quarta-feira, 23 de março de 2011

Boa vizinhança em tempos de globalização

Por Alberto Dines em 22/3/2011

Ao examinar a badalada visita de Barack Obama os analistas que pontificam na mídia passaram ao largo da Política de Boa Vizinhança, um programa criado em 1933 pelo então presidente americano Franklin Delano Roosevelt. Guru do atual ocupante da Casa Branca, Roosevelt pretendia neutralizar os efeitos do "Big Stick" – grande porrete – adotada em 1901 por seu primo distante, Theodor ("Teddy") Roosevelt.

Obama também queria demarcar-se da política de Bush e graças ao carisma, ao arsenal retórico e à sua história pessoal se lançou à tarefa de fazer amigos e conquistar parceiros. Bons vizinhos, além de conviver e se respeitar, devem demonstrar cordialidade, festejar-se.

Neste aspecto festeiro, todas as partes cumpriram o seu papel nos eventos do último fim de semana. Sobretudo a mídia: a boa vizinhança pressupõe um clima e quem constrói climas são os meios de comunicação. Os nossos deram o máximo. Chegaram mesmo a curvar-se às exigências da segurança da Casa Branca para se organizar em pools e assim cobrir os diferentes eventos sem aquela multidão de jornalistas se acotovelando a cada passo.

Com vantagem

A recíproca não foi igual: a mídia americana não deu muita bola à viagem do seu presidente ao Brasil. O noticiário da Líbia e do Japão é mais quente. As pretensões do Brasil de conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU não chegam a ser novidade e são compartilhadas por, pelo menos, uma dúzia de nações (ver, neste OI, "Obama, Líbia e Japão" e "Sobre protocolos e capoeira").

Nossa mídia não precisou fazer grandes esforços, o povão adorou os Obama. "São como a gente", disse uma entrevistada pela TV na Cidade de Deus, Rio. Queria dizer: são negros (ou afrodescendentes) como a maioria do povo brasileiro, não são brancos como os colonizadores. Isso faz uma enorme diferença. A histeria anti-ianque da extrema esquerda brasileira não cola em Obama, ele é imune ao histórico ressentimento mesmo que sua visita tenha coincidido com mais uma controversa intervenção ocidental num país árabe – no caso a Líbia.

A Política de Boa Vizinhança no mundo globalizado e eletrizado por um formidável fluxo informativo é mais imprevisível do que o projeto original de Roosevelt, apresentado há 78 anos na Conferência Pan-Americana em Montevidéu. Convém registrar que menos de uma década depois, em janeiro de 1942, outro conclave continental acabou levando os bons vizinhos a romper relações diplomáticas com os países do Eixo em solidariedade aos EUA pelo ataque nipônico a Pearl Harbor. O Brasil levou vantagem: entrou na guerra como ditadura fascista (o Estado Novo) e saiu como campeã da democracia derrubando o Estado Novo meses depois.

O turismo dos chefes de Estado nunca é acidental.

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