terça-feira, 29 de março de 2011

TELEFONIA vs. RADIODIFUSÃO - A guerra anunciada

Por Venício A. de Lima em 29/3/2011

Salvo por uma matéria traduzida da The Economist, publicada na Carta Capital nº 639, a grande mídia brasileira optou por não noticiar a briga de gigantes deflagrada no México, nos últimos dias.

E por que interessaria ao público brasileiro o que ocorre no México? Quando nada, um dos gigantes envolvidos é sócio (alguns dizem, majoritário) da maior operadora de televisão paga do Brasil: a NET, ligada às Organizações Globo. Ademais, o que está acontecendo ao norte do Equador pode perfeitamente vir a acontecer também ao sul, vale dizer, aqui mesmo entre nós.

Monopólio vs. monopólio

As operações de telefonia e televisão no México são praticamente monopolizadas por dois grandes grupos.

Cerca de 80% das linhas de telefonia fixa estão conectadas à Telmex – a mesma empresa que é sócia da NET – e 70% do mercado de telefonia móvel (celular) são controlados pela Telcel, outra empresa do mesmo grupo – ambas de Carlos Slim, o homem mais rico do planeta.

Por outro lado, o grupo Televisa, do empresário Emilio Azcárraga, controla cerca de 70% da audiência da televisão aberta. O que sobra, em boa parte, está sob controle da TV Azteca, comandada por Ricardo Salinas, outro magnata mexicano.

Os grupos conviviam em relativa harmonia, cada um com seu respectivo "mercado". Agora, diante da convergência tecnológica, resolveram se enfrentar abertamente.

Um grupo de 25 empresas de telecomunicações, incluídas a Cablevisión (propriedade do Grupo Televisa) e Iusacell (do Grupo Salinas, da TV Azteca), entrou com uma ação na Comissão Federal de Competição (Cofeco, equivalente ao nosso Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, do Ministério da Justiça) contra o alto custo das tarifas de interconexão cobradas pela Telcel. Ao mesmo tempo, a Telmex apresentou quatro denúncias contra a Televisa, a Televisión Azteca, a Cablesivion, a Megacable, a Cablemas, a Television Internacional e a Yoo por "práticas de monopólio e correlatos".

As ações legais vieram acompanhadas de anúncios de página inteira nos jornais parceiros da Televisa denunciando o "monopólio caro e ruim" da indústria de telecomunicações, enquanto Carlos Slim retirava os anúncios de suas empresas – cerca de 70 milhões de dólares anuais – dos canais da Televisa. Em represália e solidariedade à Televisa, a TV Azteca passou a recusar os anúncios do Grupo Telmex.

Disputa de mercado

O que está em jogo, por óbvio, é o controle do mercado convergente de telefonia e televisão. Como explica didaticamente a matéria da The Economist:

"A tecnologia transformou os negócios de telefonia e televisão em um único mercado: a televisão hoje inclui telefone e internet em seu serviço de TV a cabo, e quer adicionar telefones celulares. Salinas, que também controla uma empresa de celulares, a Iusacell, lançou um pacote semelhante em 2010. Slim deseja usar seus cabos de telefonia para distribuir TV paga (setor em que se tornou o maior ator no resto da América Latina), mas o governo não quer permitir.

"Agora os bilionários pedem o tipo de reforma da concorrência de que suas respectivas indústrias precisavam há muito tempo. Os magnatas da TV querem que Slim reduza o valor cobrado quando, um telefone rival liga para um celular Telcel (a agência reguladora das teles do México lhe disse para reduzir algumas taxas). A atual tarifa de interconexão é 43,5% acima da média da maioria dos países ricos da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso torna impossível que outras operadoras ofereçam tarifas competitivas. A Comissão Federal de Concorrência (CFC) do México diz que os consumidores se beneficiariam de 6 bilhões de dólares por ano se as taxas de conexão se equiparassem à média da OCDE. A CFC recomenda deixar Slim concorrer na televisão quando tiver relaxado seu poder no setor de telefonia. Se a Telmex entrasse no mercado de tevê paga, o aumento da concorrência colocaria os preços ao alcance de mais 3,8 milhões de residências, admite a CFC."

E no Brasil?

A situação brasileira é diferente da mexicana, mas a briga entre teles e radiodifusores tradicionais ocorre também aqui. O locus dessa disputa, desde 2007, tem sido o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional e "abre o setor de TV por assinatura para as teles, cria a separação de mercado entre produtores de conteúdo e empresas de distribuição e ainda cria cotas de programação nacional nos pacotes de canais pagos", além de revogar a Lei do Cabo de 1995.

Na sua versão atual o projeto – PLC 116 do Senado Federal – é o resultado da articulação inicial de três propostas representando grupos e interesses distintos: o PL 29/2007 representa as empresas de telefonia; o PL 70/2007 representa os radiodifusores; e o PL 323/2007 situa-se em posição intermediária entre os interesses dos dois setores. Aprovado em junho de 2010 na Câmara dos Deputados, até hoje tramita no Senado Federal.

Será que teremos aqui uma versão explícita da briga entre teles e radiodifusores como ocorre no México?

A ver.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Humor - Craque não precisa jogar

Embora sem ter atuado ultimamente, Uevinho Catarinense continua a ser o mais caro jogador do planeta. E pleiteia uma vaga na Seleção


por Marcos Caetano



Meu nome é Uéverson Rosicley dos Santos, tenho 26 anos e sou conhecido como Uevinho Catarinense, o melhor jogador do mundo das últimas três temporadas. O apelido surgiu quando eu jogava no Hercílio Luz junto com outro garoto, um paranaense chamado Uéversandro. Aí decidiram chamar a gente de Uevinho Catarinense e Uevinho Paranaense. Não sei bem por onde anda o xará Paranaense, mas acho que está na Ucrânia, na Coreia ou em algum outro desses países pequeneninos da Europa.

Como precisei largar o colégio para correr atrás do meu sonho, não sou muito bom de escrita. De forma que quem está botando em palavras os meus pensamentos é o meu assessor de imprensa, Ricardo Preá, o cara mais inteligente que conheci nos tempos de internato. Tão inteligente que, de todos os moleques da Cruzada de São Judas, foi o único que fez faculdade de jornalismo, na Unitosca, Universidade Técnica Operacional de Santa Catarina. Ele me falou que, como sou muito importante, um revisor dará mais uns tapas no texto. Por isso, essas mau traçada estão à altura do meu futebol. "Deus é fiel."

Para começo de conversa, ando chateado com a imprensa esportiva. O pessoal vem pegando no meu pé, e não é de hoje. Não adianta nada eu ganhar todo ano o título de melhor jogador do mundo. Eles cismam que tenho que ir a treinos, beber menos, controlar o peso, fazer gol todo final de semana, ser artilheiro do campeonato, essas besteiras que cansei de fazer na carreira. É como se ainda tivesse que provar o quanto sou bom de bola.

Fala sério: precisa mais do que aquele comercial que fiz para uma empresa de telefone, para todo mundo ver que sou bom de bola? Pombas, foram 35 embaixadinhas com uma caixa de aparelho de celular, sem deixar cair. O telefone não estava dentro da caixa, porque aí ficava pesado demais, mas fiz 35 embaixadinhas de verdade, sem deixar o raio da caixinha cair. Não teve truque de edição, como em muita publicidade que vejo por aí. E aquela paradinha na nuca que eu fiz com a berinjela para uma rede de supermercados também foi para valer. E o engradado do anúncio da cerveja eu bebi mesmo, uma por uma! O que mais eu preciso provar? Mas não tem problema. "Tudo posso n'Aquele que me fortalece."

Esses palhaços desses jornalistas dizem que eu estava esquentando o banco no meu time, lá na Europa. Ora, o West Ham é uma droga de time. Só fui para lá porque o Arsenal, que me comprou do Figueirense por 80 milhões de euros, em 2006, me emprestou para o Aston Villa, que me repassou para o Blackburn, que acabou me cedendo a essa porqueira do West Ham. West Ham? Que palhaçada é essa? Que time é esse que se chama, em português, Presunto do Oeste? Não dava para continuar lá. Ainda mais na reserva de um garoto do Lesoto. Vim embora. Forcei minha transferência, por empréstimo, para o Figueirense.

Aqui, estou em casa. Perto dos amigos, da Igreja do Tabernáculo da Graça dos Apóstolos da Revelação Eucarística Civil, da danceteria Biblo's, da praia, dos meus oito carros e dos meus quatro -filhos, que moram em quatro cidades perto de Florianópolis, cada um com sua mãe, menos um, o Uevercleisson, que mora com minha ex-sogra. No Figueira, vou reconquistar o meu lugar na Seleção e brilhar na Copa. Esperem para ver. "Mil poderão cair ao teu lado e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido."

Esse negócio de futebol tem muito a ver com o emocional, entende? Se a gente não está feliz com o idioma, a cidade que mora, o horário dos treinos, o frio, as boa-tes, o jeitão do técnico, o mulherio, a saudade da picanha na chuleta, o peso da bola, as cores da camisa do time, não tem jeito.

E tem o negócio do ritmo também. Minha última partida foi há mais de oito meses. Entrei no finalzinho, contra o Aberdeen. Não fiz gol, nosso time perdeu de 3 x 1, mas lembro perfeitamente de ter dado duas pedaladas e um chapéu daqueles bem curtinhos, no estilo penteia macaco, que foram umas pinturas. No dia seguinte, o jornal de Presunto do Oeste me deu uma nota três. Não é só no Brasil que jornalista esportivo é tudo sem-vergonha.

Na primeira metade da minha temporada no Arsenal, marquei 23 gols. Na segunda metade, caí um pouquinho na noite, e aí caí também um pouquinho de produção. Mas marquei dois gols. E começaram a pegar no meu pé. Vejam vocês: fiz 25 gols na temporada e só faltaram me pregar na cruz. Se não fosse atleta de Cristo, mandava - Amém! - todo mundo para o inferno. Não há de ser nada. "A sua descendência será poderosa na Terra; a geração dos retos será abençoada."

Graças ao Nosso Senhor Jesus Cristo - eia! - existem pessoas que sabem dar valor ao talento. Quando voltei para o Figueira, mais de 2 mil pessoas foram me recepcionar no estádio. Três semanas depois, quando voltei aos treinos, muita gente voltou a visitar o clube para me prestigiar. Devo estrear daqui a nove rodadas, na reta final do Campeonato Catarinense. Prometo, ainda assim, lutar pela artilharia.

Não foi fácil para a diretoria me trazer de volta. Meu salário ainda é o mesmo dos tempos do Arsenal (disso eu não abro mão de jeito nenhum: tenho uma obra assistencial a manter, além de oito carros, quatro ex-mulheres, quatro filhos e uma ex-sogra) e foi preciso arranjar nove patrocinadores para viabilizar a negociação: uma montadora, uma telefônica, uma cervejota, uma marca de caninha (que nem é a que eu gosto), um tônico capilar, um curso de inglês, uma empresa de quentinhas, uma marca de cueca e um remédio para disfunção erétil, que não sei bem o que é, mas parece que é coisa de boiola.

A camisa ficou linda, toda colorida, com aquele monte de marcas. Parece macacão de piloto de Fórmula 1. O cara do marketing lá do clube disse que ela passa modernidade, calor, umas coisas assim, sei lá. O problema é que, como toda a renda de patrocínios é usada para pagar o meu salário, os outros jogadores - cambada de invejosos sem fé em Deus - ficam reclamando com o técnico, fazendo corpo mole e não me -passam a bola. Ora, tem que ser craque de verdade para poder fazer corpo mole, e eles estão longe disso. "Ó Senhor dos Exércitos, bem-aventurado o homem que em Ti põe sua confiança."

Agora que voltei para o Brasil, só me falta mesmo obter uma última graça - Amém, Deus esteja, eia! -, que é voltar à Seleção. O professor já me convocou algumas vezes. A última foi há dois anos, na derrota de 2 x 0 para a Islândia, mas sei que ele gostou da minha atuação naquele jogo e respeita muito o meu trabalho. A lista para a Copa sai daqui a uma semana e eu devo voltar aos gramados em um mês. O melhor do mundo da Fifa não pode ficar fora do maior evento do futebol, o Senhor seja louvado!

Vou rezar 99 novenas para ser convocado e sei que meu nome será lembrado. Quem sabe jogar não esquece. Estou fazendo um trabalho à parte do grupo, lá no clube, e espero perder os 16 quilos que estou acima do peso em duas ou três semanas de trabalho duro, das 11h às 12h45, de terça a quinta, pulando a quarta porque ninguém é de ferro.

Nunca estive tão empenhado. Espero que o que escrevi aqui, com a ajuda de Nosso Senhor Jesus Cristo e do amigo Preá, sirva para mostrar toda a perseguição que venho sofrendo da imprensa. Que as calúnias - Amém! Eia! - sejam trocadas pelo perdão. Vou trazer esse hexa para o Brasil, nem que, para isso, tenha que treinar até mesmo nas manhãs de segunda... de quinze em quinze dias. Epa rei, minha Nossa Senhora dos Atacantes que Caem pela Esquerda! Concedei-me essa graça. "Sangue de Jesus tem poder."

As redes sociais após a morte

Da Época

A vida (digital) depois da morte

O corpo vai, mas os perfis ficam: como isso altera o luto dos vivos e o que fazer para garantir que suas identidades na internet tenham o fim que você deseja

RENAN DISSENHA FAGUNDES

A atriz Cibele Dorsa, de 36 anos, morreu na madrugada de sábado (26). Uma hora depois, Carla Dorsa Gemelli postou um recado no Facebook de sua irmã: "Queridos amigos, Hj é o dia mais triste da minha vida, minha irmã faleceu às 2 da manhã! Sei que ela está com Jesus, mas a dor e a saudade são muito forte!!!" Não demorou para que o mural do perfil de Cibele na rede social se transformasse em um memorial à atriz. Centenas de pessoas – primeiro os amigos, mas depois também fãs e curiosos – deixaram os mais diversos recados na página. Muitos lamentaram a morte de Cibele e outros escreveram mensagens de pêsames para a família. Havia quem parecesse não entender o que tinha acontecido e alguns dos textos eram escritos para a atriz, como se ela pudesse ler e responder. O perfil de Cibele no Twitter, em que ela deixou uma espécie de carta de despedidas – um vídeo com fotos dela e de Gilberto Scarpa e uma mensagem dizendo "lutei até onde pude" – antes de pular da mesma janela que seu noivo tinha usado para se suicidar, ganhou seguidores após sua morte.

O caso de Cibele pode parecer excepcional – pela circunstâncias da morte e pela cobertura da imprensa –, mas serve de exemplo para uma questão que ganha cada vez mais importância: o que acontece com seu legado digital depois que você morre? É bastante provável que você, que está lendo esta reportagem, tenha uma identidade na internet – perfil no Twitter ou no Facebook, um blog. Mas o que será do seu eu digital quando você não estiver mais aqui para atualizá-lo? No Brasil, a taxa de mortalidade é de 6,36 mortes para cada mil habitantes. Há quase 76 milhões de usuários de internet aqui. A conta [sem levar em conta diversas características sociais, claro] dá mais de 480 mil usuários de internet mortos por ano. Usando a taxa de mortalidade global e estatísticas do Facebook, o jornalista americano Chris Mohney calculou que há mais de 5 milhões de mortos na rede social.

A questão não é nova, mas seus significados ficam mais profundos conforme a internet se torna cada vez mais social. Ainda na década de 1990, a web era feita de conexões entre documentos, pedaços de informações – textos ou imagens. Nessa primeira fase, a vida online de alguém não era assim tão diferente de um baú com vários escritos e correspondências guardados. A segunda web – chamada normalmente de web 2.0, mas também de web social – muda essa dinâmica: em vez de documentos, a internet agora conecta pessoas.

Uma das unidades básicas dessa web é o perfil. O perfil pode ser uma criação feita apenas para o mundo online – como os avatares do Second Life, os personagens do jogo World of Warcraft ou os diversos fakes do Orkut ou do Twitter – ou pode estar ligado a uma pessoa de verdade. Esse segundo tipo é cada vez mais comum, principalmente impulsionado pela ideia que Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, tem para sua rede social: Zuckerberg quer que cada perfil no Facebook corresponda a uma pessoa no planeta [ou bicho de estimação]. A lógica que impera por lá é mais ou menos essa, embora não de cópias fiéis do mundo real, mas de identidades digitais próximas daquelas das pessoas de verdade. No LinkedIn, rede social de perfis profissionais, as pessoas também têm um correspondente digital de uma parte de sua identidade real – no caso, a parte trabalhadora. Perfis no Twitter e no YouTube muitas vezes também têm relações com o mundo físico. Esses perfis todos têm uma particulariedade: eles continuam existindo quando a pessoa está offiline, seja porque está dormindo, viajando – ou porque morreu.

No artigo Viver e morrer no Orkut: os paradoxos da rematerialização do ciberespaço, Afonso de Albuquerque, professor de estudos de mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), escreve que "em inúmeros aspectos, os mortos orkutianos se parecem muito com os vivos". Embora Afonso afirme que diversas características desse texto, publicado em 2007, não possam ser aplicadas às redes com maior crescimento hoje – Facebook e Twitter –, é interessante destacar a explicação de por que os mortos do Orkut se parecessem com os vivos: "Suas fotografias frequentemente apresentam pessoas cheias de vida, flagradas em festas, viagens e na companhia de amigos. As listas de amigos, recados e testemunhais dão ao morto um lugar nas relações sociais. Os mortos orkutianos permanecem congelados em um eterno presente sem futuro". Esquecendo particularidades das redes sociais, pode-se dizer que os mortos da web 2.0 em geral ficam presos nessa mesma situação.

André* morreu em novembro de 2007, aos 14 anos. Seu perfil no Orkut nunca saiu do ar. A reação online nos dias que se seguiram a sua morte foi muito semelhante a que pode ser vista agora no mural do Facebook de Cibele: amigos e familiares entrararam lá para deixar recados, lamentar a morte, falar diretamente com André como se fosse possível uma comunicação. Mas o memorial não terminou aí: em 2008, 2009, 2010 e em 2011, as pessoas voltaram para deixar mensagens para André tanto na data de sua morte quanto (mais) no seu aniversário. Os comentários são simples, coisas como "ainda sinto sua falta", "saudades de você" e "Parabéns André". "No mundo do faz de conta, é como se estivésemos mandando a mensagem. É mais ou menos uma forma para dizermos o que não pode calar para o mundo", afirma Fátima*, mãe adotiva de André. "É muito bom por se tratar de um lugar que para sempre vai ser dele." Fátima compara as visitas ao perfil com idas ao cemitério. "Está na hora de visitarmos de forma diferente. Estamos em constante mudanças e acho legal a ideia de o túmulo ser assim", diz. "Chamaria de um lugar virtual onde ele já esteve e deixou um pouco de sua essência."

A permanência na internet de uma parte da identidade real da pessoa morta altera um pouco a forma como lidamos com a morte. As funcionalidades das redes sociais ganham outros significados: um espaço para troca de mensagens e links vira um espaço de homenagens póstumas e até de conversas metafísicas. Mesmo funcionalidades menores são reinventadas pela morte. No começo da década de 2000, antes das redes sociais, um colega de escola meu morreu com a mesma idade que André. Um tempo depois da comoção entre os amigos, as datas de morte e de nascimento daquele colega ficaram esquecidas. Para os amigos de André é diferente: redes sociais como o Orkut e o Facebook têm recursos para lembrar os amigos de alguém quando é seu aniversário. E todo ano, vendo esse recado sobre o aniversário de André, muitos que talvez não fossem se lembrar voltam lá para dizer que ainda sentem saudades dele.

A psicóloga Maria Cristina Sampaio de Toledo, que trabalha com cuidados paliativos no ambulatório médico da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz acreditar que essas mudanças no luto podem não ser o caminho ideal. Maria Cristina afirma que o luto pode variar muito dependendo das pessoas, do tipo de morte e da cultura, mas que o caminho mais comum é "entender que a pessoa partiu e redefinir a vida com a ausência do ente querido". O retorno a um perfil online poderia significar uma inabilidade de aceitar a perda. Para Maria Cristina, esses retornos também podem ter relação com a idade dos mortos. A maior parte dos usuários de internet são jovens, e a morte de jovens carrega um peso que é o fim dos planos de uma vida que não se realizou completamente, de coisas que não puderam acontecer. Maria Cristina também afirma que as pessoas que continuam acessando os perfis de amigos ou familiares que se foram podem acreditar ser um "guardião da memória da pessoa que morreu".

O americano Evan Carroll, autor ao lado de John Romano do livro Your Digital Afterlife [Sua pós-vida digital], afirma que essa situação é natural. "As redes sociais são cada vez reflexões mais ricas e precisas de nós como indivíduos. Quando uma pessoa morre, esses ecos podem ficar para trás. É natural que os sobreviventes se voltem para essas identidades quando sofrem com a perda de um ente querido", disse. A questão, para Carroll e Romano, também autores do siteThe Digital Beyond, é outra: o que você, que está vivo, pode fazer para garantir a permanência de sua memória virtual? O livro é um começo para quem pretende pensar o que será de suas identidades na web. O subtítulo resume bem: Quando o Flickr, o Facebook e o Twitter são suas propriedades, qual é o seu legado?

"Temos ouvido cada vez mais e mais histórias sobre pessoas que perderam dados valiosos tanto por falhas de hardware quanto por causa da morte de um ente querido", afirma Carroll. "Cada vez que isso acontece, as pessoas se tornam mais conscientes do problema." E o problema é importante, porque Carroll afirma que pegamos uma passagem só de ida para o mundo digital: tudo que antes era armazenado no meio físico ficam agora em computadores, sejam os emails que substituíram as cartas, fotos e vídeos, ou outras coisas que talvez nem existiriam sem a web (toda uma coleção de tweets, por exemplo). "A longo prazo, cuidar de seus bens digitais e planejar o seu destino vai ser tão importante quanto cuidar da disposição de bens físicos", afirma Carroll. Your Digital Afterlife ensina a tratar o legado na internet como um testamento no mundo físico. "O básico é criar um inventário de seus bens, incluindo como acessá-los e seus desejos. Então entregue a lista para a pessoa certa", diz Carroll. E a lista nem precisa ser de todas as suas contas, apenas as mais importantes.

Para quem está em uma situação mais complexa, ou quer comodidade, já há serviços disponíveis na internet para cuidar de seu testamento digital. Sites como o Entrustet, com seu slogan "passe as chaves para o seu legado digital", eLegacy Locker ("um repositório seguro para suas propriedades digitais") guardam listas de contas online dos usuários, com seus logins e senha, e passam a informação para um "herdeiro" depois que a pessoa morre. No DataInherit é possível atualizar seu testamento online por um aplicativo para iPhone. Jesse Davis, um dos fundadores do Entrustet, afirma no site da empresa que teve a ideia do serviço depois de ler sobre a história de Justin Ellsworth. Fuzileiro naval dos Estados Unidos, Ellsworth morreu no Iraque em 2004 e não deixou com ninguém a senha para seu email no Yahoo!. Quando a família quis acessar a conta, o Yahoo! se recusou. Foi preciso um processo na Justiça para que a empresa entregasse o controle do email para os familiares de Ellsworth.

Essas empresas, por outro lado, têm um componente mórbido. Você poderá receber emails periódicos para o servço confirmar que ainda está vivo. Preparar uma lista e decidir quem vai receber suas senhas também pode ser um trabalho um pouco depressivo. "Muitas pessoas acham que planejar a sua própria morte pode ser desagradável. As pessoas tendem a planejar apenas quando atingem certas metas na vida: casamento, filhos, aposentadoria", diz Carroll. "Um estudo recente constatou que apenas 30% dos americanos têm testamentos jurídicos. Outro aspecto mórbido da morte na internet é a recorrência de perfis de pessoas que já morreram em ferramentas de recomendação. O Facebook, depois que um usuário fica muito tempo sem interagir com a sua rede social, manda uma mensagem para a lista de amigos perguntando se não é a "hora de se reconectar com fulano". Muitas vezes não é possível.

"Atualmente, a internet não tem conhecimento da morte de um usuário. Hoje, uma conta poderia ficar na Web para sempre", diz Carroll. "Centenas de milhares de pessoas vão morrer neste ano sem que as maiores redes sociais e serviços fiquem sabendo." Até recentemente, as empresas de internet nem se preocupavam muito em ter uma política para lidar com a morte. O Twitter adotou uma em agosto de 2010, movido pela nova funcionalidade de recomendar perfis. O site se propõem a apagar a conta ou ajudar os familiares a salvarem um backup das mensagens enviadas por uma pessoa. É preciso mandar um link para um obituário ou para uma notícia sobre a morte da pessoa. Também com envio de obituário, o Facebook pode apagar uma conta. No Facebook familiares podem ainda pedir para que um perfilvire um memorial. Um perfil que se transforma em memorial pode ser acessado apenas por amigos e some das recomendações. As contas do Yahoo!, incluindo o Flickr, ainda são intransferíveis para familiares de uma pessoa morta.

Mesmo que você passe suas contas e senhas para alguém, outros problemas podem surgir para seu futuro digital. Serviços pagos, como uma conta profissional no Flickr, podem ser uma grande dor de cabeça para herdeiros. Há também problemas como spam e vandalismo digital: no mural de Cibele no Facebook, em meio aos amigos tristes e às despedidas, várias pessoas criticaram duramente a atriz pelo suicídio, fazendo até mesmo acusações sobre uso de drogas. O Orkut de André, entre um aniversário e outro, enche de mensagens automáticas sobre festas ou como desbloquear o álbum de fotos de alguém. E no fim, nada garante que seus desejos serão cumpridos. Antes de morrer, Franz Kafka pediu a seu amigo Max Brod que destruísse todos os seus livros que não haviam sido publicados. "Meu último pedido: tudo que deixo para trás ser queimado sem ser lido", escreveu Kafka. Brod não realizou o desejo de Kafka e publicou clássicos como O Processo e O Castelo.

domingo, 27 de março de 2011

A perigosa tesourinha - ZUENIR VENTURA

Vieram dois agentes, e eu procurei fazer ver que aquele idoso ali na frente deles - avô de Alice, com endereço certo, ficha limpa e profissão pública - não oferecia qualquer risco à segurança nacional, ainda mais que fora a BH em missão de paz, para uma palestra na Academia Mineira de Letras. Expliquei que apoiava as medidas de precaução e não queria privilégio, apenas o direito que todos têm à exceção que toda regra permite. Se eu tinha viajado para lá sem cometer qualquer desatino, não seria na volta para casa que eu iria tentar um ato insano. Um poste teria sido mais sensível aos meus argumentos. Foi então que aprendi que as leis, regulamentos e regras talvez tenham sido feitos para poupar burocratas do penoso esforço de raciocinar.
Aquela incrível mistura de ridículo e absurdo demorou mais de meia hora, até que exausto de argumentar em vão e incapaz de injetar um raio de bom senso que fosse naquelas cabeças herméticas à razão, resolvi me livrar da arma assassina. Avisei o que ia fazer e, com um gesto teatral, atirei a tesourinha no lixo, para espanto dos que assistiam à cena e satisfação dos dois bravos representantes da lei e da ordem, que deram um sorriso alvar e fizeram cara de orgulho por terem cumprido enfim seu dever cívico. Acabavam de evitar o atentado terrorista que seria perpetrado por um dissimulado idoso com sua perigosa tesourinha de unha. Mereciam por isso, quem sabe, um elogio na folha de serviço.
Melhor que não tivesse dito nada. Depois de classificar a Lei da Ficha Limpa como "um dos mais belos espetáculos democráticos", instrumento de "purificação do mundo político", o ministro Luiz Fux estreou no STF contrariando a expectativa que ele próprio nos fez criar dele. Optou por dar mais dois anos de bem-bom aos corruptos. Apegou-se ao artigo 16 da Constituição e desprezou o 14, que prega a moralidade na vida pública. Na prática, preferiu beneficiar a banda suja. Pois eu e a consciência democrática do país, que não entendemos de leguleio, preferimos a companhia de Cármen Lucia, Ellen Grace, Ayres Brito, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa. Em compensação, Jader Barbalho não sabe como agradecer ao novel ministro Fux pelo desempate.

O perna-de-pau digital - Marcelo Rubens Paiva

O filme The Cove ganhou os melhores prêmios em 2009, como Sundance e Oscar. É uma aula de como fazer um documentário que muda os hábitos do público e, quem sabe, as leis de um país.
Não adianta buscar na memória se você viu, pois não passou no Brasil.
Mas com certeza ouviu falar do documentário que investiga e registra a matança de golfinhos na Baía de Taiji, Japão, idealizado por Richard O"Berry.
Quem? O ex-treinador de Flipper. Ou melhor, dos quatro golfinhos que se revezavam e faziam estripulias diante das câmeras da série de TV.
Aliás, foi quem os capturou em Miami, pois não havia quem o fizesse na época (1960), e os treinou sem nenhum manual por perto. Só então, passou a estudá-los e conhecê-los.
Um dia, tudo mudou. O golfinho principal, por sinal, uma fêmea, suicidou-se no colo do treinador. O próprio explica que eles, sim, se matam, simplesmente param de respirar e afundam. A imagem da sua favorita afundando o atordoou para o resto da vida.
Ambientes fechados enlouquecem golfinhos. Por causa dos sonares potentes de ecolocalização, as ondas de alta frequência batem nas paredes, voltam e reverberam no cérebro.
Ciente disso - e culpado por popularizar os animais que, treinados, passaram a ser estrelas de parques aquáticos -, O"Berry passou a fazer ecoterrorismo e soltar espécies presas em cativeiros, invadir parques e instalações militares. Inclusive no Brasil.
Descobriu o mercado de compra de atrações domesticáveis na Baía de Taiji, que fica na rota de migração de milhares de golfinhos, e cujos pescadores aprisionam 1.500 por ano e vendem por US$ 150 mil a unidade para donos de parques do mundo todo.
Os que sobram viram sashimi num banho de sangue feito ali mesmo, tingindo as águas de vermelho, e alimentam supermercados locais e creches públicas.
O"Berry junta uma equipe da pesada e consegue, com câmeras escondidas, aéreas, microfones aquáticos, filmar a matança na baía protegida e cercada pela comunidade de pescadores.
Depois de assisti-lo, duvido que você leve suas crianças a um parque com golfinhos, nas próximas férias.
***
The Cove não está nos cinemas. Porém, está na rede. Basta baixá-lo. Isto é, pirateá-lo. O que é proibido por lei - ignorada por 91% dos consumidores brasileiros no caso de músicas e 22% no caso de filmes, segundo o Ministério da Cultura.
Dados do caderno Link: 97% da música é obtida de forma ilegal na Espanha; 90%, no Chile; 99%, na Argentina; 81% dos filmes na Rússia são piratas; 90% na Índia.
Perdeu-se a guerra, e a indústria não entende o que fazer, contabiliza o prejuízo, chora nas portas dos órgãos policiais, nos tribunais, e fazem campanhas educativas.
No Brasil, Rogério Flausino, líder do Jota Quest, aparece nas telas do Espaço Unibanco da Augusta dizendo que a pirataria rouba o trabalho de profissionais.
Na calçada em frente do cinema, há um pipoqueiro e mais de 20 camelôs vendendo filmes piratas.
Começou há anos com um nerd com cara de cinéfilo, vendendo documentários e filmes raros, como Zeigt Guest e Freud - Além da Alma. Ele mesmo fazia as capinhas dos DVDs.
Havia complacência dos pedestres da área, já que não eram filmes em cartaz, nem facilmente encontrados em locadoras. Mas o mercado se expandiu, se escancarou e agora se vende de tudo. Inclusive o meu filme, Malu de Bicicleta, que há um mês estreava nos cinemas.
Estranhamente, sorri quando o vi pirateado ao lado de cópias ilegais de Cisne Negro e O Discurso do Rei. Só me faltava ser desprezado pela indústria do pirata. Me deu orgulho saber que, provavelmente, havia procura - o público que entra e sai das cinco salas do Espaço Unibanco se amontoa e faz encomendas, debates e perguntas sobre a qualidade da cópia.
Aliás, muita gente tem o seu pirata pessoal, que faz entrega em domicílio. Como tivemos o contrabandista e o doleiro, há tempos, na agenda telefônica. Que acabaram depois da abertura do mercado.
***
Não deveria me meter em algo que não entendo. Pergunto: não está na hora da indústria se adequar, reconhecer a derrota, aproveitar e lucrar com o fenômeno?
The Cove merece ser visto em todos os países. O papo do Flausino não cola. Vivemos tempos de democratização da cultura. Os caras que moram em Palmas, onde até há pouco não tinha cinema nem livraria, têm o direito de ver Malu de Bicicleta. No Japão, também.

Ora, algo deu errado, a Blockbuster vende panelas e biscoitos agora. No entanto, o interesse por cinema só aumenta, todos os filmes já produzidos estão na rede, não em bibliotecas, nem em livrarias, nem em locadoras. Por torrents, é possível ver a obra completa de Sokurov ou Kieslowski. E ainda escolher a legenda. E, o mais incrível: de graça.

Enquanto os empresários da indústria arrancam os cabelos, há sites e blogs de grupos fechados que criam fóruns de discussão. Em alguns deles, há regras duras, como, por exemplo, não fazer upload de séries de TV nem de filmes em cartaz.

Porém, baixar um filme dá trabalho, demora, é preciso achar o filme, o site confiável, que não abra pop-ups de cassinos. Depois, procurar a legenda, feita por uma equipe de voluntários anônimos, que normalmente vem zipada, e renomear o arquivo.

Por vezes, o time code da legenda não é o mesmo do filme. Por vezes, a cópia é de baixa qualidade.

Por que a indústria não entra no mercado de cabeça, atropelando, com o seu caixa, o nosso amadorismo?

Se vender por US$ 3 a cópia de boa qualidade com legenda em um site confiável, imagine o lucro. Podem até meter um comercial antes do filme.

Pois o consumidor não será o das salas de cinema escolhidas pelo distribuidor, mas todos os internautas do planeta. Que deixará de pagar R$ 5 pela cópia do DVD pirata da esquina.

Que sites seriam esses? Das distribuidoras. E os exibidores? Ora, o DVD acabou com o mercado? Não. Nunca o cineminha com pipoca deixará de ser o programa favorito de quem mora nas grandes cidades.

Falta as partes da indústria se adequarem e dominarem o mercado. Se não dá para combater o inimigo, associe-se a ele. O mercado sabe disso desde o tempo do Barba-Azul e do perna-de-pau.

China decreta a "morte civil" do Nobel da Paz Liu Xiaobo

El País
José Reinoso

  • Liu Xia, mulher do ativista chinês Lu Xiaobo, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2010 Liu Xia, mulher do ativista chinês Lu Xiaobo, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2010
O regime de Pequim impede as visitas a Liu Xiaobo, o Nobel preso, e mantém sua mulher isolada na casa da família

Quando o comitê do Nobel da Paz concedeu o prêmio de 2010 ao dissidente chinês encarcerado Liu Xiaobo, sua esposa, Liu Xia, ficou totalmente surpresa. Pensava que as pressões diplomáticas que o governo de Pequim havia exercido para evitar que seu marido recebesse o prêmio fossem tão fortes que dariam fruto. Não foi assim. O comitê norueguês resistiu e Liu Xia saboreou naquele 8 de outubro de 2010 os momentos mais doces de sua vida depois de anos de medo, ameaças e separação forçada de seu marido. Nesse mesmo fim de semana, a polícia a acompanhou em visita a ele na prisão de Jinzhou (na província de Liaoning, no nordeste), onde seu marido cumpre uma pena de 11 anos por incitar à subversão contra o poder do Estado.

Mas o que Liu Xia não sabia era que aquele encontro, com o qual as autoridades a afastaram dos focos da mídia internacional, seria o último com seu marido em muito tempo. A ira de Pequim por causa da concessão do prêmio a quem considera um "criminoso" e um "separatista" acabava de condenar a família de Liu Xiaobo a não voltar a vê-lo, e a que sua mulher ficasse presa em sua casa em Pequim sob constante vigilância, isolada do mundo, sem telefone nem Internet.

O governo levantou um muro de silêncio em torno do dissidente e sua família, no que parece ser uma tentativa de fazer que o mundo se esqueça do incômodo Nobel da Paz. As autoridades rejeitaram os pedidos de visita, apesar de que, segundo a lei, ele tem direito a uma por mês. Nem sequer por ocasião das festas do Ano Novo chinês - a grande comemoração familiar neste país -, em fevereiro passado, sua esposa ou seus irmãos foram autorizados a encontrar-se com ele, segundo explica Mo Shaoping, amigo de Liu Xiaobo e diretor do escritório de advogados que o representa.

"Não tenho notícias dele desde o ano passado. Também não posso contatar sua mulher. Liu Xia só conseguiu visitá-lo em uma ocasião depois que o prêmio foi anunciado. A família pediu autorização para o Ano Novo, mas foi negada", explica Mo.

O regime de Pequim parece pensar que quanto menos gente tiver acesso ao premiado, menos se falará dele e maior a probabilidade de que a situação do Nobel caia no vazio, especialmente nestes tempos de revoluções no mundo islâmico, nos quais o que Pequim menos deseja é que a figura do defensor da democracia conserve seu brilho.

"As autoridades levantaram um muro a seu redor para que não possa se comunicar absolutamente com o mundo", afirma Gilles Lordet, coordenador de pesquisa da organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras. "Sua mulher está sob estrita vigilância, submetida a prisão domiciliar, porque pode ser considerada o primeiro contato entre Liu Xiaobo e o mundo exterior. Quando as autoridades chinesas castigam os defensores dos direitos humanos, castigam toda a família", afirma.

Liu Xia, de 51 anos, está detida em sua casa desde que foi anunciado o prêmio, segundo a Anistia Internacional. "Também é uma prisioneira, apesar de não ter sido acusada de nenhum crime", afirma Catherine Baber, vice-diretora da ONG para a região Ásia-Pacífico.

Se nos primeiros dias, depois do anúncio do prêmio a seu marido, ela pôde receber algumas ligações telefônicas e comunicar-se pela Internet, isso durou pouco. Seu número de celular foi desativado e a linha de internet, cortada. Sua última mensagem no Twitter foi enviada em 18 de outubro. Depois, o silêncio.

No final de janeiro, Liu Xia, que é poeta e fotógrafa, recebeu um gesto de graça. Seus vigilantes permitiram que ela saísse para jantar com seus pais, coincidindo com a visita oficial do presidente chinês, Hu Jintao, aos EUA. A medida foi interpretada como uma concessão do governo em resposta às críticas de Washington sobre o tratamento dado a Liu Xiaobo e sua família. Mas rapidamente foi isolada de novo.

Em meados do mês passado, a intelectual deu outra vez sinais de vida, embora de forma também efêmera. Em 19 de fevereiro, o "Washington Post" publicou que Liu Xia havia conseguido manter alguns dias antes uma breve conversa por escrito através da Internet com um amigo, na qual afirmou que se sentia "muito triste" e estava "enlouquecendo". "Só o vi uma vez", contou, aparentemente referindo-se ao marido. "Não posso sair. Toda a minha família é refém. Estou chorando. Ninguém pode me ajudar".

"Liu Xia é uma cidadã normal, não foi acusada de nada. O que estão fazendo é ilegal. Espero que ponham fim a esta situação o mais cedo possível. Quanto mais tempo a retiverem, pior será para a imagem internacional da China. Desejaria que a China fosse um país regido pela lei", afirma Mo.

Seu marido, Liu, 55 anos, escritor e ex-professor, foi condenado a 11 anos de prisão em 25 de dezembro de 2009 por publicar na Internet artigos críticos ao Partido Comunista Chinês (PCCh), e em particular por liderar a redação da Carta 08, um manifesto pacífico divulgado em dezembro de 2008 no qual pede a instauração da democracia, o fim do sistema de partido único, um sistema judiciário independente e liberdade de associação, religião e imprensa.

O documento - inspirado na Carta 77 da antiga Checoslováquia, que levaria anos depois, em 1989, à Revolução de Veludo que derrubou o regime comunista - foi assinado inicialmente por 300 intelectuais, entre eles advogados, professores, jornalistas e artistas.
A transcendência e o impacto da carta abalaram o governo chinês, que iniciou uma campanha de perseguição contra os signatários e levou à prisão seu principal ideólogo como castigo exemplar. Para Pequim, tratava-se de cortar pela raiz qualquer movimento que pudesse pôr em risco o poder absoluto do PCCh e garantir o que considera a estabilidade política e social necessária para continuar com as reformas econômicas e a ascensão da China no cenário internacional. Por isso, quando o comitê do Nobel premiou Liu Xiaobo, os dirigentes chineses reagiram com fúria.

Thorbjoern Jagland, presidente do comitê do Nobel da Paz, afirmou que a honra lhe foi concedida por "sua longa e pacífica luta pelos direitos fundamentais na China", e que é "um sinal de apoio àqueles que lutam na China pelos direitos humanos fundamentais", que são "universais".

Pequim respondeu que a escolha era "uma amostra arrogante de ideologia ocidental", que o comitê havia "violado" a integridade do Nobel da Paz e que se tratava de uma ingerência em seus assuntos internos e uma tentativa de desestabilizar o país para impedir seu progresso. Segundo Jiang Yu, porta-voz das Relações Exteriores, Liu não foi condenado por suas críticas, mas "por organizar e convencer a outros que assinassem [a Carta 08] e fomentar a derrubada da autoridade política e do sistema social da China".

Depois da designação de seu marido, Liu Xia publicou uma carta na qual convidou cerca de cem intelectuais e defensores dos direitos humanos para que fossem à cerimônia de entrega do prêmio em 10 de dezembro em Oslo; mas a maioria foi detida, posta sob vigilância ou interceptada no aeroporto quando se dispunha a viajar.

A cerimônia foi realizada sem Liu, cuja ausência foi representada por uma cadeira vazia, transformada em um poderoso símbolo. Sobre ela Jagland depositou o diploma. Foi a primeira vez em 75 anos que nem o premiado com o Nobel da Paz nem qualquer de seus familiares pôde recebê-lo, desde que em 1935 o regime nazista de Adolf Hitler impediu a presença do pacifista Carl von Ossietzky.

No encontro que tiveram em outubro, Liu Xiaobo disse a sua esposa que dedicava o prêmio às "almas perdidas" na repressão das manifestações a favor da democracia na Praça Tiananmen (1989), que causou centenas de mortes, ou milhares segundo algumas fontes.

Sua luta pela democracia e as reformas políticas granjeou para esse nativo de Changchun, capital da província de Jilin, no nordeste, muitos admiradores dentro e fora da China. Mas também inimigos. Alguns, como os professores universitários em Hong Kong Barry Sautman e Yan Hairong, afirmam que não é merecedor do Nobel da Paz porque "referendou as invasões do Iraque e do Afeganistão e aplaudiu as guerras do Vietnã e da Coreia retrospectivamente, em um ensaio de 2001", segundo escreveram em um artigo publicado em dezembro passado no jornal britânico "The Guardian". Além disso, o consideram extremamente pró-ocidental.

Enquanto isso, no fraturado mundo da dissidência chinesa no exílio, alguns de seus rivais o acusam de utilizar a via da cooperação com o regime para tentar promover uma transição para a democracia de forma "gradual, pacífica, ordenada e controlável", segundo as palavras do próprio Liu Xiaobo. Uma via em que não confiam.

O muro de silêncio em torno do casal Liu não é único. A Chinese Human Rights Defenders (CHRD), uma rede de ativistas dentro e fora da China, afirma que no país asiático se desencadeou ultimamente "uma nova onda de repressão desenfreada", em conseqüência dos apelos na China a concentrações "jasmim", semelhantes às da Tunísia e outros países islâmicos.

A Anistia Internacional concorda. "O governo chinês aumentou os recursos para a repressão, a detenção e inclusive a tortura de ativistas, advogados, jornalistas e outros que somente querem liberdade para expressar sua opinião, que os funcionários do governo respondam por seus atos, e participar do que será seu país no futuro ", afirma Baber.

Os EUA demonstraram esta semana sua preocupação pela "aparente detenção e desaparecimento forçado" e ilegal "de alguns dos advogados e ativistas chineses mais conhecidos", segundo Philip Crowley, porta-voz do Departamento de Estado que citou em particular o desaparecimento do professor de direito Teng Biao e dos advogados Tang Jitian e Jiang Tianyong.

Dezenas de dissidentes foram detidos ou postos sob vigilância nas últimas semanas em todo o país, em resposta às convocações à população chinesa para que se manifeste todos os domingos, realizadas por organizadores anônimos através de um site da web americana. Pequim reagiu às revoluções nos países árabes também com um aumento da censura nos meios de comunicação e na Internet, a mobilização de centenas de policiais nos locais designados para os protestos e restrições de movimento aos correspondentes estrangeiros, que ameaçou de expulsão do país se forem, para informar, aos locais designados para as manifestações.

As recentes detenções se somam às de alguns dos ativistas mais renomados, como o advogado Gao Zhisheng, um defensor de casos delicados que está em paradeiro desconhecido há quase um ano, ou o ativista cego Chen Guangcheng, retido em seu domicílio ilegalmente desde que foi libertado da prisão em setembro passado. Chen foi preso em 2006 depois de provocar a ira das autoridades por revelar numerosos casos de abortos forçados, esterilizações obrigatórias e outros abusos em sua região. Os ativistas e jornalistas que tentaram visitá-lo em sua casa, em uma zona rural da província de Shandong (leste do país), foram atacados por bandidos que controlam o acesso ao povoado, e expulsos.

Policiais e agentes de segurança deram uma surra em Chen e sua esposa no início de fevereiro, depois que vazaram um vídeo gravado em segredo no qual mostravam as estritas condições sob as quais estão detidos em sua casa, segundo a CHRD. No vídeo contam que há mais de 60 pessoas que se revezam para vigiar a residência e dispositivos para anular o sinal do telefone celular. Segundo Chen, só permitem que sua mãe, de 76 anos, compre comida e a leve à casa. Na gravação, sua mulher, Yuan Weijing, fala em voz baixa sobre sua preocupação por seus dois filhos e começa a chorar. "Não me atrevo a falar alto", diz.

Os casos de Chen Guangcheng e Gao Zhisheng foram mencionados junto com o de Liu Xiaobo pela secretária de Estado americana, Hillary Clinton, em um discurso em janeiro passado, antes da visita de Hu Jintao a Washington. Clinton pediu sua libertação. O presidente chinês reconheceu nos EUA que "a China ainda precisa avançar muito em direitos humanos", mas disse que estes devem ser vistos no contexto das diferentes circunstâncias nacionais.

A condenação do prêmio Nobel da Paz parece fazer parte dessas circunstâncias nacionais, e a tentativa de silenciar sua família, também. "O governo chinês provavelmente gostaria que o mundo se esquecesse de Liu Xiaobo ou que pensasse que é um verdadeiro criminoso", afirma Baber. "Mas Liu Xiaobo não é um criminoso e o mundo não deve esquecer que ele falou sistematicamente a favor de uma mudança pacífica em seu país e só pediu que o governo lembre que deve prestar contas a sua população".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

sábado, 26 de março de 2011

Humor - Os fichas sujas segundo os cartunistas



Gio - A Charge

Brum - O Jornal de Hoje (RN)






Lute - Hoje Em Dia (MG)




Paixão - Gazeta do Povo (PR)



Clayton - O povo(CE)

A batalha pelo pagamento de notícias online faz novas vítimas

Postado por Carlos Castilho em 25/3/2011 às 14:21:35



Steven Brill, o norte-americano que há dois anos prometeu encontrar a fórmula mágica para garantir a sobrevivência financeira da imprensa online, jogou a toalha. Ele vendeu esta semana o projeto Press + para a RR Donnelley, uma das mais importantes empresas gráficas do mundo, com negócios também aqui no Brasil.

Brill não conseguiu encontrar uma receita para os jornais, mas descobriu uma forma de engordar a sua própria fortuna pessoal, numa transação cujos detalhes ainda não foram totalmente divulgados. A Press + foi criada para oferecer aos jornais e revistas apoio na busca da sustentabilidade financeira. É o primeiro grande fracasso de um empresário que depois de conseguir fama com negócios considerados impossíveis resolveu apostar na salvação da imprensa online.

Nesta mesma semana, o The New York Times continuou nas manchetes da imprensa norte-americana, desta vez não como protagonista de grandes feitos jornalísticos, mas na inglória posição de caçador de crackers — programadores especializados em quebrar barreiras eletrônicas de acesso à conteúdos online.

Jeff Bercovici, da revista Forbes, ironizou as agruras do NYT afirmando que o jornal logo terá que contratar mais advogados e monitores da web do que repórteres. Tudo isso a propósito da provável batalha legal entre o Times e os autores do twitter @freeNYTimes, onde quase todos os textos da edição online do jornal estão disponíveis gratuitamente.

A cobrança do acesso às noticias online do NYT já está em vigor para leitores canadenses e deve valer para os norte-americanos a partir de segunda-feira (28/3). A leitura de até 20 notícias é grátis, mas passado este limite o usuário deve fazer uma assinatura, pagando preços que variam de 15 a 35 dólares mensais.

A polêmica em torno do precedente aberto pelo @freeNYTimes desviou o foco da discussão. O complexo problema de cobrar ou não pelo acesso às notícias online acabou sendo ofuscado pela questão ainda mais delicada da liberdade de fluxo de informações na web. A proibição do canal de postagens, pedida pelo The New York Times, encontrou resistências no Twitter e despertou a ira dos gurus da internet livre.

O que era para ser um problema financeiro entre uma empresa e seus clientes, está se transformando numa batalha ideológica em ambiente virtual. Para o NYT isso é um péssimo negócio porque provocará danos à imagem pública do jornal, o mais acessado site de notícias em toda a internet.

O fracasso do projeto Press+ torna ainda mais dramática a busca de saídas para o dilema da sustentabilidade financeira de empreendimentos jornalísticos na internet. A experiência do The New York Times é uma aposta numa possibilidade. O jornal enterrou cerca de 40 milhões de dólares no desenvolvimento do projeto de cobrança de acesso, sem saber se teria retorno garantido.

Outra grande empresa jornalística mundial, o conglomerado News Corp, do milionário Rupert Murdoch, decidiu apostar no iPad como plataforma para cobrar por notícias. O grupo criou uma publicação online chamada The Daily, que só pode ser acessada por assinantes usuários do iPad. O sistema ainda está na fase de provas, mas alguns leitores têm se queixado da qualidade jornalística da publicação online, afirmando que ela ainda não substitui a leitura dos jornais noticiosos impressos.

JORNALISMO ESPORTIVO

Desafios e propostas

Por Luciano Victor Barros Maluly em 22/3/2011

Disponibilizar notícias sobre esportes é uma prática comum no jornalismo brasileiro. A tradição é reconquistar o público a cada detalhe, como as novidades sobre a performance dos atletas, as armadilhas dos treinadores, o interesse dos torcedores e outras influências externas que interferem na disputa, como as suspensões por doping. A cobertura dos eventos adquire um contorno além da expectativa do público que, cada vez mais, fica atraído pelas transmissões, principalmente no rádio e na televisão.

Da ênfase sobre os resultados de uma disputa esportiva advém a ansiedade imediata do torcedor, como as observadas durante as rodadas dos campeonatos de futebol aos domingos. As informações complementares sobre o mesmo torneio conduzem os noticiários durante a semana, interferindo diretamente no cotidiano da população. O tempo da competição é determinado pela multiplicidade da pautas sobre o mesmo conteúdo, massificando a maneira de pensar dos apaixonados por (certos) esportes.

O torcedor fica atento ao universo da mídia. A proposta é a integração pela notícia. Neste caso, as informações precisam ser fresquinhas, justamente, para alimentar o indivíduo que "sabe das coisas e acerta o resultado". O sujeito está super informado e se destaca onde quer que esteja, no botequim ou no trabalho. O torcedor manja (é craque) sobre os esportes (da mídia). É o personagem central quando os jornalistas e os colegas falam a sua (e a mesma) língua.

Paixão do torcedor vai além do futebol

O jornalismo age diretamente na memória e na atenção das pessoas, seja pelos jornais impressos, televisão, rádio, internet e outras mídias. Ao criar possíveis mundos esportivos emergem desejos de satisfação, propiciando ao indivíduo participar, incorporar e reproduzir pensamentos e condutas. Porém, esses novos universos se repetem, variações são previstas e alimentam uma possível identidade por determinado esporte. Neste universo, a propaganda de vários produtos e empresas, ligados ou não ao esporte, favorece o consumo de determinados eventos, fortalecendo uma linguagem comum.

Enquanto isso, os críticos observam o noticiário esportivo como um espaço destinado à superficialidade, conduzido por um grupo de comunicadores que prefere ‘perder tempo’ com informações e análises sobre os resultados das competições, em vez de discutir os problemas do esporte, com o mesmo engajamento do debate em torno do acesso à educação, saúde, segurança e monopólio dos meios de comunicação.

Talvez os analistas da mídia estejam certos quanto ao extenso espaço ocupado pela tagarelice de uns ditos especialistas que andam pelos canais de televisão e rádio ou mesmo dos colunistas que se esqueceram da crônica em favor do achismo. Neste ponto, fica a lembrança do passado romântico do esporte (quase) amador ou (semi) profissional, ou seja, a influência em meninos e meninas (nascidos até os anos 70) que queriam ser atletas. O principal não era o dinheiro, mas a fantasia de entrar em campo e ser ovacionado. O lema era vencer e convencer pelo talento.

Dos chamados cronistas esportivos surgem também bons recados para os (futuros) jornalistas. É possível fazer um texto solto, recontar (e modificar) a história pelos detalhes, como os observados nos movimentos e habilidades, e não apenas descrever o resultado. Se a pessoa já assistiu ao jogo pela televisão, a mídia continua a partida em terceira dimensão. Pelo repórter, é possível estender a conversa ou a alegria do dia anterior. No ponto de encontro com os amigos, o sujeito procura os detalhes sobre aquilo em que não prestou atenção, porque estava distraído com outros afazeres,como os comes, bebes e bate-papos.

Agora o torcedor ficou mandão e passou de técnico a comentarista, com a própria mídia incentivando o achismo durante as análises (não que alguns narradores e/ou comentaristas também não o façam desta maneira). Quer falar e produzir. Sua paixão já vai além do futebol. Ficou especialista em outras modalidades, assim como já também pensa em divulgar a atividade física, reproduzindo a pauta do comportamento saudável. Deseja, com isso, melhorar a saúde, ou melhor, a vida da população.

A superficialidade da cobertura de outras modalidades

A esperança para os diversos personagens do esporte é que o Brasil consiga virar uma potência esportiva com a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, esta na cidade do Rio de Janeiro. Para muitos, mega-eventos são a oportunidade de transformar o esporte como meio de ascensão e sobrevivência para milhões de brasileiros que estão na linha da pobreza ou, no caso dos esportistas amadores, desmotivados pela falta de apoio, enquanto para outros é apenas mais uma preocupação quanto aos gastos ou desvios do dinheiro público, como já é comum por estas terras.

Os jornalistas estão envolvidos na dura tarefa de cobrir os eventos e, ao mesmo tempo, estarem atentos e desconfiados quanto à questão dos investimentos em infra-estrutura, que envolve desde o desenvolvimento das várias modalidades, em especial as pouco conhecidas como o hóquei sobre grama e o badminton, até a questão política, de saber quem serão os integrantes das comissões fiscalizadoras. A ideia é partir da lisura, da transparência da notícia sobre o mundo esportivo, com pautas que vão desde a ligação de políticos com empresários até a denúncia de projetos oportunistas de investimentos no esporte.

Diante deste universo de afazeres, surge também a obrigação do aperfeiçoamento no modo de conduzir a notícia. Se o modelo atual está relacionado ao ufanismo compreendido pela cobertura caseira, daqui para frente os noticiários e as transmissões serão fundamentados pela clareza. Não é mais permitido encobrir ou omitir certas informações, já que o público tornou-se universal. O jornalista brasileiro fala agora para o mundo. É a vitrine e a referência para milhões de comunicadores. Neste momento, a fonte universal é a imprensa brasileira especializada em esportes. Cabe ao jornalista estar preparado para um novo desafio: ampliar as notícias muito além do futebol e eliminar a atual superficialidade diante da cobertura de outras modalidades.

As lições do futebol

As regras das diversas modalidades esportivas olímpicas são as primeiras a serem compreendidas. Se possível, é interessante até praticar, mesmo de forma amadora. Desta maneira, o repórter tem contato com a dinâmica do esporte, podendo assim analisar um lance durante a competição. A referência já existe há muito tempo no futebol, já que muitos dos comentaristas jogaram peladas nas ruas, nas areias, nos terrões ou nos diversos campos deste país. A maioria não foi profissional, mas compreende a filosofia do jogo.

Das peladas surgiram os cronistas esportivos, homens que relembram os grandes ídolos como meio de recontar a trajetória de cada um. Quantas vezes, o jornalista caminha na rua, principalmente nas cidades do interior, e fica paralisado ao se deparar com determinado sujeito. O cara está distante, e logo pensa: "Esse era craque. Jogava pra caramba. Tinha uma esquerda fantástica. Quanta lembrança."

"Fala menino", grita o boleiro. "Prazer em revê-lo", emociona-se o cronista, que não vê a hora de colocar no papel que o ponta-esquerda da esquina jogava muito mais que o agora chamado atacante da seleção.

Logo surge a reflexão de que hoje se produz e se anula o craque rapidamente. Um novo advento no jornalismo esportivo é observado, ou seja, o esquecimento mesmo quando o atleta ainda está em atividade.

A fábrica de jornalistas (ou cronistas) é obra dos milhões de brasileirinhos e brasileirinhas que disputaram partidas emocionantes em qualquer pequeno campo deste país. Assim também é a revelação de que o Brasil também possui grandes jornalistas que podem cobrir outras modalidades. Os jornais necessitam de muito mais e é possível começar agora. E não venham com essa de que está velho para praticar alguma modalidade. Esporte e imaginação são para a vida toda.

A interpretação da performance

É difícil retornar ao exercício como jogar uma partidinha, correr, nadar, mas é possível, principalmente, para algumas modalidades esportivas que qualquer garoto(a) praticou na escola e nas ruas. O voleibol, o basquetebol, o handebol são modalidades ensinadas nas escolas públicas e privadas. Já o atletismo, o ciclismo, o levantamento de peso, o beisebol e o softbol, a natação, incluindo nado sincronizado e saltos ornamentais, integram o cotidiano das pessoas.

Como esquecer as caminhadas e corridas a pé ou de bicicleta pelas ruas e clubes, o pesinho em casa e na academia, jogar taco na rua, nadar, saltar e brincar nos rios, mares e piscinas. A inclusão das lutas, como a greco-romana, livre, boxe, judô, taekwondo também é fácil porque desafios, muitas vezes, acontecem até sem querer, quando ocorre uma briga, ou na brincadeira de quem é mais forte. Nestas lutas existe sempre um cuidado consigo e com o outro durante o treinamento e mesmo durante a competição. As artes marciais, cada uma a sua maneira, ainda pregam o respeito no lugar de treino e ao adversário.

Os barcos também fazem parte do dia-a-dia dos aficionados por água, que gostam de um passeio, de uma boa pescaria ou mesmo de explorar ou desafiar uma corredeira ou locais de velocidade, assim como os praticantes do remo, da canoagem e da vela. A raquete é um instrumento característico de brincadeiras baratas. O pingue-pongue é o tênis de mesa, lembrado nos desafios entre pais e filhos, assim como jogar tênis na garagem. E logo surge a curiosidade da peteca pequena, em que surge o badminton.

Da vertente do aprendizado do futebol, renascem as semelhanças com o rúgbi e com o hóquei sobre grama, deste com a inclusão do taco, numa bela mixagem com o beisebol. Da mesma forma, jogar bolinha de tênis com um taco, pode também trazer semelhanças com o golfe.

A memória de quem participou, mesmo como torcedor, recupera fragmentos para a leitura de modalidades cujas regras são compreendidas superficialmente no primeiro contato. Após algumas horas de leitura, o regulamento integra o cardápio de informações a ser oferecido na notícia. A pesquisa completa, a cobertura com detalhes sobre os atletas e os principais eventos da modalidade. O público é instigado da mesma forma, porque revela situações, recupera e reformula a memória. A sintonia entre jornalistas e público conduz a um ato de comunicar pela proximidade do cotidiano vivido no esporte.

As regras são importantes, assim como as informações que revelam a trajetória do atleta. Se o esportista chegou até o evento, já é uma grande façanha e todos merecem um tratamento especial, não só os competidores com chance de conquistar uma medalha olímpica ou uma boa colocação. Geralmente, durante as transmissões e noticiários, os atletas, em especial os de outra nacionalidade, tem o nome e as conquistas exaltadas, com a performance na hora da disputa sendo analisada por especialistas (geralmente, um ex-atleta). O "tempo" atingido em modalidades como o atletismo, a natação, o hipismo e muitos esportes de inverno é sempre destacado, com os especialistas ou convidados auxiliando na interpretação da performance dos esportistas.

O despertar para a prática desportiva

As explicações sobre as dificuldades (obstáculos) são demonstradas como forma de valorizar os competidores. Neste contexto surge um problema que dificulta a interpretação, quando o jornalista esquece de revelar a trajetória dos atletas, desde o início na modalidade, o desenvolvimento, os métodos de treinamentos, as principais virtudes e defeitos. Pouco é possível saber sobre aquele esportista, além das informações básicas.

O jornalismo, como ferramenta de transformação do esporte, passa, então, pela ampliação e aprofundamento da notícia. As informações sobre a preparação dos atletas determinam os detalhes que orientam na compreensão da disputa e também estimulam a prática da modalidade. Além das regras, é fundamental revelar dados sobre a carreira do atleta, como os caminhos trilhados para chegar ao alto rendimento.

O despertar para a prática desportiva renasce, muitas vezes, pela semelhança entre atleta e público. Um competidor que surge mais velho para determinada modalidade pode estimular a pessoa da mesma idade, assim como é possível a identificação pelo local de nascimento e/ou treinamento, que podem ser propícios para a prática de um determinado esporte, ou seja, um local com parques e ciclovias estimula, respectivamente, o atletismo e o ciclismo, da mesma forma que a disponibilidade de quadras e campos para esportes coletivos, como o basquetebol, o voleibol, o handebol, no primeiro caso, e o futebol e o rúgbi, no segundo.

Banco de dados

Cabe ao jornalista conhecer e revelar os detalhes da carreira de uma boa parte dos competidores, não apenas por meio das informações básicas (nome, país e resultados), mas também pelas complementares (trajetória e condições de treinamento). Para o público fica mais fácil a compreensão da dinâmica em torno da disputa, assim como para o início de uma possível atividade física por meio daquela modalidade. A pesquisa se torna ponto crucial para a produção de notícias, com as informações dos atletas sendo coletadas, sintetizadas e armazenadas no banco de dados, que serão disponibilizados ao jornalista. Se possível, também é essencial cada profissional possuir o próprio arquivo, justamente para diferenciar a cobertura dentro do mesmo veículo.

As tecnologias atuais facilitam a coleta e armazenamento dos dados, tanto os básicos quanto os complementares. Caso as informações conseguidas sejam insuficientes, a solução é encontrar e manter contato com fontes ligadas ao esporte, ou seja, pessoas com acesso ou, pelo menos, que possuam alguma relação com os competidores e as modalidades desconhecidas. O jornalista necessita ir além dessas fontes, conhecendo a modalidade a fundo.

A atenção na reportagem é para com o leigo que, ao iniciar o esporte, percebe detalhes e dificuldades que os esportistas, muitas vezes, já esqueceram por estarem por demais acostumados com a rotina de treinos e competições. Assim, esportes, mesmo sem tradição, conquistariam espaço na mídia.

Os esportes de inverno servem de exemplo porque são pouco praticados no Brasil, com os treinamentos e competições sendo realizadas em países vizinhos, como Chile e Argentina, ou mesmo nos outros centros, como América do Norte, Europa e Ásia. Porém, as competições são transmitidas nos principais canais de televisão, com as notícias sendo divulgadas nos principais jornais impressos, rádios e pela internet. Um grande público se interessa pelas competições, mesmo com a pouca participação dos atletas locais.

Transmite-se a competição, mas pouco se conhece sobre a trajetória dos atletas de outros países, com apenas algumas celebridades do esporte sendo exaltadas, na maioria norte-americanos, justamente pela massificação e controle que as grandes redes desse país exercem sobre a mídia brasileira. A trajetória de determinados atletas e competições, como os do Curling, esporte com algumas semelhanças com o jogo de bocha, que é muito praticado no Brasil, poderia conduzir um aumento no número de praticantes, assim como dos locais para a prática da modalidade. As atividades do curling seriam uma novidade e uma diversão, como o boliche e a malha em algumas cidades brasileiras. Com isso e em breve, o Brasil disputaria competições de importância como as olimpíadas e poderia, inclusive, sediar torneios internacionais.

Assessoria de imprensa

O contexto para o desenvolvimento do jornalismo esportivo no Brasil passa pelo trabalho das assessorias de imprensa, que são essenciais para determinar um ponto de referência durante a cobertura esportiva, em especial para a familiarização para com as modalidades desconhecidas. A estratégia aproxima e diminui as dificuldades que os repórteres encontram no processo para a construção da matéria. As assessorias auxiliam no trabalho de reportagem quando revelam aspectos que, em princípio, tomaria muito tempo do jornalista.

Disponibilizar dados sobre os atletas, comissões técnicas, torneios, equipes, locais de treinamento, praças esportivas são determinantes para a apresentação do trabalho da assessoria, principalmente pela internet e outras mídias digitais. O fundamental está presente nos boletins, com atualizações periódicas. Fatos e ídolos são apresentados como integrantes de uma história, contextualizando a matéria pela apresentação da filosofia do esporte. As artes marciais compreendem tradições que modificam a ideia de uma simples luta e assim por diante.

A assessoria de imprensa alimenta o jornalista por meio das informações básicas que o conduzem ao contato com as fontes e os locais de prática desportiva. O resto depende do esforço do repórter. Acompanhar as competições e treinamentos e, se possível, como já dissemos, até praticar, é trabalho do jornalista, que assim não depende exclusivamente das assessorias.

Cozinhar matérias por meio de textos prontos e entrevistas pelo telefone é uma prática comum, mas perigosa e que descaracteriza o trabalho de reportagem. A presença no local de treinamento e de competição conduz ao aprendizado e ao contato com os esportistas, além de valorizar o profissional e o jornal para quem trabalha. Credibilidade conquistada para futuras coberturas; confiança garantida pelo público-praticante.

O trabalho de reportagem também está presente nas assessorias de imprensa. Se no primeiro momento, as informações disponibilizadas revelam o contexto da modalidade, a atualização da informação é realizada pela cobertura periódica dos assessores. O profissional que trabalha em clubes, federações e confederações vai além das informações sobre os resultados dos atletas e das equipes. A ampliação da notícia é fundamentada pelo acompanhamento dos fatos, revelando novos dados por outras narrativas, incrementadas por estatísticas sobre a performance dos atletas e dos clubes, que auxiliam não só os jornalistas durante e após a cobertura, mas também o público que, ao acompanhar as informações divulgadas, já visualiza um debate além das informações dos jornais.

As notícias disponibilizadas pelas assessorias são determinantes para confrontar o conteúdo das notícias divulgadas durante a preparação até a competição. O lema "treino é treino; jogo é jogo" demonstra o quanto o jornalista é responsável pela cobertura contínua, que vai desde o acompanhamento dos treinamentos até o resultado final. Se depender apenas das informações fornecidas pela assessoria de imprensa, o jornalista está fadado a ser apenas um apresentador (ou reprodutor) de resultados, sem fornecer noticias que, possivelmente, auxiliariam o público na interpretação do resultado final.

Caminhos para os noticiários

Quais os princípios que regem o jornalismo esportivo brasileiro? Ser um mero divulgador de competições cheias de grana, que são promovidas pelas emissoras de televisão, como a Fórmula 1 e os campeonatos de futebol dominados por alguns clubes do futebol dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande Sul, ou ser um espaço de debate sobre a política esportiva, que visa desenvolver o desporto e, com isso, a atividade física no Brasil? A primeira resposta é certa e óbvia, porque é mais fácil reproduzir o atual modelo de cobertura que reincorpora a função de setorista. Assim o jornalista frequenta sempre o mesmo local, reconduzindo a mesma pauta, como é observado, principalmente, no telejornalismo.

Correr atrás de notícias complexas, como de modalidades pouco conhecidas, que envolvam desafios, como procurar fontes desconhecidas, acompanhar treinamentos e torneios de "amadores", com pouco público, geralmente familiares, atletas das categorias menores e ainda uns poucos fãs, é uma tarefa árdua para os repórteres, ou seja, um desafio para os jornalistas que precisam e podem auxiliar na transformação do atual quadro de descrédito e desmoralização do esporte brasileiro.

Negar um padrão é uma tarefa árdua, que envolve, antes de mais nada, um trabalho sobre o próprio jornalista. Não adianta querer transformar o jornalismo e o modo de relatar a notícia, se essa mudança não acontece primeiramente consigo mesmo. Dizer não e procurar alternativas é uma luta sofrida, mas qualquer ato de recriação ou inovação é difícil, senão o comunicador continuará apenas a reproduzir.

Não é fácil conviver com pessoas que vivem reclamando da falta de incentivo e de organização, mas que não param de treinar, mesmo com tantas dificuldades. É uma pauta fácil e atraente para, de vez em quando, falar de miséria e luta como sentido de superação. Tema que sempre atrai e quebra o ritmo dos noticiários. São matérias montadas com a pompa de especiais. Neste sentido, o modo de pensar o desporto está contra uma das características básicas do jornalismo que é a periodicidade. Fala-se uma vez e depois o assunto fica esquecido, até algum repórter relembrar dos coitadinhos do esporte brasileiro.

Se os grandes clubes de futebol ocupam um espaço diário nos noticiários, então por que as outras modalidades aparecem esporadicamente? Ou o jornalista está acostumado e deseja pouco trabalho ou existe um enorme campo de trabalho a ser explorado tanto pelos profissionais quanto pelas empresas jornalísticas. Se cada jornal preenchesse um determinado espaço com notícias sobre algumas modalidades além das tradicionais como futebol, basquete, vôlei, tênis, automobilismo, haveria uma gama diversificada de conteúdos, com os periódicos atraindo diferentes públicos, aumentando e dividindo a arrecadação.

A padronização dos noticiários massacra e mantém a cultura jornalística para a promoção de grandes eventos. A aproximação com as celebridades do esporte leva o comunicador ao sentimento de ser sujeito da mídia. Jogadores de futebol, entre outros esportistas vencedores, são tratados como personalidades, por meio de fofocas como nas conversas de vizinho. A vigília é constante, com qualquer detalhe sendo motivo para pauta. Tempo perdido em meio às páginas dos jornais e aos valiosos minutos concedidos no rádio, na televisão e na internet. Enquanto isso, migalhas de informação são destinadas aos atletas de outras modalidades, lembrados somente quando representam o país nos mesmos grandes eventos, como os Jogos Olímpicos, Jogos Pan-americanos e, caso conquistem alguma colocação de destaque, em alguns mundiais.

A ausência de uma ampla cobertura esportiva determina que ainda existe um grande vácuo no jornalismo especializado a ser ocupado pelos profissionais de comunicação. Com o aperfeiçoamento em modalidades sem apelo midiático, o jornalista tem a seu favor a possibilidade de disponibilizar notícias e ainda servir como fonte para os meios tradicionais que se ocupam apenas dos esportes tradicionais e com grandes patrocinadores como é o caso do futebol, do automobilismo, do tênis, do voleibol e do basquetebol. O mercado de trabalho está aberto, principalmente agora com os Jogos Olímpicos no Brasil, mas também passível de continuar estático, caso os jornalistas permaneçam a plagiar modelos.

As redações necessitam também de um diferencial caso não desejem ser engolidas pelas agências internacionais durante a cobertura olímpica. A ampliação do conteúdo passa pela diversificação da pauta e, com isso, das linhas editoriais. Novos conceitos necessitam ser aplicados com um conjunto de medidas que possibilite, a cada veículo, a responsabilidade pelo acompanhamento de outros esportes, desde treinamentos até as competições.

Existem caminhos para os noticiários, como a especialização em determinado esporte ou o agendamento das modalidades. No primeiro caso, a cobertura diária incluiria um esporte (para ou não) olímpico, incluindo as categorias de base e, no segundo, as modalidades seriam distribuídas conforme a edição do jornal.

Ampliar o repertório de discussões e gostos

Os aparelhos em audiovisual, como câmeras e gravadores, estão cada vez mais acessíveis ao público. São ferramentas baratas, fáceis de achar e de simples manuseio. Desta forma, as gravações amadoras constituem um universo paralelo às grandes redes que dominam a cobertura esportiva. Muitas informações e transmissões esportivas são agora disponibilizadas por seus produtores por meio, principalmente, das redes digitais. Porém, outras manifestações ficam limitadas ao setor privado, devido ao preconceito para com a qualidade das produções consideradas paralelas.

O acesso à tecnologia já é uma realidade, mas o conhecimento continua restrito ao universo profissionalizante da academia e dos meios de comunicação. O desafio é proporcionar uma aproximação com esses produtores, ampliando os canais de educomunicação, o que possibilitaria o reaproveitamento deste material e, assim, a valorização da produção considerada amadora. Se existe a popularização da tecnologia, então por que não substituir o atual espaço ocupado pelas reprises, mesas-redondas e noticiários padronizados pelos novos conteúdos?

A fórmula é a integração entre comunicadores, esportistas e dirigentes por meio das confederações e federações, instituições representativas, as escolas e os veículos de comunicação, entre outras entidades públicas e privadas que estão diretamente ligadas ao fomento do desporto. Neste ponto, o papel do Comitê Olímpico Brasileiro como intermediário é fundamental para que ocorra uma troca e, ao mesmo, uma aliança pelo desenvolvimento do desporto.

O principal objetivo é a massificação (pluralidade) do desporto pela presença constante das diversas modalidades esportivas na programação dos canais de rádio e televisão, nos jornais e revistas impressas e nos portais de Internet, entre outros meios, quebrando assim o atual monopólio dos interesses representativos do futebol e algumas outras atividades, como a Fórmula 1, fomentadas por alguns canais de televisão que dominam a transmissão esportiva no Brasil. É essencial possibilitar ao público a identificação com diferentes esportes, ampliando o repertório de discussões e de gostos, não transformando em anormal o indivíduo prefere outras modalidades, muitas vezes visto como alguém rejeitado por estar fora dos eventos preferidos da mídia, principalmente o futebol.

Os comunicadores esportivos

A difícil tarefa dos comunicadores esportivos passa pela mudança de comportamento e pensamento sobre o universo esportivo. É inadmissível ocupar o espaço da programação com notícias superficiais, com repetições e firulas sobre celebridades esportivas momentâneas, enquanto diversas modalidades lutam por poucos segundos de exposição. O primeiro ponto é a divisão e abertura da programação e dos cadernos de esporte para a exibição de informações sobre os diversos esportes, assim como para a transmissão dos mais variados eventos. Os horários vazios nas rádios e televisões, como as madrugadas de segunda a sexta-feira, assim como as notas nos jornais impressos, são vácuos que podem ser ocupados para a divulgação de outros esportes.

Caso o primeiro passo foi conquistado, é importante desenvolver parcerias entre comunicadores e esportistas, incluindo dirigentes e outros interessados, com o intuito de viabilizar projetos de baixo custo e manutenção da qualidade. O trabalho em conjunto é fundamental, sendo possível assim uma transmissão segura e de credibilidade. A atual parceria já é observada, parcialmente, na televisão, em especial durante as coberturas dos Jogos Olímpicos e Pan-americanos, quando da participação de (ex) atletas, que enriquecem a transmissão ao esclarecer dúvidas e acrescentar novas informações sobre a (desconhecida) modalidade. A fórmula é interessante e pode ser seguida, mas também é possível dinamizar o processo cedendo autonomia aos esportistas. A diferença é tornar este colaborador um agente responsável pela transmissão.

Se de um lado é uma oportunidade de emprego, por outro é uma forma de popularizar o acesso às técnicas de captação, seleção e transmissão. Ao criar projetos independentes ou para desenvolver as parcerias entre os veículos de comunicação e as entidades desportivas, surgirão novas oportunidades de trabalho para os jornalistas, radialistas, cineastas, entre outros comunicadores, assim como para profissionais de educação física e desporto. No mesmo âmbito, surgem desafios para os que já estão envolvidos no esporte.

Os assessores de imprensa das confederações, federações e clubes são agora agentes facilitadores tanto na transmissão das competições, assim como na assistência aos demais colaboradores. A vivência na modalidade possibilita também o contato periódico com os esportistas, diminuindo as dificuldades que geralmente os jornalistas possuem na cobertura de modalidades sem apelo informativo. O esportista não é mais a fonte, mais um parceiro.

No caso do jornalismo, a presença do repórter é fundamental, mas, caso seja impossível, é fundamental disponibilizar um espaço para a transmissão das notícias e mesmo da íntegra dos eventos esportivos. O jornalista se torna o mediador que facilita a entrada de conteúdos antes inacessíveis. Para isso, além dos assessores de imprensa, os demais esportistas começam a integrar o processo, alimentando os noticiários.

Um plano de metas remete ao compromisso de disponibilizar espaços para os chamados comunicadores esportivos. São agentes, geralmente independentes, que captam e disponibilizam o conteúdo especializado de cada modalidade. Credenciam-se como alternativos para o desenvolvimento do desporto junto às grandes redes e às entidades oficiais. Quando excluídos, constroem seus canais em paralelo, mas quando aceitos, são colegas indispensáveis para a inclusão de outras modalidades sem possibilidade de cobertura.

Considerações finais

Dinamizar as manifestações esportivas nos noticiários e transmissões é uma meta teoricamente simples, porque é só dividir e mesclar o conteúdo dos jornais e dos quadros de programação das televisões e rádios, com o mesmo acontecendo na Internet e por meio de outras mídias. O problema é quebrar a avareza de ideias que é observada no jornalismo esportivo, que prefere mascarar o problema da ausência de cobertura esportiva pela inovação dos formatos.

Jovens comunicadores são colocados para atrair os adolescentes pelo humor, com uma pitada de mau-gosto, tirando sarro dos atletas por causa da aparência ou um erro durante a competição, fortalecendo estereótipos e preconceitos. Aos heróis, surgem os puxa-sacos, cheios de manhas no linguajar. Aos experientes comunicadores sobram as críticas por levar o assunto a sério, comentando as falhas e as virtudes de uma vitória ou de uma derrota. Como sempre, a tônica é o futebol, com algumas informações sobre resultados de outros esportes.

Iguais no conteúdo e diferentes no formato. Perde-se tempo com os futebolistas dos grandes clubes, enquanto as demais modalidades gritam por uma pequena parcela de atenção. Repetir esta retórica foi preciso neste texto e será sempre necessária, porque o jornalista brasileiro precisa acompanhar, estudar e, se possível, até praticar outros esportes. A Olimpíada na Brasil está próxima e o jornalismo necessita de profissionais especializados em golfe, remo, tênis de mesa, ciclismo e tantas outras modalidades (para e não) olímpicas.

O público também necessita de opções na grade de programação. Versatilidade é o segredo também diante dos patrocinadores que observam na novidade as possibilidades de investimento, inclusive pelas leis de incentivo fiscal.

Desta crítica pela ausência de criatividade e de democratização no jornalismo esportivo renasce a esperança pela transformação do esporte no Brasil. Os valores como a superação e o limite, além dos sinônimos de lazer e saúde, contagiam o público, que percebe naquele instante uma condição que transforma a realidade em coisa boa. O esporte faz bem às pessoas, sem limite de idade. Acompanhar o esporte pela mídia também é interessante, porque, além do resultado, surgem heróis para um Brasil esquecido, sem praças esportivas, inclusive para o futebol, neste caso repetindo os comentaristas que dizem: "Cadê os campinhos de terra?"

Os desafios passam ainda pela defesa e continuidade das bandeiras que sempre ressurgem no jornalismo brasileiro, como as observadas no conflito entre os defensores do futebol-arte e os do futebol-força. A magia deste debate revela os princípios do esporte como manifestação cultural, sendo indispensável para o combate à violência. O mesmo acontece com as narrações esportivas com origem no rádio, que exaltam a plasticidade pela emoção e alegria popular.

Clamamos aqui pela mudança de mentalidade, não só dos políticos, mas também dos jornalistas. Reestruturar o atual modelo é possível com a integração com esportistas, considerando aqui também os cartolas. A proposta é conversar com os interessados em viabilizar projetos de comunicação esportiva.

Um das propostas é permitir a rede aberta, com canais ampliados para além das grandes coberturas em rede nacional e internacional. Neste caso, é possível ainda planejar estratégias também para investimentos localizados para modalidades e competições. Os esportes aquáticos (de mar), como o surfe e o bodyboard, entram na lista de especificidades, assim como os esportes de gelo, de montanha, de ar e outros.

Em Piraju, no interior de São Paulo, a prática da canoagem foi estimulada por um projeto que permitiu o contato da população com os atletas da seleção brasileira, que moravam, treinavam e competiam na região, banhada pelo Rio Paranapanema. Agora a cidade possui vários praticantes, inclusive com equipes e representantes na equipe nacional. A canoagem ocupa um importante espaço na mídia local, que é considerada uma importante fonte de informação sobre a canoagem.

Já no caso dos torneios esportivos em geral, as filiais ou sucursais, assim como os veículos locais, principalmente de rádio, conduzem a cobertura, muitas em parceira. Se cada modalidade possui uma característica, o jornalista pautado para o evento observa as diferenças, preparando, junto com os dirigentes e os profissionais de educação física e esportes locais, a melhor maneira de conduzir a informação.

As universidades e faculdades também são determinantes para o processo de ampliação da política de comunicação esportiva no Brasil. O modelo de fomento científico, com o financiamento de bolsas para pós-graduação em mestrado e doutorado, é um exemplo a ser utilizado no esporte universitário, propondo aos atletas de alto rendimento que realizem pesquisas junto à preparação. O mesmo acontece com os mais jovens, que seriam financiados por meio de projetos de iniciação científica em graduação e pela bolsa-escola para o ensino fundamental e médio. Os canais educativos de comunicação, como o canal universitário de televisão, os jornais-laboratório dos cursos de jornalismo e os jornais-escola, seriam os promotores das competições e das coberturas [fontes: Cláudio Roberto Rodrigues (jornal O Observador e site www.observadorpiraju.com.br)].

As grandes redes precisam ainda reavaliar a condução interna do processo de comunicação. Com a avalanche digital, a abertura da grade é essencial e, como efeito, surge a necessidade de implantação de novos conteúdos. A quebra do monopólio do futebol, com a substituição por uma plataforma esportiva, seja talvez uma das soluções para ampliação das pautas e, assim, para o equilíbrio das linhas editorais nesta área.

As parcerias com agentes esportivos, em especial para a captação da imagem e som, consolidam uma nova ordem que determina o jornalista esportivo como condutor e mediador de relatos representativos. Inicia-se assim a narrativa plural, com a interferência direta das fontes, fundamentada, neste caso, pelos envolvidos (in) diretamente com esporte, sejam atletas, torcedores, preparadores físicos, torcedores e dirigentes.

A transformação da comunicação esportiva passa pela mudança de comportamento dos jornalistas, assim como dos demais profissionais de comunicação. Os noticiários estão pautados pela promoção de eventos, sendo limitado, ou quase nulo, o debate em torno da política esportiva no Brasil. As reportagens sobre a trajetória e situação dos atletas, dos clubes, das confederações, quando aparecem, são permeadas pelo sensacionalismo, com apelo sobre o descaso e a dificuldade financeira. As atuais estratégias pós e pré-jogo, como as mesas-redondas, possibilitariam a discussão em torno dos problemas do esporte, sendo um espaço de extensão do noticiário.

Por fim, deste artigo surge uma lição: não faltam propostas, mas o jogo já começou.