domingo, 30 de janeiro de 2011

Como explicar a avalanche de filmes mediúnicos?

No pequeno espaço de um mês, eu vi seis filmes estrangeiros que tratavam, com maior ou menor ênfase, da comunicação entre os vivos e os mortos: “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”, “Além da Vida”, “A Árvore”, “A Morte e Vida de Charlie”, “Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas” e “Biutiful”. Será que existe uma razão para essa invasão do além nos cinemas? Ou será uma coincidência?

Difícil responder. Mas acho que dá para afirmar ao menos que se trata de um evento bem diferente da onda espírita no cinema brasileiro. Aqui, me parece, estamos diante de um fenômeno de mercado: identificou-se um novo filão de público (a partir de “Bezerra de Menezes”) e passou-se a produzir filmes voltados para uma audiência específica (“Chico Xavier”, “Nosso Lar”), embora com o desejo, claro, de extrapolar esse universo. Para atingir o público do maior país espírita do mundo, o filme precisa ser um ato de fé. Ou seja, tratar a comunicação entre vivos e mortos como um dado não apenas concreto, como essencialmente positivo.

Já nas produções estrangeiras a visão é diversa. Elas não podem ser classificadas como filmes espíritas, e sim filmes sobre a mediunidade. Em “Além da Vida”, de Clint Eastwood, há o médium que vê seu dom como um fardo, a jornalista que busca evidências científicas para a comunicação com os mortos, o garoto que passa por vários mediuns charlatões antes de encontrar um honesto. Em “Biutiful”, de Alejandro González Iñárritu, a mediunidade de Javier Bardem também não é bolinho; entre outras coisas, ela obriga o personagem a se confrontar com os espíritos de pessoas que ele acidentalmente ajudou a matar.

Em “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”, Woody Allen parece, a princípio, nos oferecer um olhar irônico sobre a comunicação com os mortos, já que a médium do filme é uma canastrona; ao final, porém, sua previsão é acertada, e sua cliente realmente encontra o homem de seus sonhos, o que torna o filme no mínimo ambíguo. Já “Tio Boonmee” traz uma visão budista sobre o tema; nele, a vida após a morte é aceita como algo natural, pessoas e espíritos convivem serenamente, sem sobressaltos.

Voltando à pergunta do início do texto: existe alguma explicação para que tantos filmes, de lugares tão diversos, se voltem para a mediunidade neste momento? Alguém pode arriscar a tese de que o cinema está exaurido de narrativas realistas, de que os cineastas perceberam que aquilo que não pode ser visto é tão importante para sua arte do que aquilo que pode. Mas é uma tese de difícil comprovação. Assim como a vida depois da morte.


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