quinta-feira, 3 de março de 2011

Programe ou será programado

Artigo do professor Nelson Pretto*, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para o jornal A Tarde da Bahia, na terça-feira (1).

Fiquei bastante impactado com o filme Cisne Negro. Impactado pela beleza do filme, atuação de Natalie Portman e pela possibilidade de pensar, a partir dele, a educação. É forte a pressão que o artista sofre para melhor desempenhar o seu papel.

Longe de mim pensar que a educação deva seguir uma metodologia como essa, muito menos nestes tempos em que, por decreto, sugere-se que não exista reprovação nos primeiros anos de escolaridade.

Claro que não defendo considerar a reprovação como uma boa ameaça para estimular o estudo da meninada. Não gosto dessas políticas por não acreditar que as questões e desafios mais fundamentais da educação sejam resolvidos por decreto. E decretos não faltam! Voltando ao filme, o que mais me instigou relacioná-lo com a educação foi a insistência com que o durão - e canastrão - diretor falava à nova bailarina que galgava o papel principal e o estrelado de que a sua superação não se daria simplesmente por mais e muito mais técnica. Nem seria apenas por mais conhecimentos, por fazer tudo bem direitinho, bem certinho, mas, sim, por um soltar a imaginação.

Por um intenso criar, um viver plenamente sua arte e sua vida. Penso ser assim também com a educação.

Gosto muito de flanar pelo Youtube e também por lá postar alguns vídeos. Recentemente assisti a uma entrevista do escritor russo Isaac Asimov (bit.ly/atarde1102).

O velho Asimov discute o futuro da educação e relembra o tempo em que a educação era feita por tutores que percebiam onde estava o interesse dos jovens e, a partir daí, avançavam na sua formação com os conhecimentos necessários para que eles compreendessem o mundo e, mais do que isso, pudessem dominá-lo, já que a educação era para poucos, a elite dominante.

Nossas lutas históricas provocaram uma profunda transformação daquela educação para poucos para a implantação de um sistema educacional público que atendesse a todas as pessoas. No vídeo, Asimov explica que a única forma de se fazer isso era tendo um só professor para uma grande quantidade de estudantes. Mais ainda, para organizar a situação, foi dado ao professor um currículo para ensinar. Passamos, então, a pensar a educação como um sistema, mais próximo de uma fábrica, com cada um desempenhando o seu papel, com ações sempre delimitadas, principalmente para os professores que passaram a seguir orientações emanadas de currículos, programas e avaliações nacionais e internacionais.

Pior: além de acompanhar essas normas, são eles constantemente seguidos, quase perseguidos, para que o sistema possa ter controle de sua autonomia em nome do bom desempenho. O ensino passa, então, a ser controlado por sistemas de avaliação que precisam ser universais com sua eficiência verificada - auditada! - através de exames, a exemplo do Pisa (sigla do Programa de Avaliação de Estudantes), que mede as chamadas competências em matemática e ciências. Assim, a escola passa a funcionar na busca de capacitar o jovem para responder a determinadas questões, de Matemática, por exemplo, muitas vezes sem nem mesmo compreender o que está respondendo. Nada de criação, nada de inovação, nada de vibração existencial.

No meu canal do Youtube (www.youtube.com/nlpretto) tenho um vídeo onde falo sobre videogames. Recentemente, recebi uma mensagem de Code Masters, um garoto de 17 anos que está no 1º ano do ensino médio, concordando comigo e afirmando que gostaria muito de que sua escola tivesse cursos de programação de computador, "linguagens c++, delphi, compiladores, engine de games, modelagem 3d etc". Ele quer que as autoridades o escutem porque deseja aprender essas coisas e não apenas as profissões tradicionais como pedreiro, mecânico, eletricista, etc. O comentário de Code Masters coincide com o que diz o pesquisador americano Douglas Rushkoff no seu recente livro Programe ou será programado.

Os computadores e as redes nos trazem inúmeras possibilidades de produção de conhecimentos e de culturas e não apenas de consumo de informações e, se não forem aprisionadas por teorias pedagógicas estreitas e imediatistas, podem contribuir para a formação de uma geração de pessoas geniais que estarão programando as máquinas, suas vidas e, principalmente, os destinos do planeta e da humanidade.

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