grande crítico de arte Harold Rosenberg, o primeiro e mais poderoso padrinho de Steinberg na costa leste – e também o primeiro a defini-lo como um “escritor de imagens, um arquiteto da fala e do som, um desenhista de reflexões filosóficas”.

Aforista do traço e reificador cômico do alfabeto, da palavra e da gramática, que de uma simples linha tanto podia extrair uma corda de roupa como um horizonte, uma ponte ferroviária ou uma mesa, seu grafismo lacônico, alternadamente figurativo e abstrato, irônico e satírico, grotesco e cubista, meio Grosz, meio Klee, meio Miró, arrebatou todos os grandes artistas plásticos do seu tempo e uma legião de críticos, historiadores e intelectuais do porte de E. H. Gombrich (para quem Steinberg conhecia melhor do que ninguém a filosofia da representação), John Hollander, Italo Calvino, Michel Butor, John Updike e Arthur C. Danto. Referência e mestre de André François, Tom Ungerer, Millôr, Jaguar e toda a geração do Pasquim, Steinberg influenciou até artistas de outras searas, como o escritor francês Georges Perec, que teve o estalo de A Vida – Modo de Usar ao ver um desenho (Art of Living) do cartunista, mostrando simultaneamente tudo o que sucede no interior de um prédio de apartamentos.

Se tivesse escolhido o Brasil para viver, só não estaria na revista Piauí desde o primeiro número porque morreu três anos antes de ela ser lançada.

ELIANE CANTANHÊDE - Quem fica mal na foto

BRASÍLIA - Meu bisavô saiu para comprar cigarro e nunca mais apareceu. Foi justamente no dia de um grave acidente de trens no Rio e, como não havia métodos confiáveis de reconhecimento e as pessoas eram enterradas como indigentes, a dedução óbvia foi que ele morreu.
Mesmo assim, minha bisavó, que estava grávida do quarto filho, passou o resto da vida ruminando uma dúvida: morreu ou fugiu?
Se os EUA divulgam as fotos de Bin Laden com a cabeça estourada, estimulam um mito. Se não, podem alimentar a mesma dúvida ao redor do mundo: ele morreu mesmo?
Obama anunciou que não vai divulgar, mas ninguém acredita, especialmente depois do WikiLeaks, que essas fotos ficarão sob sigilo eterno. Mais cedo ou mais tarde, e independentemente da vontade de Obama, Hillary, generais e marqueteiros, elas serão expostas, aprofundando as diferenças de percepção entre a opinião pública nos Estados Unidos e nos demais países. Os americanos exaltam, cidadãos do mundo condenam.
A Otan aprovou a ação no Paquistão para matar Bin Laden, democratas e republicanos estão em êxtase cívico nos EUA, e os índices de popularidade de Barack Obama já indicam a sua reeleição no ano que vem. Mas o desenrolar da história já não é tão consensual assim no resto do mundo.
Bin Laden não estava armado, não usou mulher nenhuma como escudo, e o "mensageiro" foi identificado por meio de tortura de um preso político, método execrável sob qualquer prisma.
Cresce, enfim, o questionamento sobre a legalidade da própria operação: o comando Seal entrou no país sem consultar ou informar o governo paquistanês, matou o terrorista com dois tiros e jogou o corpo no mar, quando as leis internacionais preveem prisão, processo, direito a defesa e, finalmente, pena. Nada disso foi respeitado.
Com ou sem Bin Laden, essa foto vai ficando a cada dia mais feia.

elianec@uol.com.br

RICARDO MELO - Licença para matar

SÃO PAULO - Não será do dia para a noite que se terá acesso ao que realmente ocorreu no esconderijo do terrorista Osama bin Laden. Mas até a imprensa americana, que desde a Guerra do Golfo trocou o jornalismo pela "embedagem" ao governo, desconfiou do anúncio hollywoodiano da Casa Branca, versão democrata das "armas de destruição em massa" da era Bush.
Os lances épicos da violenta troca de tiros, da mulher usada como escudo, da resistência feroz deram lugar a um enredo bem mais prosaico. Provavelmente houve uma execução, e ponto. Tal descrição não comporta nenhum juízo de valor.
Bin Laden e quem se engaja no terrorismo e no fanatismo religioso têm consciência que o risco de morrer faz parte do (mau) negócio. O prontuário de crimes do chefe da Al Qaeda apontava para este final.
Mas incomoda, para dizer o menos, aceitar como natural a baboseira de Obama e dos europeus, para os quais a "justiça foi feita".
Como assim? Os EUA invadem um país, fuzilam um inimigo sem julgamento, jogam o corpo do sujeito no mar e estamos conversados. Tudo isso depois de se valerem de "técnicas coercitivas de interrogatório", eufemismo para tortura com afogamentos. E ainda vem a ONU, candidamente, dizer que "é preciso investigar" se o direito internacional foi desrespeitado.
A lógica política da operação Geronimo é a mesma que preside a intervenção seletiva nos conflitos na África e no Oriente Médio. Gaddafi, o ex-amigo, agora é inimigo, então chumbo nele e na família. Já na Síria não é bem assim, tampouco no Iêmen e na Arábia Saudita -azar de quem nasceu rebelde por ali. Mais uma vez, os EUA tratam o planeta como quintal, e usam a ONU de plateia para as "rambolices".
Que Obama, um político comum, comemore o ganho de popularidade às vésperas da batalha pela reeleição, é compreensível. Já o resto do mundo dito civilizado assistir a tudo com tamanha complacência apenas sinaliza o que está por vir.

O Obama e a Pippa - LUIS FERNANDO VERISSIMO

Obama pegou Osama. Numa única semana o Baraca respondeu aos críticos da direita que o acusavam de não ter nascido nos Estados Unidos, apresentando sua certidão de nascimento, e aos que o chamavam de frouxo no combate ao terrorismo, localizando e mandando matar o Bin Laden, que Bush tinha deixado escapar quando ele foi encurralado em Bora Bora. É verdade que quem não acreditava no Obama continua não acreditando. (Piada que corre: a certidão de nascimento não convenceu, agora querem ver a placenta). Na sua cobertura da morte de Bin Laden a rede Fox News quase não mencionou o presidente, preferindo destacar os méritos do governo Bush na sua perseguição. Mas as próximas pesquisas de opinião devem mostrar uma melhora na avaliação do Obama. Agora só falta a economia reagir ou a Michelle engravidar e a reeleição está garantida.
Casamento. Gente, e a Pippa? Todo o mundo prestando atenção na cauda da Kate e na fantasia de general de opereta do William e a verdadeira atração da festa era a irmã mais moça da noiva, Philippa, chamada Pippa. Ela só não foi mais importante do que a cauda porque a cauda tinha mensagem. Com a Inglaterra sofrendo sob as medidas de inédita austeridade impostas pelo governo conservador, a cauda foi encurtada um pouco para não parecer um acinte, mas não tanto que perdesse a imponência. Uma cauda longuíssima como a que Diana arrastou no seu casamento, em tempos melhores, destoaria dos sacrifícios que a nação é obrigada a fazer. Como estava, estava de bom tamanho. De bom tamanho também estava a Pippa, menos bonita do que a irmã mas mais interessante, e mais, como direi, rechonchuda. Grande palavra que, como se sabe, não quer dizer gorda e sim saliente nos lugares certos. O príncipe Phillip está meio apagadão. Não é verdade que tenha acordado no meio da cerimônia e perguntado quem era o louco que estava se casando. Já a rainha parece cada vez mais encantada com seus próprios chapéus. Pode-se imaginar que seu prazer de reinar hoje se resume no prazer de usar chapéus. O que explicaria sua relutância em renunciar em favor do Charles. Como renunciar aos chapéus? E Charles continua sendo a inutilidade mais cara do mundo.

Inevitável. (Da série Poesia numa Hora Dessas?!)
Assim tem sido através dos tempos
e em qualquer era:
o imprevisto sempre acontece
quando menos se espera.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Detector espacial de partículas tentará localizar matéria escura e antimatéria

Le Monde
Stéphane Foucart

  • Nova simulação por supercomputador mostra que a colisão de duas estrelas de nêutrons produz naturalmente estruturas magnéticas que impulsionam rajadas de partículas associadas com explosões de raios gama (GRBs) de curta duração Nova simulação por supercomputador mostra que a colisão de duas estrelas de nêutrons produz naturalmente estruturas magnéticas que impulsionam rajadas de partículas associadas com explosões de raios gama (GRBs) de curta duração
Para os físicos, o mundo é um quebra-cabeça. O jogo pode parecer simples, mas a maioria das peças está faltando. Na esperança de encontrar três delas – matéria escura, antimatéria e matéria estranha -, a comunidade científica elaborou um instrumento inédito: um detector de partículas orbital. Chamado de Alpha Magnetic Spectrometer (AMS) e concebido sob a direção de Samuel Ting (Massachusetts Institute of Technology, CERN), que recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1976, esse monstro de quase 7 toneladas, do tamanho de um pequeno ônibus, seria lançado na sexta-feira (29), a bordo da nave Endeavour, a partir do Centro Espacial Kennedy (Flórida, EUA). Em seguida ele será acoplado à Estação Espacial Internacional (ISS), onde deverá permanecer por cerca de dez anos em serviço.
“O objetivo é detectar a radiação cómica, esse fluxo de partículas que bombardeia continuamente a Terra”, explica Sylvie Rosier-Lees, pesquisadora no Laboratório de Física das Partículas de Annecy-le-Vieux (CNRS, Universidade de Saboia) e responsável pela colaboração francesa no AMS. “Como esses raios cósmicos são destruídos assim que entram na atmosfera, é preciso se posicionar acima, ou seja, no espaço.”
Essa radiação cósmica, cuja existência é conhecida há cerca de um século, é composta por pouco menos de 90% de prótons, cerca de 10% de núcleos de hélio, e o resto de núcleos pesados (ferro, berílio, etc.), mas também de alguns antiprótons e, talvez, outras estranhezas em um número muito pequeno. “A análise dos dados requer uma datação precisa, até o nível do microssegundo, da passagem das partículas através do detector”, explica Claude Zurbach, pesquisador no Laboratório Universo e Partículas de Montpellier (CNRS, Universidade Montpellier 2), encarregado da concepção de parte da instrumentação do AMS.
Antes de se chocar com o cimo da atmosfera terrestre, as partículas que formam a radiação cósmica são produzidas e aceleradas no coração de galáxias muito ativas, ou mesmo dentro da nossa – a Via Láctea -, nos restos de supernovas ou nas nebulosas de pulsar. Um dos primeiros objetivos do AMS é saber mais sobre a física que governa o funcionamento desses objetos estelares que, por mais estranhos que pareçam, são na verdade formados de matéria ordinária.
Mas isso não é tudo. “Ao buscar componentes muito raros da radiação cósmica, pode-se esperar alcançar uma física não convencional”, diz Rosier-Lees. Em especial, a grande sensibilidade do detector deverá lhe permitir “ver” – supondo que eles se encontrem lá – núcleos de anti-hélio no fluxo de partículas que ele receberá.
“O AMS deverá ser capaz de detectar uma única partícula de antimatéria perdida em um fluxo de um bilhão de partículas de matéria”, diz Laurent Derome, pesquisador no Laboratório de Física Subatômica e de Cosmologia de Grenoble (CNRS, Universidade Joseph-Fourier, Instituto Politécnico de Grenoble), associado ao projeto. Há interesse em buscar a passagem fugaz de núcleos de anti-hélio porque este, embora exista em estado nativo no Universo, não pode ser produzido por colisões de partículas de matéria. “A detecção de um núcleo de anti-hélio seria uma grande descoberta”, acredita Derome. “Isso indicaria que podem existir domínios de antimatéria, zonas onde esta prevaleceu sobre a matéria”.
A existência dessa antimatéria, “simétrica” àquela que nos cerca, é uma dessas questões que obcecam os físicos, porque ela leva a outra questão: a de saber por que existe alguma coisa no lugar de nada. “A priori, uma vez que as leis da física são simétricas, pode-se pensar que depois do Big Bang toda a matéria deveria ter se aniquilado em contato com a antimatéria criando luz”, explica Laurent Derome. “Então não teria restado nada”. Ora, o Universo existe: então, há um problema, ao qual os cerca de 500 cientistas da colaboração AMS, que reúne 16 países, podem esperar começar a responder.
O detector orbital buscará um indício de formas de matéria mais exótica ainda. Ele buscará na radiação cósmica a assinatura de certas partículas muito pesadas e com pouca carga elétrica, cuja existência é prevista por certas teorias: os strangelets. Para entender a estranheza dessa matéria, é preciso saber: que aquela que nos cerca é formada de átomos, eles mesmos constituídos de núcleos que formam a maior parte da massa; que esses núcleos são feitos de um agregado de nêutrons e prótons; e que esses mesmos prótons e nêutrons são constituídos de quarks “up” e “down”.
Esses dois pequenos fragmentos elementares compõem todos os núcleos de átomos de todas as moléculas de tudo aquilo que nos cerca. Mas os físicos sabem que outros quarks existem: em especial o quark “estranho”, conhecido por só formar partículas instáveis - que só existem por durações ínfimas de tempo, antes de se desintegrarem sob outras formas. A existência desses strangelets poderia assinalar a existência – prevista por certos teóricos – das chamadas estrelas “estranhas”, de uma densidade extrema, compostas de uma sopa de quarks como esses...
Também se aproveitará o AMS para procurar ver a assinatura da famosa matéria escura – aquela, invisível, cuja natureza os físicos desconhecem, mas cujo efeito gravitacional eles acreditam perceber na matéria ordinária. Os teóricos também preveem que o choque de duas partículas dessa enigmática matéria produza partículas providas de certas gamas de energia. Se estas forem detectadas, isso “poderá permitir que se tenha uma ideia da distribuição dessa matéria escura em nossa galáxia”, resume Rosier-Lees.
Tradução: Lana Lim

ELIO GASPARI - Obama fez o gol que Carter tomou

Teria sido melhor para os EUA e para Bin Laden se ele tivesse morrido numa caverna de Tora Bora


OS DOIS HOMENS mais procurados nos últimos cem anos foram Osama Bin Laden e Adolf Eichmann. O gerente dos campos de extermínio nazistas foi achado na Argentina por um cego, e o chefe da Al Qaeda escondia-se no Paquistão numa fortaleza que só um cego não via.
Convertendo o cenário para o Brasil, Bin Laden vivia em Resende, na serra fluminense, a 500 metros da Academia Militar das Agulhas Negras. Sua casa era oito vezes maior que as propriedades da vizinhança e estava cercada por um muro de 4 metros de altura. Afora essa excentricidade, um vizinho mais curioso poderia ter percebido que ela não produzia lixo. Se procurasse identificar o morador, saberia que a propriedade não tinha telefone nem cabo de internet.
É preciso muita boa vontade para se acreditar que Bin Laden não dispunha de algum tipo de proteção do poderoso aparelho de segurança paquistanês. Tanto para ele como para o governo americano, teria sido muito melhor se tivesse morrido numa caverna de Tora Bora.
O terrorista preservaria a aura de ascetismo, e os americanos ficariam livres da embaraçosa exposição dos militares paquistaneses como um aliado corrupto e traiçoeiro.
Eles formam uma casta equipada com algumas dezenas de bombas atômicas.
Serão necessárias algumas semanas para que se saiba exatamente como os quatro helicópteros americanos chegaram a Abbottabad e o que sucedeu dentro da casa.
A cabeça do terrorista valia US$ 27 milhões em prêmios. Em menos de 48 horas, derreteram-se as histórias segundo as quais Bin Laden estava armado e usou as mulheres como escudos. Houve tiroteio com guarda-costas? O governo americano levou meses para reconhecer que Che Guevara foi executado por militares bolivianos com o beneplácito da CIA. De qualquer forma, jogando-se o corpo de Bin Laden no mar, queimou-se o arquivo.
Como 24% dos americanos acreditam que Obama é um muçulmano enrustido e 7% acham que Elvis Presley está vivo, será natural que milhões de pessoas vejam nessa história mais uma lorota do Grande Satã.
A operação que matou "Gerônimo" entrará para a galeria da audácia militar. Vai-se saber como operava o agente que campanava a propriedade em Abbottabad e registrou a chegada do Suzuki branco do pombo-correio.
(No início dos anos 90, um agente da CIA vigiou um sujeito em Cartum, no Sudão. Ele só veio a saber que era o terrorista Carlos, o "Chacal", quando capturaram-no.)
Obama presidiu com absoluto sucesso uma operação que, em ponto bem menor, assemelha-se ao desastre que marcou a humilhação do poderio americano. Em 1979, a milícia iraniana ocupou a Embaixada dos Estados Unidos em Teerã e aprisionou seus 52 funcionários. Um ano depois, o presidente Jimmy Carter autorizou uma ambiciosa operação militar. Seis helicópteros deveriam baixar nos jardins da embaixada e um comando libertaria os reféns.
Deu tudo errado. Pegaram até tempestade de areia, um helicóptero explodiu e a tropa regressou, para glória do aiatolá Khomeini. Meses depois, Carter perdeu a reeleição para Ronald Reagan e o Partido Democrata ralou 12 anos de amargura. O que deu errado para Carter deu certo para Obama.

RUY CASTRO - Mallarmé reescrito

RIO DE JANEIRO - Pronto. Já não se pode nem atacar uma fortaleza nas breubas do Paquistão, à uma da madrugada e sob o maior sigilo -tanto sigilo que nem o país que abriga a fortaleza podia ficar sabendo. Pois, com todos esses cuidados, não faltou alguém insone e sem o que fazer, tuitando noite afora, e que, ao ouvir helicópteros àquela hora imprópria, transmitiu para o mundo o que estava havendo.
No passado, a história sempre aconteceu aos olhos de testemunhas anônimas e distraídas, que mal percebiam o que estava se passando. E, se percebessem, não faria diferença porque, pelo menos antes do telégrafo, meados do século 19, não tinham para quem contar ou suas mensagens levavam semanas para chegar ao destino. E, quando chegavam, a situação na origem da informação já teria mudado de novo e não correspondia mais àquela realidade.
Mas isso acabou. A história perdeu a inocência. Não importa o que aconteça -nem onde, quando ou como-, sempre haverá alguém para registrar aquilo de alguma forma, em "tempo real", alta definição e, não demora, 3D, podendo ser captado por milhões. O poeta Mallarmé dizia que tudo existe para acabar num livro. Se vivo hoje, diria que tudo acontece para acabar numa telinha de três polegadas.
O tuiteiro poderia ter chegado à janela de sua casa em Abbottabad, apontado o celular para o céu, filmado a chegada dos helicópteros e transmitido tudo aquilo, com som e imagem, para seus colegas tuiteiros da madrugada. Se não o fez, foi porque não calhou.
Mas pode-se prever que, daqui em diante, jovens tuiteiros ficarão de olho nas nuvens e maquininha na mão, torcendo para que algo aconteça e os torne famosos.
A casa onde Bin Laden se escondia chamou atenção porque não tinha telefone nem internet. Pois é, existe coisa mais suspeita, alguém não ter telefone ou internet?

O fator humano - MERVAL PEREIRA

O seminário promovido pela Unesco para comemorar o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa teve uma intensa programação baseada nas novas mídias, mas, ao final de vários debates, inclusive o do qual fui mediador, ficou a sensação de que é impossível abrir-se mão da mídia tradicional como uma fonte fundamental para a divulgação de informações, assim como da capacidade de seus profissionais para apurar e checar notícias, dentro de padrões técnicos e éticos largamente testados pelos anos, o que dá credibilidade às notícias divulgadas.

O painel do qual participei tratava da integração das diversas mídias para fazer com que as empresas de mídia tradicional continuem sendo atores centrais na produção de informações nesse novo mundo tecnológico.

Por isso destaquei uma informação publicada recentemente pelo jornalista Tom Rosestiel, um dos teóricos mais importantes do jornalismo, no “Washington Post”, segundo a qual, entre os 20 blogs mais acessados dos Estados Unidos, nada menos que 18 fazem parte da mídia tradicional ou estão ligados a ela de alguma maneira.

Mas, como ressaltou Katherine Zaleski, produtora executiva para novos produtos digitais do mesmo “Washington Post”, que está comandando o processo de integração na nova redação do jornal, a capacidade de apuração proporcionada pelas novas mídias, colocando o relato de diversos novos atores à disposição do público, não permite mais que os jornais se portem como na guerra do Iraque, quando assumiram como verdadeiras as versões oficiais, e só anos depois refizeram seus relatos revelando que não havia armas de destruição em massa em poder do ditador Saddam Hussein e as manipulações que o governo Bush usou para justificar a invasão daquele país. Por isso o noticiário sobre a morte de Bin Laden está sendo tão detalhado e tão crítico.

Em outro painel, em que ativistas de diversos grupos da mídia digital mostravam suas atuações através da divulgação de filmes no YouTube ou informações contra governos autoritários através de internet, Twitter ou de meios de relacionamento social como o Facebook, um jornalista africano chamou atenção para o fato de que, por melhores que sejam suas motivações, os ativistas não estavam fazendo jornalismo.

Gregory Shvedov, editor do blog “Caucasian Knot”, da Rússia, admitiu que seu trabalho fosse político, mas defendeu a existência de um jornalismo ativista. Outros participantes admitiram que, com o correr dos anos, estão mais empenhados em checar as informações antes de divulgá-las, mesmo porque vários governo autoritários forjavam denúncias falsas para depois acusar os ativistas.

Larri Kilman, diretor da Associação Mundial de Jornais (WAN/IFRA) mostrou com números que a questão dos jornais não é de falta de audiência, mas de modelo de negócios que está se deteriorando. Segundo ele, os jornais ainda atingem 37% da população adulta do mundo, cerca de 1,7 bilhão de pessoas diariamente, comparado com apenas 25% da população mundial que tem acesso à internet.

Combinados os jornais impressos com suas versões online, nunca os jornais tiveram tanta audiência quanto hoje. Ele ressaltou, porém, que é caro manter um time de repórteres nos jornais, e a democracia será afetada sem eles.

A questão é que os jornais estão perdendo para as mídias digitais verba de publicidade, que em certos países já ultrapassa a dos impressos.

Os jornais estão tentando buscar alternativas a essa perda, e muitos já estariam conseguindo novos caminhos. Por isso, também alguns, como o “The New York Times”, começaram a cobrar pelo acesso a suas edições digitais.

Mas quem melhor se colocou na discussão entre as novas mídias e a tradicional foi o jornalista Bob Woodward, famoso pela reportagem no “Washington Post”, junto com Carl Bernstein, que derrubou o presidente Nixon no que ficou conhecido como o escândalo de Watergate.

Ele começou sua palestra discordando do resumo feito para a apresentação do seminário, que dizia: “os novos instrumentos da mídia digital mudaram fundamentalmente a natureza da reportagem e o sentido da transparência”. Woodward declarou-se em discordância “firme” com essa afirmação. Para ele, os novos meios apenas suplementaram de maneira significativa a maneira de fazer jornalismo.

Ele também discordou da afirmação de que os cidadãos agora têm acesso instantâneo às fontes que os repórteres usaram nas suas reportagens. Para Woodward, que disse que adora a internet, há de fato mais dados para a apuração, mas nada mudou fundamentalmente na maneira como um bom jornalista trabalha.

Ele se referiu às notícias baseadas no Wikileaks que o “The New York Times” publicou, dizendo que o fazia porque “os telegramas contam a história crua de como os governos tomam suas decisões que custam ao país pesadamente em vidas e dinheiro”.

Embora admita que publicar telegramas do Wikileaks acrescente informação para o leitor, Woodward diz que a versão dos embaixadores dificilmente chega à Casa Branca, que tem seus próprios meios de investigar e produzir relatórios. Na definição de Bob Woodward, não vivemos uma revolução no jornalismo, que ainda depende das revelações de fontes humanas, que viveram os acontecimentos diretamente e relatam suas histórias aos bons jornalistas.

Mas é preciso também saber pesar as informações e descontar as fraquezas humanas na hora dos relatos, adverte. Ele contou uma história definitiva sobre a tendência de as pessoas refazerem suas versões de maneira a ficarem em situação melhor.

Disse Woodward que ele e sua mulher estavam certa vez em um seminário sobre envelhecimento (ele tem 78 anos e diz que se interessa muito pelo assunto) e deram para os assistentes questionários sobre hábitos de vida.

Na contagem final de pontos, a pessoa saberia quantos anos de vida teria. Na sua frente estava Henry Kissinger, que ficou curioso sobre o seu resultado. Constatou então que Kissinger refez o questionário, alterando respostas, até que o resultado desse a ele mais anos de vida que o primeiro, segundo o qual já teria morrido devido a seus hábitos sedentários e ingestão de carne vermelha.

“As pessoas vivem refazendo suas versões sobre os fatos”, advertiu Bob Woodward.