quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Uma década no cinema do século 21: nada será como antes?

Parafraseando um antigo programa da BBC (que influenciou muita gente boa), esta foi a década que foi. Não exatamente um momento de felicidade no planeta Terra _ por que seria no cinema?

E no entanto coisas interessantíssimas aconteceram. Entre elas:

  • A grande crise. A década começou com o mercado de consumo de ingressos de cinema em festa, com 1 bilhão e 58 milhões de bilhetes vendidos apenas nos EUA e Canadá. Descontado o pique de 2009 –quando Avatar, sozinho, representou um aumento de 15% de vendas – o tombo foi gradual e grande, pior a partir da recessão de 2008, quando a crise no mercado imobiliário norte-americano virou uma bola de neve de repercussões internacionais. Nos últimos três anos da década os grandes estúdios que fazem parte da Motion Picture Association of America produziram menos 12% em número total de títulos por ano – de 920 em 2005 para 677 em 2009.

Mas esse impacto foi maior e mais profundo que apenas um encolhimento: as fontes de financiamento da produção secaram, diminuindo radicalmente as opções para projetos independentes e co-produções internacionais. Em pânico com a retração do consumo, os estúdios produziram não apenas menos, mas mais do mesmo: a partir de 2008 só ganhou luz verde quem podia garantir casa mais ou menos cheia ou, idealmente, bandos de adolescente dispostos a passar o fim de semana inteiro no shopping.

  • O novo 3D _ Desde meados do século passado a ilusão de profundidade é uma espécie de santo graal do entretenimento audiovisual. Nesta década, o salto quântico da captação e da exibição digital de imagens trouxe de volta a possibilidade da tão sonhada “experiência imersiva”,o abraço total da narrativa. Não é de espantar que o mais dedicado discípulo do novo 3D- James Cameron – tenha sido o responsável pelo mais monstruoso sucesso do formato – Avatar. Com isso, duas coisas ficaram claras: 1. Era possível atrair o público de volta para as salas de cinema e 2. A qualidade do 3D e, sobretudo, o bom uso da tecnologia a serviço de uma história à altura eram essenciais. Em resumo: o 3D não foi a panaceia que muita gente esperava, mas entrou para o arsenal de recursos disponíveis para realizadores curiosos.
  • O audiovisual pessoal. Enquanto os grandes distribuidores pensavam exclusivamente em levar pessoas para salas de cinema, fabricantes de hardware, software e realizadores imprensados pela falta de opções descobriam que era hora de levar o conteúdo ao consumidor _ onde quer que ela ou ele estivessem. O grande boom da década, mais importante que a corrida a Pandora, foi a multiplicação de plataformas para o que antes se chamava “filme” e que, hoje, é uma série de códigos acessíveis em casa, na rua, no celular, no computador. Nos EUA e Canadá, hoje, é possível ver qualquer filme ou série de TV, legalmente, por muito pouco , sem sair de casa. Isso inclui o cinema do mundo todo, curtas, repertório, seleções de festivais, títulos independentes. Como modelo de negócios, ainda não é o bastante para resolver o impasse da crise financeira. Mas promete.

  • A maturidade da TV. Sem trabalho no cinemão, com projetos pessoais frustrados e exaustos de tanto correr atrás de um público que preferia ficar em casa, uma parte substancial do talento criativo mudou-se para uma forma de expressão que tem distribuição garantida –a TV. Alguns dos melhores momentos da narrativa audiovisual da década vieram do que mal pode se chamar “telinha” (quando existem à venda televisores de 60 polegadas, alta definição, 3D): da saga mitológica de Lost à investigação existencial de Mad Men; a reivenção do noir, do thriller , do musical, do terror _ e de Sherlock Holmes. O Carlos de Olivier Assayas e os documentários da HBO. O Traffik não-ficção da BBC que ganhou o Oscar com a assinatura de Steve Soderbergh. E, em 2009, três dos melhores filmes da década, disponíveis apenas na TV: a Red Riding Trilogy (foto) do Channel 4 britânico.

  • O triunfo da animação . Nos primeiros 10 anos do século 21, apenas uma companhia pode dizer que cada um de seus lançamentos foi um sucesso _ a Pixar. De Monstros SA em 2001 a Toy Story 3 em 2010 cada nova produção estabeleceu um novo nível de excelência técnica, um novo marco em popularidade além das convencionais divisões do mercado por idade. A comprovação desse domínio veio com a corrida dos demais estúdios para voltar à animação _ e da Disney para atualizar sua produção in house, culminando com a colocação de John Lasseter, fundador da Pixar, como presidente de animação do estúdio. Sem sindicatos, exigências, escândalos e papparazzi, os atores virtuais colocaram o controle da narrativa nas mãos dos roteiristas e diretores _ e este foi o grande trunfo da Pixar.

  • A globalização. A vitória de Quem Quer Ser Um Milionário (foto) nos prêmios de 2008 confirmou o que a indústria já sabia _ que talento, histórias e recursos financeiros não tinham visto nem passaporte. É uma tendencia cíclica _ nos anos 1950-60, imprensados com a diminuição da produção nativa, distribuidores e exibidores norte-americanos encheram os cinemas com filmes da fértil filmografia europeia e asiática, na medida para os gostos de uma nova geração. Agora, a crise econômica trouxe investidores coreanos e indianos para a DreamWorks, fechou acordos entre Hollywood e Bollywood e abriu as portas a diretores como Guillermo del Toro, Christopher Nolan, Alejandro Amenabar, Ang Lee, Carlos Saldanha, Peter Jackson, Florian Henckel von Donnesmarck, Neil Blomkamp. E levou a febre do remake ao grau de epidemia.
Texto originalmente publicado no Blog da Ana Maira Bahiana

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