sábado, 9 de abril de 2011

Um ''jogo'' premeditado - Lúcia Guimarães

Ninguém teve a ideia de fazer um bom videogame com um massacre escolar." A queixa é do mentecapto que atende pelo apelido Pawnstick e cuidou de preencher esta lacuna nos anais da glorificação escatológica.
"School Shooter: North American Tour 2012" (Atirador Escolar: Tour Norte-americano 2012, em tradução livre) foi lançado em fevereiro e retirado do site anfitrião na última semana de março. Pawnstick e a empresa Valve prometem trazer o videogame de volta em breve.
"School Shooter" permite ao jogador sentir-se como o par de assassinos de Columbine (13 mortos e 21 feridos, em 1999) ou como o estudante sul-coreano que matou 32 pessoas e feriu 21 na Escola Politécnica de Virgínia, em 2007. O objetivo, claro, é matar o maior número de alunos.
A palavra dissociação, usada com frequência para descrever o estado mental de autores de assassinatos em massa, cai como uma luva na explicação dada por Pawnstick quando acusado de depravação moral: "É só um jogo e o objetivo é ser divertido," disse ele ao website The Escapist.
Um estudo feito pelo Serviço Secreto Americano, quando o país estava sob o impacto do massacre de Columbine, examinou 37 incidentes de violência extrema nas escolas, entre 1974 e 2002. Não existe o "atirador de escola". Embora nunca tenha emergido o perfil psicológico de jovens ou adultos que usaram escolas como cenário de suas fantasias homicidas, os incidentes incluídos no estudo tinham um ponto em comum.
Nenhum foi resultado de um impulso. Todos foram cuidadosamente preparados, inclusive o que fez mais vítimas, o hoje esquecido massacre de Bath, no Estado de Michigan, em 18 de maio de 1927. Andrew Kehoe, o autor do massacre de 38 crianças e seis adultos, passou meses instalando explosivos na escola de Bath. Ateou fogo à escola e, quando os bombeiros chegaram, detonou os explosivos que também provocaram a morte deles.
Durante a Guerra Fria, as crianças americanas se submetiam a simulações para enfrentar a emergência de um ataque nuclear soviético. No começo do século 21, ao treinamento obrigatório para enfrentar incêndios juntou-se a simulação de um massacre escolar.
Tomemos como exemplo o verde Estado de Washington, na costa do Oceano Pacífico. Na semana passada, a idílica cidadezinha de Snoqualmie, batizada com o nome da tribo homônima que vivia no território transformado em Estado, não economizou em realismo. Tiros foram disparados, "vítimas" gritaram e dezenas de policiais bem equipados invadiram salas de aula para "salvar" os alunos - "Como no cinema", relatou o tabloide semanal da cidade, mal contendo a excitação com a súbita erupção de notícias.
A ameaça de violência que se instalou no imaginário da vida escolar americana não discrimina entre o cenário bucólico e a densidade urbana.
Em Nova York, 100 mil dos 1,1 milhão de alunos do sistema público de ensino passam por detectores de metais antes de chegar às salas de aula. No bairro do Bronx, não há mais uma escola pública sem detectores. A divisão do Departamento de Polícia de Nova York especializada em patrulhar escolas, com 5 mil membros, forma a quinta força policial do país e supera de longe o número de orientadores escolares.
A cidade mais rica dos Estados Unidos ocupa um lamentável 310.º lugar nos índices de graduação do país. Mas, avaliados sobre seus conhecimentos da ameaça extracurricular, os alunos nova-iorquinos tiram nota mais alta.

É CORRESPONDENTE EM NOVA YORK

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