sábado, 5 de março de 2011

INCONFIDENTE ATORMENTADO

Biografia de Cláudio Manuel da Costa recém-lançada traz relato detalhista da vida familiar do poeta e retrata homem dividido entre duas origens

Divulgação

Imagem não datada de Cláudio Manuel da Costa

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

Não é muito o que se sabe sobre Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), considerado uma referência na literatura nacional por mestres como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Antonio Candido e outros.
Enquanto poetas das Minas da mesma época, como Tomás Antonio Gonzaga (1744-1810) -um pouco mais jovem que ele-, atingiram rapidamente a fama, Manuel da Costa demorou a ser divulgado amplamente.
Seu papel na Inconfidência Mineira [levante separatista reprimido pela Coroa portuguesa em 1789] é incerto e gera especulações.
Da vida pessoal, também sabe-se pouco, além do fato de que viveu com Francisca Arcângela de Sousa, escrava alforriada com quem teve ao menos cinco filhos (tampouco se sabe o número exato).
Nem mesmo seu rosto chegou de modo claro até nós, como se pode ver na ilustração desta página.
A dificuldade em obter informações está ligada ao fato de que seus bens e papéis foram sequestrados e destruídos após a Inconfidência. A historiadora da USP Laura de Mello e Souza desafiou a falta de rastros e compôs uma biografia, que sai pela "Perfis Brasileiros", da Companhia das Letras.
"Trata-se de um dos maiores poetas da língua portuguesa e não possuía estudo à altura, isso me motivou."
O livro faz um retrato cronológico da vida do poeta.
Primeiro, concentra-se nos anos da infância e da adolescência. Os pais de Manuel da Costa são mostrados como um casal diferenciado da média de seu tempo.
Afinal, sem ser excessivamente abastado, o pai, um português escravista típico, teria percebido o valor da educação e da cultura como forma de distinção social e mandado os filhos estudarem em Coimbra.
"Era um casal "sui generis", que conseguiu promover socialmente os filhos enquanto seus parentes da mesma geração, em Portugal, viviam ainda como lavradores."
Há um relato minucioso de como era a casa da família, levantando até os objetos de cozinha e os cobertores que seus integrantes usavam.
"Foi possível recolher esses detalhes com base no inventário do pai, uma documentação nova que permanecia desconhecida", diz.
Além desses papéis, Mello e Souza ressalta a importância, para o trabalho, da análise dos processos de habilitação dos irmãos junto à Coroa.
Segue-se, então, o tempo em que o poeta viveu em Coimbra e no qual fica clara sua condição luso-brasileira.

RETORNO
Mello e Souza conta que Manuel da Costa voltou ao Brasil ainda jovem, aos 24 anos, a contragosto e atendendo a um pedido da mãe, depois da morte do pai. Ocupou, então, vários postos na municipalidade de Vila Rica.
A pesquisadora reforça o fato de que Manuel da Costa era um homem dividido entre duas origens.
Explica que o escritor teria sido um típico letrado "à moda do mundo tardomedieval, renascentista e barroco, um dos últimos dessa estirpe".
Tem destaque na obra uma viagem que o poeta fez ao sertão das Minas e que o confrontou com o embate ou a convivência da civilização com a barbárie no novo continente. "Esse é um tema típico da ilustração, especialmente na América espanhola, e está no "Vila Rica" [principal poema do autor]."

INCONFIDÊNCIA
Mello e Souza não duvida de sua participação ativa na Inconfidência, mas não crê que desejasse um rompimento com a metrópole.
"Ele devia defender uma maior autonomia da Capitania e que ela devia ter um governo de ilustrados. Não acho que tenha visto com bons olhos a chegada de grupos mais radicais ao movimento, que queriam a separação", argumenta.
Quando o levante foi revelado, o poeta delatou companheiros e, depois, se suicidou. Embora exista, na historiografia, a hipótese de assassinato, esta é descartada pela historiadora.
"Conhecendo sua personalidade frágil, dividida, sou levada a acreditar na hipótese do suicídio", diz.

CLÁUDIO MANUEL DA COSTA
AUTOR Laura de Mello e Souza
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39,50 (242 págs.)

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