quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Kafka em Teerã: Cineasta iraniano é vítima de regime paranóide

Lars-Olav Beier
Martin Wolf


  • Jafar Panahi, cineasta iraniano, durante entrevista em Teerã, no Irã, em imagem de 2004
  • Jafar Panahi, cineasta iraniano, durante entrevista em Teerã, no Irã, em imagem de 2004
O diretor Jafar Panahi enfrenta seis anos de prisão em seu país, o Irã, onde o regime se sentiu ameaçado por seus filmes, como “Fora do Jogo” de 2006. Os organizadores do Festival de Cinema de Berlim, que começará na quinta-feira, expressaram seu apoio a Panahi o incluindo no júri, mesmo não podendo estar presente.

Talvez, diz Abbas Bakhtiari, ele fará um filme algum dia. Algo autobiográfico a respeito de sua fuga do Irã no início dos anos 80 – uma fuga que se tornou inevitável após os soldados terem disparado contra um amigo e sua esposa grávida ter abortado, depois de ter sido abusada com as coronhas dos rifles. Bakhtiari e sua esposa escaparam em um pequeno barco, com o qual atravessaram o Estreito de Hormuz até Dubai. Ele vive em exílio em Paris desde 1983.

Bakhtiari, 53 anos, um homem magro em um terno preto sem gola, é um ator profissional, músico e compositor. Hoje ele dirige um centro cultural franco-iraniano no canal Saint-Martin, no 10º arrondissement de Paris. Algumas cenas do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” foram filmadas do lado externo do centro cultural.

Mas no momento a principal ocupação de Bakhtiari é ser a voz de seu amigo Jafar Panahi, o diretor iraniano premiado. Panahi está proibido de falar com estrangeiros e jornalistas. Se o fizer, isso apenas piorará sua situação.

Pouco antes do Natal, um tribunal em Teerã sentenciou Panahi a seis anos de prisão e o impediu de exercer sua profissão por 20 anos, por supostamente tentar cometer “crimes contra a segurança nacional e promover atividades propagandísticas contra o sistema da Revolução Iraniana”. Na verdade, o diretor apenas tentou fazer um filme.

Panahi se transformou em um símbolo da liberdade de expressão artística e de como ela é ameaçada por regimes totalitários, censura e violência. “Eles querem transformar Jafar em um exemplo”, diz Bakhtiari. Ele está coordenando uma campanha internacional e alistando o apoio de celebridades para assegurar que o mundo não esqueça seu amigo, especialmente agora que a atenção internacional está concentrada no Egito. Os únicos holofotes internacionais apontados ao Irã se devem às supostas ambições nucleares do país.

‘A arte é mais forte do que a política’

Bakhtiari recebe visitantes em seu centro cultural, onde há livros persas e CDs nas estantes. Uma jovem vestindo um longo casaco verde serve chá e Bakhtiari nos oferece tâmaras e amêndoas. Ele fuma um cigarro atrás do outro. Seu isqueiro é decorado com uma folha de palmeira, o logotipo do Festival de Cinema de Cannes.

“A arte é mais forte do que a política”, diz Bakhtiari. Há petições apoiando Panahi na Internet, assinadas por diretores famosos como Martin Scorsese e Sean Penn. O 61º Festival Internacional de Cinema de Berlim, ou Berlinale, que começa na quinta-feira, também está assumindo uma posição em relação ao diretor perseguido.

O diretor do festival, Dieter Kosslick, nomeou Panahi para o júri do festival como “um sinal de apoio à sua luta pela liberdade”, como ele escreveu em uma carta ao embaixador iraniano. Teerã reagiu friamente, oferecendo enviar um diretor aceito pelo regime para servir no júri. Kosslick rejeitou a oferta, dizendo: “Nós não queremos alguém do banco de reservas”.

De fato, a presença de Panahi será fortemente sentida no Berlinale deste ano, onde todos os seus filmes serão exibidos durante o festival. Em 11 de fevereiro, o aniversário da Revolução Iraniana, o dia em que as forças apoiadas pelo aiatolá Ruhollah Khomeini assumiram o poder em 1979, o festival exibirá “Fora do Jogo”, provavelmente o filme mais popular de Panahi.

Tratando de tabus

Jafar Panahi, 50 anos, é um dos diretores iranianos contemporâneos mais renomados. Ele já conquistou prêmios nos grandes festivais de cinema da Europa –Cannes, Locarno, Veneza e Berlim– por seus filmes “O Balão Branco” (1995), “O Espelho” (1997), “O Círculo” (2000), “Ouro Carmim” (2003) e “Fora do Jogo” (2006). Por sua vez, os mulás conservadores veem o diretor, que vem da cidade de Meyaneh, no noroeste do Irã, e lutou na guerra de 1980-1988 contra o Iraque antes de se tornar cineasta, como um inimigo público. Isso não causa surpresa, dado que seus filmes retratam todas as coisas que são oficialmente tabu em seu país: consumo de álcool, prostituição e opressão às mulheres. Os filmes de Panahi são proibidos no Irã.

Os extremistas religiosos do Irã já consideram o cinema como sendo obra do diabo. Em agosto de 1978, com a revolução contra o xá já fermentando, radicais incendiaram um cinema lotado na cidade de Abadan. Mais de 400 pessoas morreram. O aiatolá Khomeini, que viria a se tornar o líder supremo do país, culpou os agentes do xá pelo ataque. Ele também aproveitou a oportunidade para condenar os cinemas como “centros de imoralidade” que são “voltados contra o bem-estar de nosso país”. Já foi comprovado que os seguidores do aiatolá Ali Khamenei, o atual líder religioso do país, estiveram por trás do ataque.

Atualmente há apenas 90 salas de cinema em Teerã, uma cidade de 13 milhões de habitantes, dentre um total de aproximadamente 270 em todo o país. A maioria dos iranianos prefere assistir filmes em DVD em casa, em parte porque homens e mulheres solteiros são oficialmente proibidos de ir juntos ao cinema.

Até mesmo grandes sucessos americanos como “Avatar” estão legalmente disponíveis em DVD no Irã, apesar de frequentemente cortados. Além disso, os filmes estrangeiros são retocados em computador. Para apaziguar a polícia moral do país, técnicas de retoque digital são usadas para aumentar saias e eliminar decotes. Quase qualquer filme está disponível, sem censura, no mercado negro em Teerã, desde produções de Hollywood até filmes iranianos que não foram aprovados para exibição nos cinemas, incluindo os de Panahi.

Problemas com as autoridades

O conflito entre o diretor e o regime aumentou quando Panahi demonstrou abertamente simpatia por Mir Hossein Mousavi, o adversário mais promissor do presidente Mahmoud Ahmadinejad na eleição presidencial de 2009. Em 15 de junho de 2009, Panahi se juntou a centenas de milhares de outros iranianos em uma marcha por Teerã em protesto contra a suposta fraude eleitoral e o autonomeado vencedor, Ahmadinejad.

O diretor foi preso pela primeira vez, juntamente com sua filha Solmaz, quando os dois participaram do serviço fúnebre de Neda Agha-Soltan, em 30 de julho. A estudante, que foi morta a tiros durante uma manifestação, se transformou em ícone do movimento de resistência após sua morte. Panahi e sua filha foram soltos um dia depois.

No final de agosto de 2009, o diretor viajou para Montreal, como convidado do festival de cinema da cidade, para servir como presidente do júri. Panahi usou um xale verde no tapete vermelho, com o verde sendo a cor do movimento de protesto iraniano. Foi um ato de provocação.

No início de 2010, Panahi e um amigo, o diretor e produtor Mohammad Rasoulof, começaram a rodar um novo filme. Sem permissão do Ministério da Cultura e das Diretrizes Islâmicas, eles filmavam secretamente no apartamento de Panahi, localizado em um bairro de luxo no norte de Teerã. “Mas no Irã”, diz Bakhtiari, “quase nada permanece em segredo”.

Greve de fome

Em 1º de março, com um terço do filme já rodado, a polícia realizou uma batida no apartamento. Ela prendeu 17 pessoas, incluindo Panahi, sua esposa e filha, Rasoulof e outros membros da equipe. Ela também confiscou rolos de filme e a coleção de DVDs de Panahi, além de arquivos e computadores. Panahi foi levado para a Prisão Evin de Teerã, o destino final de muitos prisioneiros políticos e que é notória pela tortura.

No final de maio, após Panahi ter realizado uma greve de fome de 10 dias e muitas campanhas de protesto terem sido realizadas em todo o mundo, ele foi solto sob fiança após pagar o equivalente a US$ 218 mil. Panahi foi forçado a hipotecar seu apartamento para levantar o dinheiro da fiança. Apesar de ser mantido sob vigilância policial, ele conseguiu dar algumas poucas entrevistas por telefone nos meses que se seguiram. Ele trocava constantemente o chip de seu celular.

Há mais de 750 páginas no dossiê que os promotores prepararam contra ele. Ele contém todas as entrevistas dadas pelo diretor nos últimos cinco anos. Apesar de Panahi ter expressado apenas uma crítica discreta ao regime, mesmo em entrevistas para a imprensa europeia, a promotoria está usando as entrevistas como evidência de suposta “conspiração e propaganda” contra o governo.

Em 18 de dezembro de 2010, a 26ª Vara do Tribunal Revolucionário em Teerã sentenciou Panahi a seis anos de prisão e o proibiu de exercer sua profissão por 20 anos. Seu amigo Rasoulof recebeu a mesma sentença. O advogado de Panahi, Farideh Gheirat, apelou da decisão. É a sentença mais dura imposta contra um cineasta proeminente no Irã desde 1979. O diretor está autorizado a circular livremente dentro do Irã até a decisão final.

Alerta drástico

Na prática, a decisão do tribunal não é direcionada apenas contra Panahi, mas contra todos os artistas iranianos independentes. Ela serve como um alerta drástico e uma exigência de que exerçam autocensura e não critiquem o regime. Muitos artistas apoiaram Mousavi em 2009. Até mesmo o órgão de censura do governo aparentemente estava tão convencido de que o candidato relativamente liberal venceria a eleição que aprovou alguns poucos projetos de filmes que normalmente seriam considerados suspeitos, como o drama de vingança “O Caçador” de Rafi Pitts.

O filme conta a história de um segurança em Teerã (interpretado pelo próprio Pitts) cuja esposa e filha são mortas em uma manifestação. Apesar de não saber quem foi o responsável pela morte delas, ele pega sua arma e sai à caça dos policiais.

Com permissão das autoridades, Pitts rodou uma cena, no meio da campanha eleitoral, na qual seu protagonista atira contra dois policiais dirigindo uma viatura na estrada. “O censor apenas exigiu que nós o retratássemos como uma pessoa louca”, diz Pitts. O protagonista não deveria parecer um assassino de sangue frio.

Os riscos da pressão estrangeira

Pitts, 44 anos, está sentado em seu pequeno apartamento no 14º arrondissement de Paris, com um cartaz do filme “A Morte de um Bookmaker Chinês” de John Cassavetes na parede. “Este é o meu esconderijo”, diz Pitts, sorrindo de modo um tanto desconfortável. Ele deixou o Irã em 1979, estudou em Londres, trabalhou como assistente de direção em Paris, mas sempre voltou ao Irã para rodar seus próprios filmes.

Está frio no apartamento. Pitts abriu as janelas para permitir a saída do cheiro da fumaça do cigarro. Seus amigos iranianos em Paris estiveram lá na noite anterior, quando passaram horas debatendo como poderiam ajudar Panahi e Rasoulof. O assistente de direção de Pitts também foi preso junto com Panahi. Poderia facilmente ter sido o próprio Pitts.

Pitts está organizando uma campanha de solidariedade para Panahi e Rasoulof. Ele quer que as pessoas que trabalham na indústria cinematográfica de todo o mundo parem de trabalhar por duas horas em 11 de fevereiro, enquanto “Fora do Jogo” de Panahi estiver sendo exibido no Berlinale. “Não é para ser algo ostentoso”, ele diz. “Apenas um protesto silencioso.” É preciso ser cuidadoso ao fazer campanha no exterior, ele acrescenta, porque pressão estrangeira demais pode tornar o regime ainda mais teimoso. Vários prisioneiros políticos foram executados no Irã nos últimos dias.

A estratégia de defesa para Panahi consiste de negar fortemente a acusação de que ele tem uma agenda política com seus filmes. Os promotores o acusaram de que pretendia tratar da agitação ligada ao movimento verde em seu novo filme.

Mas seu novo filme nem mesmo está concluído, disse Panahi ao tribunal. “Às vezes eu tenho a impressão de que é um crime apenas pensar em fazer um filme”, ele disse. “De fato, alguém que apenas sonhe com um filme parece estar cometendo um delito menor ou um crime punível com sentença de prisão.”

Um artista que está sendo molestado por causa de uma ideia –soa como uma cena de pesadelo escrita por autores como Franz Kafka ou George Orwell, e acentua a paranóia de um regime que sabe, especialmente após os protestos de meados de 2009, quão pouco apoio popular possui.

‘O filme não é político’

“O filme não é político”, diz Bakhtiari, o amigo de Panahi, em Paris. Em um telefonema pouco antes da entrevista para a “Spiegel”, Panahi pediu a Bakhtiari para que destacasse que estava filmando uma história puramente pessoal sobre “uma apresentadora de televisão que chega em casa e encontra seu filho ferido”. Bakhtiari não diz o motivo para o garoto estar ferido.

Para evitar colocar em risco as chances de sua apelação, Panahi insiste que estava apenas filmando um pequeno filme caseiro inofensivo com parentes e amigos. “Não há lei que proíba um cineasta de fazer um filme em sua própria casa”, diz Bakhtiari, citando Panahi. Mas Panahi, mais do que qualquer outro, sabe que o que alguém faz em sua casa no Irã não está fora dos limites.

Em seu filme “Ouro Carmim”, o diretor mostra policiais de Teerã espreitando do lado de fora de um prédio de apartamento, onde uma festa está sendo realizada. É possível ver as sombras das pessoas dançando na cortina de um apartamento no terceiro andar. Dançar é proíbido no Irã. No filme de Panahi, a polícia prende imediatamente todos aqueles que deixam o prédio.

Praticamente não há música nos cinco filmes dirigidos por Panahi até o momento. Sirenes policiais, por outro lado, são ouvidas constantemente. Os sons habilmente arranjados são retratos sonoros de um Estado policial. Repetidas vezes em seus filmes, o diretor faz com que policiais e soldados apareçam inesperadamente. Eles nem sempre parecem ameaçadores, mas sim desajeitados e sem competência, como se os uniformes que vestem fossem alguns números maiores do que eles.

Panorama da sociedade

Em “Fora do Jogo”, a polícia prende seis garotas e mulheres jovens que, vestidas como homens, entraram em um estádio de futebol em Teerã, onde a seleção iraniana está jogando uma partida das eliminatórias da Copa do Mundo contra Bahrein. O problema é que mulheres não são autorizadas no Irã a assistir os homens jogarem futebol. Os policiais prendem as mulheres em um espaço isolado no estádio. Elas não podem assistir ao jogo dali, mas podem ouvir a torcida. De repente, as mulheres começam a imitar uma partida de futebol. O modelo delas é o jogador iraniano Ali Karimi, que atualmente joga pelo time alemão Schalke 04. Os policiais, sem saber o que fazer, ficam do outro lado da cerca, assistindo as mulheres, incertos sobre a qual dos jogos devem prestar mais atenção. Como acontece com frequência nos filmes de Panahi, as mulheres agem enquanto os homens hesitam.

A capacidade de apresentar um panorama da sociedade em apenas poucos metros quadrados de espaço é uma das coisas que o regime de Teerã teme em Panahi. Isso provavelmente explica por que aqueles no poder enviaram seus capangas ao apartamento do diretor para prendê-lo.

Todo projeto de filme no Irã deve passar por três etapas de censura. Primeiro, o roteiro precisa ser aprovado, o que pode levar meses de disputa a respeito de diálogos e posições de câmera. Cada fio de cabelo que escapa de um lenço de cabeça pode se tornar uma questão política no Irã. Assim que um filme é concluído, o produtor e o diretor devem obter permissão para exibi-lo em um festival. No final, os censores também decidem se ele pode ser exibido nos cinemas iranianos.

“Quando você faz um filme no Irã, você desperdiça 80% de sua energia obtendo todas as permissões. Você constantemente se pergunta: eu posso fazer isto, posso fazer aquilo?” disse Panahi em uma entrevista de 2005.

Driblando os censores

Ele conseguiu repetidas vezes driblar as autoridades por um período de anos. No caso de “Fora do Jogo”, ele apresentou aos censores uma versão diferente do roteiro do que aquele que pretendia filmar. Ele recebeu sinal verde e reuniu duas equipes de filmagem. Uma equipe visava distrair os censores, filmando a versão oficial, enquanto outra filmava secretamente a versão de Panahi.

É claro, “Fora do Jogo” não recebeu aprovação para exibição nos cinemas iranianos, mas o Museu do Cinema do Irã estatal não se incomodou em acrescentar o Urso de Prata que Panahi ganhou no Festival de Cinema de Berlim à sua coleção. “A sala onde o museu exibe meus prêmios é maior do que minha cela na prisão”, disse Panahi no tribunal em novembro passado.

Panahi é tanto perseguido quanto oficialmente celebrado. “No Irã”, diz Bakhtiari, "não é uma pessoa que toma uma decisão”. Rasoulof, o aliado de Panahi, ele acrescenta, foi sentenciado a seis anos de prisão e, quase simultaneamente, recebeu aprovação do Ministério da Cultura para rodar seu novo filme. Panahi e Rasoulof são heróis trágicos de um sistema kafkaniano.

Quando o mentor de Ahmadinejad, Esfandiar Rahim Mashai, disse à agência de notícias “ISNA” do Irã, em meados de janeiro, que a sentença contra Panahi era dura demais, o jornal “Kayhan” de Teerã, um porta-voz da linha-dura islâmica, perguntou se Mashai queria emitir um cheque ou dar um prêmio a um agitador como Pahani. O diretor, um provocador que sempre exibe um leve sorriso em seu rosto, colocou o regime em uma saia justa.

No exílio

Panahi é um ídolo dos iranianos. Em um evento universitário em Teerã há duas semanas, os estudantes levantaram sua foto, cantaram seu nome e encobriram a banda que visava abafar seus protestos. O que as pessoas no poder certamente não precisam é transformar Panahi em um mártir. Elas provavelmente prefeririam vê-lo deixar o país, como tantos outros artistas de cinema antes dele. Panahi foi chamado ao Ministério da Cultura iraniano cinco vezes nos últimos anos, e toda vez foi aconselhado a deixar o país. Em todas as vezes ele rejeitou a sugestão.

Em comparação, alguns dos artistas e cineastas iranianos mais bem-sucedidos, como Mohsen Makhmalbaf (“A Caminho de Kandahar”), Shirin Neshat (“Zanan-E Bedun-E Mardan” –“Mulheres Sem Homens”, em tradução livre) e Marjane Satrapi (“Persépolis”), deixaram o Irã há muitos anos. Apesar de atualmente viverem em Paris ou Nova York, seu país natal é sempre o centro de seus filmes. “Você pode expulsar um iraniano de seu país, mas não consegue expulsar o país de um iraniano”, diz Neshat.

“The Green Wave”, o documentário mais forte até o momento sobre os protestos de meados de 2009, também é obra de um exilado, o alemão-iraniano Ali Samadi Ahadi. A última vez em que ele esteve no Irã foi em abril de 2009, mas agora está perigoso demais para ele ir para lá.

‘Eu vivenciei o lado sombrio do meu país’

No momento até mesmo astros antes apolíticos como a estrela Golshifteh Farahani, 27 anos, estão fugindo para o exterior. Ela já tinha atuado em aproximadamente 20 filmes iranianos quando o diretor Ridley Scott lhe ofereceu um papel ao lado de Leonardo DiCaprio e Russell Crowe no thriller “Rede de Mentiras” de Hollywood.

Na pré-estreia em Nova York em outubro de 2008, Farahani apareceu no tapete vermelho sem lenço de cabeça, provocando alvoroço no Irã. “Eu não estava ciente das consequências”, ela diz hoje. “Mas naquele momento eu achei que era estupidez usar um lenço de cabeça. Afinal, as outras mulheres na pré-estreia também não estavam usando.”

Quando ela retornou ao Irã, Farahani foi interrogada e seu passaporte foi confiscado. A produção seguinte em Hollywood, para a qual ela já tinha assinado um contrato (intitulada, ironicamente, de “Príncipe da Pérsia”), foi filmada sem ela. “Foi o pior momento da minha vida. Eu vivenciei o lado sombrio do meu país pela primeira vez. Na época, Jafar Panahi foi a única pessoa que me apoiou publicamente”, diz Farahani.

Ela só foi autorizada a deixar o país de novo em fevereiro de 2009, quando esteve no Berlinale. Seu filme, “Procurando Elly”, que apenas agora está em exibição nos cinemas alemães, foi exibido na competição em Berlim. Farahani atualmente vive em Paris.

Kafka em Teerã

Panahi, por sua vez, não deixa as autoridades o expulsarem, apesar de muitos amigos frequentemente pedirem para que ele deixe o país. Ele deseja permanecer no Irã e continuar fazendo filmes, apesar dos censores repetidamente rejeitarem seus projetos desde 2006, incluindo a adaptação cinematográfica de “A Cidade do Sol”, o segundo romance do autor best seller Khaled Hosseini (“O Caçador de Pipas”). “Eu não posso deixar de trabalhar. Eu vivo apenas quando faço filmes”, diz Panahi.

O que o regime fará com seu diretor mais rebelde? Será que ele realmente manterá Panahi na prisão por anos, apesar dos protestos em casa e no exterior? Ou será que os juízes em Teerã podem reverter sua decisão?

“A lei islâmica oferece muitas possibilidades”, diz seu amigo Bakhtiari, sorrindo por ora. Há uma diferença, ele explica, entre “tasiri”, ou cumprir uma sentença, e “talighi”, uma sentença suspensa. Os juízes em Teerã podem decidir converter uma sentença de uma para outra.

Nesse caso, Panahi seria sentenciado, mas ao mesmo tempo seria solto –um Kafka em Teerã– com sua cabeça cheia de ideias que são consideradas como crimes.


Tradução: George El Khouri Andolfato

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