domingo, 30 de janeiro de 2011

Como explicar a avalanche de filmes mediúnicos?

No pequeno espaço de um mês, eu vi seis filmes estrangeiros que tratavam, com maior ou menor ênfase, da comunicação entre os vivos e os mortos: “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”, “Além da Vida”, “A Árvore”, “A Morte e Vida de Charlie”, “Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas” e “Biutiful”. Será que existe uma razão para essa invasão do além nos cinemas? Ou será uma coincidência?

Difícil responder. Mas acho que dá para afirmar ao menos que se trata de um evento bem diferente da onda espírita no cinema brasileiro. Aqui, me parece, estamos diante de um fenômeno de mercado: identificou-se um novo filão de público (a partir de “Bezerra de Menezes”) e passou-se a produzir filmes voltados para uma audiência específica (“Chico Xavier”, “Nosso Lar”), embora com o desejo, claro, de extrapolar esse universo. Para atingir o público do maior país espírita do mundo, o filme precisa ser um ato de fé. Ou seja, tratar a comunicação entre vivos e mortos como um dado não apenas concreto, como essencialmente positivo.

Já nas produções estrangeiras a visão é diversa. Elas não podem ser classificadas como filmes espíritas, e sim filmes sobre a mediunidade. Em “Além da Vida”, de Clint Eastwood, há o médium que vê seu dom como um fardo, a jornalista que busca evidências científicas para a comunicação com os mortos, o garoto que passa por vários mediuns charlatões antes de encontrar um honesto. Em “Biutiful”, de Alejandro González Iñárritu, a mediunidade de Javier Bardem também não é bolinho; entre outras coisas, ela obriga o personagem a se confrontar com os espíritos de pessoas que ele acidentalmente ajudou a matar.

Em “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”, Woody Allen parece, a princípio, nos oferecer um olhar irônico sobre a comunicação com os mortos, já que a médium do filme é uma canastrona; ao final, porém, sua previsão é acertada, e sua cliente realmente encontra o homem de seus sonhos, o que torna o filme no mínimo ambíguo. Já “Tio Boonmee” traz uma visão budista sobre o tema; nele, a vida após a morte é aceita como algo natural, pessoas e espíritos convivem serenamente, sem sobressaltos.

Voltando à pergunta do início do texto: existe alguma explicação para que tantos filmes, de lugares tão diversos, se voltem para a mediunidade neste momento? Alguém pode arriscar a tese de que o cinema está exaurido de narrativas realistas, de que os cineastas perceberam que aquilo que não pode ser visto é tão importante para sua arte do que aquilo que pode. Mas é uma tese de difícil comprovação. Assim como a vida depois da morte.


Blog: http://colunistas.ig.com.br/ricardocalil

Ninguém derruba o WikiLeaks

Por Agências

O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, disse que gosta de ver os bancos se contorcerem ao imaginar que eles podem ser os próximos alvos de seu site, que já publicou segredos da diplomacia e do exército norte-americanos.

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“Acho ótimo. Temos esses bancos todos se contorcendo, achando que talvez sejam eles”, disse Assange ao programa de TV 60 Minutes, da emissora CBS.

A emissora divulgou na sexta-feira, 28, parte da transcrição do programa que irá ao ar neste domingo.

As ações do Bank of America caíram mais de 3% no dia 30 de novembro do ano passado, quando investidores temeram que o maior banco dos EUA fosse vítima de algum vazamento de documentos.

O entrevistador Steve Kroft perguntou a Assange se ele tinha um HD de 5 gigabytes que pertencia a um dos executivos do banco, como ele mesmo já havia afirmado.

“Não farei nenhum comentário sobre o que iremos publicar”, disse o fundador do site, que está numa espécie de prisão domiciliar na Inglaterra, à espera de uma audiência de extradição para a Suécia sobre uma acusão de teor sexual que ele nega.

Assange disse à revista Forbes que o WikiLeaks planeja um “megavazamento” ao publicar dezenas de milhares de um grande banco norte-americano no início de 2011 que faria o banco ser investigado.

Em uma entrevista em outubro de 2009, ele contou à Computerworld que o WikiLeaks tinha obtido 5 gigabytes de dados de um HD de um executivo.

A entrevista da Forbes foi publicada logo que o site tornou públicos 250 mil documentos relativos a conversas entre o corpo diplomático norte-americano. Anteriormente, o WikiLeaks havia vazado quase 500 mil arquivos considerados top secret em relação às guerras do Iraque e do Afeganistação.

O vazamento dos documentos diplomáticos renderam várias manchetes pelo mundo, e revelaram que líderes da Arábia Saudita exigiram ação militar norte-americano contra o Irã e detalhavam contatos entre diplomatas norte-americanos e políticos dissidentes e de oposição em alguns países.

Assange disse ao 60 Minutes que ele espera retaliações pesadas dos EUA, mas que o governo americano não conseguiu derrubar seu site.

“Os EUA não têm a tecnologia para derrubar o site… Devido à forma como a nossa tecnologia foi construída, como a internet foi construída”, disse.

“Fomos atacados em alguns domínios particulares. Pequenas peças de infraestrutura foram derrubadas. Mas agora temos cerca de 2.000 sites completamente independentes, em que publicamos em todo o mundo. Quer dizer, é impossível nos derrubar”.

O site afirma ser uma organização sem fins lucrativos fundada por ativistas de direitos humanos, jornalistas e pelo público em geral. Lançado em 2006, o WikiLeaks promove o vazamento de informações para lutar contra a corrupção governamental e corporativa./REUTERS

Qwiki, a enciclopédia multimídia

Em meados de 2009, Doug Imbruce teve uma experiência frustrada tentando absorver informações sobre Buenos Aires, pois se preparava para viajar para a cidade argentina. Achou muita informação, mas nada exposto de uma maneira “natural”, agradável. Aquilo foi o que o motivou a criar não mais uma ferramenta de busca, mas uma vitrine humana e bonita para as toneladas de dados disponíveis na web.

Imbruce se uniu a Louis Monier, que havia participado da criação do buscador AltaVista, alguns investidores, mudou-se para Palo Alto, no Vale do Silício, Califórnia, e deu vida à sua ideia. Disso nasceu o Qwiki, uma enciclopédia digital feita sob alta carga multimídia, com texto, vídeos, fotos e narrações em áudio. Tudo se passa em uma espécie de apresentação, como se alguém estivesse contando para o usuário o que é aquele verbete e ao mesmo tempo mostrando fotos e filmagens sobre o tema (proposta inicial de Imbruce).

Na quinta-feira, 20, da semana passada o site voltou a ser comentário da mídia pelo anúncio de que teriam levantado cerca de US$ 9,5 milhões, durante uma rodada para angariar fundos de investimentos para o site. Mas a principal notícia foi a de que o maior investidor era Eduardo Saverin, o brasileiro que participou da criação da rede social Facebook, ao lado de Zuckerberg, e atual dono de 5% das ações da empresa.

O site faz uso de informações do Google, Wikipedia, imagens do Fotopedia e vídeo do Youtube e permite que o “verbete” seja embedado (replicado em outro site por código HTML), ou compartilhado via Twitter, Facebook e email. Para facilitar, o Qwiki criou o seu próprio encurtador (“qwi.ki”), e tem um mini-link para cada um dos “qwikis” criados.

Desde outubro do ano passado, o Qwiki estava disponível apenas para usuários convidados (o Link foi um deles). Nesta última segunda-feira, 24, o site abriu as portas – ou melhor, as janelas – para o público em geral. Na “nova versão Alpha”, os criadores pedem ainda por mais feedbacks (além dos já recebidos durante o período de teste de amigos), visando melhor o empreendimento.

Sobre cada “qwiki” (o nome dado aos verbetes) há uma janela escrita “Improve this Qwiki” (melhore este Qwiki), que abre outra permitindo que o usuário sugira uma foto, um vídeo, indique palavras narradas erradas ou comente se a velocidade da narração (uma voz feminina bem confortável de ser ouvida) está rápida ou lenta demais. Tem até um sistema de estrelinhas, para a avaliação qualitativa de cada verbete.

Em um artigo para a Newsweek, Imbruce, o CEO do Qwiki, comentou sobre a sua criação e analisa que, para ele, “a história da web tem sido dominada pela busca”. Partindo disso, ele conclui que ferramentas que melhorem essa atividade pode ser o negócio do futuro. “O Qwiki pode estar no próximo capítulo”, diz.

Já visitou o Qwiki? Vai lá.

sábado, 29 de janeiro de 2011

‘Zé Colmeia’, o filme: fique longe do urso

Os últimos dias de janeiro são um período de risco. Quem teve férias começa a se desesperar com o final delas, e quem não teve pode se deixar contaminar pelo clima de descontração e tentar fazer um programa diferente. É nessa hora que surgem ideias arriscadas, como tomar chuva em um parque, passar horas na estrada para se espremer em meio metro de areia… ou ir ao cinema e assistir a Zé Colmeia. Embora os riscos da chuva e das praias lotadas sejam conhecidos por todos, pouco se fala sobre os perigos de Zé Colmeia. Isso precisa mudar.

Zé Colmeia é o tipo de filme que costuma ser ignorado por revistas e jornais. Em temporada de Oscar, francamente, há assuntos mais interessantes – e não há espaço para tudo. Mas, como o filme conquistou o terceiro lugar nas bilheterias brasileiras, vale fazer um comentário. Um comentário que pode ser resumido em uma palavra: fuja.

Quem tem mais de vinte anos deve se lembrar, ao menos vagamente, dos desenhos de Zé Colmeia. Criado pelos estúdios Hanna-Barbera em 1958, o personagem destaca-se dos ursos comuns por seu chapéu, sua gravata e sua inteligência acima da média, usada com o nobre propósito de roubar cestas de piquenique no parque Jellystone.

Cinquenta e dois anos e duas reformas ortográficas depois, Zé Colmeia perdeu o acento e a dignidade. O novo filme do urso, que mistura animação digital com atores e cenários reais, traz de volta os principais personagens da franquia. Lá está Catatau, fiel companheiro de Zé em suas trapalhadas. O Guarda Chico virou Guarda Smith, desprezando a tradução original, mas continua firme na missão de impedir que a dupla de ursos quebre as rigorosas regras do parque. Tudo igual. Só faltou a graça.

Não é difícil imaginar por que a ideia de adaptar Zé Colmeia para o cinema daria errado. Em um desenho animado de meia hora, a história de um urso que gosta de roubar cestas de piquenique é o bastante para prender a atenção do espectador. Em um longa-metragem de 80 minutos, é pouco. Os roteiristas perceberam isso. E decidiram solucionar o problema com uma das decisões narrativas mais equivocadas da história das adaptações caça-níquel: deixar Zé Colmeia em segundo plano.

Para a surpresa dos espectadores, o personagem principal de Zé Colmeia não é Zé Colmeia, mas sim o Guarda Smith. Durante uma hora e vinte, acompanhamos as inquietações desse personagem riquíssimo em sua jornada para salvar o Parque Jellystone das garras de um prefeito corrupto, que quer vendê-lo para arrecadar dinheiro e comprar votos. O desafio de Smith é mostrar à população que a natureza é importante e o parque deve ser mais visitado. (Regra número 1 da animação caça-níqueis contemporânea: não há desenho que não fique melhor com lições de sustentabilidade.)

Em sua nobre tarefa, Smith conta com a ajuda de Rachel, uma jornalista que vai ao parque para filmar um documentário. Não é preciso dizer que Smith se apaixona por Rachel. “Eu me sinto como uma árvore se raiz”, diz o guarda. Tocante. Seria deselegante contar o final do filme… mas você já sabe o final do filme. (Regra número 2 da animação caça-níqueis contemporânea: todos querem ver um beijo do casal de protagonistas, não importa o quão desinteressante ele seja.)

Depois de alguns percalços, Smith decide que sua única escolha é se juntar ao seu arqui-inimigo Zé Colmeia e esquecer as brigas por cestas de piqueniques em nome de um interesse comum. (Regra número 3 da animação caça-níqueis contemporânea: a moral da história, invariavelmente, é que devemos aceitar as diferenças e aprender com elas.)

Diante dessa trama palpitante, os planos mirabolantes de Zé Colmeia para roubar cestas acabam ficando de lado. São duas ou três cenas – as mais engraçadas do filme, embora não se comparem ao desenho original. De resto, o personagem protagoniza uma série de piadas sem graça ou de mau gosto, sob medida para confundir o público infantil e provocar constrangimento nos adultos. Para completar, há um número musical que só deve agradar à plateia americana: o público brasileiro, felizmente, não se rendeu aos encantos de “I like big butts and I cannot lie”.

“Mas o filme foi feito para crianças”, alguém pode argumentar, como se a imaturidade do público justificasse a preguiça dos roteiristas. (Regra número 4 da animação caça-níqueis contemporânea: não se deixe levar pelos boatos – crianças inteligentes são tão raras quanto dublagens de boa qualidade.) É uma noção antiquada. Desde Toy story e Shrek, as animações de sucesso têm se destacado por aliar o visual encantador a roteiros inteligentes, capazes de entreter o público infantil e conquistar também os adultos. Filme infantil deixou de ser sinônimo de filme bobo. Up – altas aventuras não me deixa mentir.

Uma criança pode até dar uma ou outra risada (de leve) com Zé Colmeia, mas já tem inteligência e senso crítico suficientes para perceber que a diferença brutal de qualidade em relação a Toy story 3, indicado ao Oscar de Melhor Filme. Ou Enrolados, da Disney, que ainda está em cartaz e continua fazendo sucesso. Para quem quiser levar uma criança ao cinema, é uma boa escolha. E se os adultos estiverem atrás de uma dose de nostalgia, melhor esquecer os cinemas. É mais seguro alugar um DVD do Zé Colméia. Com acento – e com muito mais graça.

Jovens usam novas mídias nos protestos contra o governo

A internet e as redes sociais tiveram papel fundamental na mobilização da classe média jovem do Egito nos protestos antigoverno dos últimos dias. As manifestações, que já deixaram seis mortos e milhares de pessoas presas, foram inspiradas na recente revolta que derrubou o presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali. O Facebook e o Twitter tornaram-se ferramentas importantes para o movimento egípcio organizar os protestos de oposição ao regime. "O que aconteceu no Egito foi quase que totalmente organizado no Facebook", disse o blogueiro político Issander al-Amrani.

O Movimento de 6 de abril, grupo de ativistas pró-democracia fundado em 2008 e que age fundamentalmente na web, lançou uma pesquisa dias antes do início dos protestos perguntando quem iria participar das manifestações marcadas para o dia 25/1. Quase 90 mil pessoas responderam que sim, no que se tornou um dos maiores protestos antigoverno na história da administração de 30 anos do presidente Hosni Mubarak.

Bloqueios

Na tentativa de conter a disseminação de informações, o site de compartilhamento de vídeos sueco Bambuser e o Twitter foram bloqueados – embora a informação tenha sido negada pelo governo. Celulares também não tiveram sinal na praça Tahrir, no centro da capital, Cairo, que tem servido de ponto de encontro dos manifestantes. Diante das tentativas de bloqueio de informação, ativistas pró-democracia contra-atacaram divulgando dicas tecnológicas para superar os obstáculos e permitir que a mobilização continuasse.

O uso da internet no Egito cresceu significativamente nos últimos anos, de 23 milhões para mais de 80 milhões de internautas regulares ou casuais até o final de 2010, um aumento de 45% ao ano. A telefonia móvel também está crescendo, com 65 milhões de assinantes, 23% a mais ao ano. "A revolução da Tunísia foi, claro, uma inspiração. A escala inesperada dos protestos se deve a diversos fatores, incluindo obstáculos ao progresso político por conta do regime no poder há 30 anos", avalia Amr al-Choubaki, analista do Centro Ahram para Política e Estudos Estratégicos. Informações de Christophe de Roquefeuil [AFP, 26/1/11].

Vida depois do Facebook

Por Tom Brady em 25/1/2011

Reproduzido do Folha de S.Paulo / New York Times, 24/1/2011; intertítulo do OI

Quando a era das redes sociais estava entrando na corrente dominante, Rupert Murdoch pagou US$ 580 milhões por uma das propriedades mais quentes da internet -o MySpace. O executivo-chefe da concorrente na aquisição, a Viacom, foi demitido após seu patrão se queixar de que perder era uma "experiência humilhante".

Isso foi cinco anos atrás. Há poucas semanas, o MySpace demitiu a metade de seus 1.100 funcionários. O declínio do MySpace mais uma vez demonstra a fragilidade da mídia social, onde consumidores instáveis fazem serviços como Friendster subitamente parecerem indispensáveis, mas que desaparecem com a mesma rapidez. Segundo a empresa de marketing comScore, o MySpace relatou 54,4 milhões de usuários no final de novembro, 9 milhões a menos que no ano anterior.

"O MySpace era como uma grande festa, e a festa mudou de lugar", disse Michael J. Wolf, ex-presidente da MTV Networks, da Viacom, e sócio-gerente de uma firma de consultoria de mídia. "O Facebook tornou-se muito mais um serviço público e um veículo de comunicação."

Os detritos da Internet incluem muitos nomes que já foram famosos. Netscape. Infoseek. Alta Vista. CompuServe. Excite@Home.

Poderia o Facebook, que hoje recebe mais acessos que o Google, um dia juntar-se a eles? O que passa para a posteridade na era da internet? O que restará quando a poeira digital baixar?

"Democratização definitiva"

O Goldman Sachs investiu US$ 450 milhões no Facebook no início do mês, o que eleva o valor da empresa para US$ 50 bilhões. Mas antes que o Goldman comprasse essa participação, um poderoso grupo de investimentos da mesma companhia recusou a oportunidade de comprá-lo. Um motivo pelo qual Richard Friedman, um antigo sócio que administra o grupo, teria evitado o Facebook é que seu fundo foi prejudicado há dez anos após se carregar de favoritas de tecnologia e telecomunicações durante a bolha das pontocom. Um dos fundos da unidade, que levantou US$ 2,8 bilhões em 1998, investiu cerca de 70% de sua carteira em empresas da Internet.

A bolha das pontocom tornou-se uma bomba em 2001. Um dos investimentos do Goldman, a Webvan, despencou. Ela tinha sido apoiada de modo entusiástico pelo executivo-chefe do Goldman na época, Henry M. Paulson Jr., ex-secretário do Tesouro dos EUA. Ao que parece, Friedman aprendeu uma lição importante.

A Webvan.com, hoje propriedade da Amazon, continua viva. Uma das realidades assustadoras da era das redes sociais é que as impressões digitais persistem muito depois de os usuários terem partido do mundo físico. Dos mais de 500 milhões de membros do Facebook, cerca de 375 mil morrem anualmente nos EUA.

A arquitetura da web acelerou um dos aspectos mais impiedosos do capitalismo, a destruição criativa, em que empresas são postas de lado como velhos celulares. Mas é mais benigna quando se trata de legados pessoais.

"Posts" do Facebook, "tweets" do Twitter e vídeos do YouTube vão sobreviver depois que o corpo partir. Acontece que o ciberespaço pode ser mais generoso para os indivíduos do que as empresas que capitalizaram suas capacidades técnicas.

Paul Kimball, um cineasta da Nova Escócia, desenvolveu muitas amizades on-line e até colaborou em uma peça com um amigo do Facebook que morreu. Ele disse ao "Times" que "continua tendo essa conversa" com seu amigo postando um link para um dos posts do morto no Facebook e fazendo que as pessoas de seu círculo on-line reajam a ele.

"Estamos entrando em um mundo onde todos podemos deixar um legado, como George Bush ou Bill Clinton. Talvez seja a democratização definitiva", disse Kimball. "Ela dá a todos nós a possibilidade de sermos imortais."

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

"Conversaremos com os computadores"

Por Alexandre Matias em 25/1/2011

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 24/1/2011; título original "‘Conversaremos com os computadores como se fossem pessoas’"

Ele hipnotizou centenas de participantes da Campus Party ao contar sua trajetória no sábado (22/1), numa palestra que teve mais olhares atentos que a do ex-vice-presidente americano Al Gore, na terça-feira (18). Não era para menos: não bastasse ser um dos maiores nomes da história da computação, a história de Steve Wozniak, cofundador da Apple, é muito parecida com a da maioria dos participantes do evento que terminou ontem. Um nerd por excelência, o ex-parceiro de Steve Jobs falou ao público sobre a importância do bom humor e da paixão quando se quer escolher qualquer tipo de carreira enquanto contava a todos como inventou o computador como o conhecemos hoje. Antes da apresentação, Wozniak falou ao Estado de S.Paulo sobre outro assunto: o futuro da computação pessoal.

***

Em 2010, assistimos à entrada de dois novos aparelhos no mercado que causaram impacto na história da computação: o iPad, da Apple, e o Kinect, da Microsoft. Ambos são computadores pessoais, mas não são como o computador pessoal que o sr. concebeu.

Steve Wozniak – Claro, apesar de que as maiores mudanças nos computadores normalmente acontecem em novas formas de interação entre o ser humano e eles. É a forma como nós usamos nossos corpos, nossa visão... E essas formas de interação estão ficando cada vez mais humanas do que eram anteriormente. Acho que essa tendência vai continuar para sempre. Os computadores do futuro vão permitir diálogos como se eles fossem pessoas de verdade. Eu não acho que o reconhecimento de voz já está nesse ponto, mas tenho tantos aplicativos nos meus telefones que funcionam tão bem só com a voz que eu não quero voltar a seguir determinados procedimentos ou digitar comandos...

...nem sequer usar o mouse.

S.W. – Eu não quero usar o mouse, não quero usar o teclado, eu não quero ter de dizer para o computador que ele deve rodar um determinado programa. Eu só quero dizer: "Faça uma reserva para seis pessoas hoje à noite numa determinada churrascaria nesta cidade aqui". E quando você faz as coisas de forma humana, você não faz a mesma coisa sempre do mesmo jeito, você não diz a mesma frase exatamente do mesmo jeito todas as vezes que fala. Por isso, o reconhecimento de voz deve entender que você fala a mesma coisa de várias formas diferentes. E você não precisa mais se preocupar com erros de digitação se os comandos são pela voz. Então é realmente maravilhoso poder dizer... "Bom Deus" (suspira, como se estivesse aliviado). As partes complicadas dos computadores vão ficar para trás, até chegarmos a um ponto em que ele poderá olhar no meu rosto e dizer se estou cansado.

Então o sr. acha que tanto iPad e Kinect quanto os celulares atuais são estágios intermediários rumo a um outro tipo de computador ainda melhor?

S.W. – Sim, são ótimos estágios, como o próprio computador pessoal também foi. O PC só foi possível porque um certo tipo de tecnologia tornou-se disponível a um certo preço. E o mesmo aconteceu com outros tipos de tecnologia para que o iPad se tornasse viável: a tecnologia flash NAND para armazenamento de dados, fazendo com que não fossem necessárias peças enormes que consumiriam muita energia; a tecnologia de telas sensíveis ao toque, telas de alta resolução, baterias leves... Muitas dessas tecnologias vêm ao mesmo tempo, a um preço acessível, e permitem que determinados produtos façam sentido.

Há uma frase que diz que a tecnologia funciona de verdade quando as pessoas nem sequer percebem que a estão utilizando. O sr. acha que chegaremos a um ponto em que a tecnologia não será nem vista pelas pessoas?

S.W. – É difícil negar isso, mas também é difícil pensar em exemplos para hoje em dia. Será que eu vou ter pequenos implantes nos meus olhos que farão que eu veja o mundo da forma como determinada tecnologia quer que eu veja? Se for assim, quem está no controle? Estamos ficando cada vez mais dependentes da nossa tecnologia de forma que nem podemos desligá-la. Se nós pudermos desligá-la, estamos no controle; mas não podemos mais. E se tivermos carros que dirigem sozinhos? Uau, cara... Nós temos de ir, temos de confiar nisso, mas podemos chegar ao ponto em que a tecnologia talvez não precise mais da gente.

E aí, como vimos em filmes de ficção científica, pode ser que a tecnologia queira descartar o fator humano, pois atrapalha...

S.W. – É o que eu estou sugerindo – e isso já está acontecendo, mais do que podemos admitir. Quando as coisas acontecem devagar, você não as percebe acontecendo, mas quando estamos numa curva exponencial, as coisas podem mudar de uma vez só. Você consegue desligar seu computador? Consegue se desconectar da internet, desligar seu celular? Por quanto tempo? Por um ano? E se conseguir, que tipo de vida terá? E se todos resolverem fazer isso? Seria uma vida bem diferente da que levamos agora.

Mas até chegarmos a esse estágio, a tecnologia terá de evoluir bastante. Que estágios deveremos percorrer nos próximos dez anos?

S.W. – Num futuro próximo, não muito próximo, mas também não muito distante, se tornará bem difícil saber se você está lidando com um computador ou com uma pessoa de verdade. E será tão bom: falar, entender, combinar palavras e deixar que o computador faça o reconhecimento das palavras e até crie um tipo de relacionamento com as pessoas...

Mas o sr. acha que no futuro teremos amigos digitais?

S.W. – A ficção científica quase sempre fala em guerra entre homens e máquinas, quem será o vencedor, mas eu acho que criamos a tecnologia para melhorar nossas vidas. Estamos lidando com ela gradualmente, não há nenhuma batalha. Criamos a coisa mais próxima do cérebro humano que é a internet. Antes, perguntávamos para uma pessoa sábia quando precisávamos saber de alguma coisa, agora temos a busca do Google. Isso significa que parte de nosso cérebro já está fora de nossas cabeças, porque a internet cresceu tanto e nós não a criamos para ser um cérebro. Criamos a internet para colocar as pessoas em contato individualmente – e quando havia bilhões de pessoas em contato entre si, de repente, ela criou essa capacidade de funcionar como um cérebro.

E isso não assusta?

S.W. – Não, porque você não se assusta com isso. Não passamos por uma fase de medo. Nós simplesmente aceitamos que o Google seja mais inteligente do que qualquer pessoa que conheçamos. Todos nós aceitamos.

Não é assustador pensar em um futuro em que as pessoas terão apenas amigos digitais?

S.W. – Quando cresci eu era muito tímido, era um outsider. Eu ficava de fora de conversas normais, dos ritos sociais. E não tinha com quem falar. Tinha receio. Em todo lugar que eu ia, tentava ser o mais discreto, falar o mínimo possível, fazer o meu trabalho e cair fora. Agora esse mesmo tipo de pessoa passa o dia inteiro em seu quarto com um computador, com as portas fechadas, e tem relações sociais com pessoas de qualquer lugar do mundo, mesmo que sejam com pessoas tão restritas socialmente quanto ele.

Mas não existem pessoas digitais hoje em dia.

S.W. – Imagine você se apaixonar por alguém que você não sabe se é uma pessoa ou um robô. Oh, cara (ri)... Mas eu não acho que isso vai acontecer. Mas há quem se apaixone por seus computadores, então tudo bem.

E como será o computador do futuro?

S.W. – A questão é em quanto tempo no futuro... Eu acho que teremos um tipo de computador que, quando um aluno for para a escola, ele quer ficar com aquele computador como se fosse seu melhor amigo, que sabe tudo sobre ele, seus sentimentos, crenças e filosofias, mais do que um professor humano. Não consigo chutar em quantos anos isso acontecerá... Dez, vinte, trinta... Mas eu não estou falando em cem anos...

O que o sr. achou da Campus Party?

S.W. – Eu fui a algumas outras Campus Party e percebi que esse tipo de evento seria onde eu estaria se eu estivesse crescendo hoje. Sendo eu o tipo de pessoa que sou, que acredita no que eu acredito, nos meus computadores, na interação com outras pessoas parecidas. Eu estaria aqui, eu seria um campuseiro. Eis a grande atração: jovens cheios de ideias que querem explorar o que eles querem estar fazendo neste mundo dos computadores, o que isso vai significar para eles, o quanto isso é importante para eles, que mudanças e diferenças eles podem fazer...

As pessoas aqui falam em "orgulho nerd".

S.W. – Fico tão feliz em ouvir isso! Foi a melhor coisa que eu ouvi durante todo o dia de hoje! Há um tipo de evento que acontece tanto nos EUA quanto em alguns outros países chamado First Robotics. São times de segundo grau que constroem robôs, que são meio caros, do tamanho de pessoas, e eu vou julgar esses concursos sempre que posso. É um dia em que eles são tão importantes quanto os astros do cinema, os jogadores de futebol ou qualquer tipo de celebridade. É quando os geeks têm seu dia!

13 previsões tecnológicas para 2011

Por Dave Methvin em 25/1/2011

Reproduzido do IT Web,18/01/2011; intertítulos do OI

Para celebrar 2011, juntei alguns pensamentos e prognósticos para os próximos 12 meses. As coisas parecem bem animadas em todo lugar, com apenas algumas nuvens escuras que podem estragar a nossa diversão tecnológica.

1. A Microsoft irá desfrutar de um 2011 rentável. Não será devido a qualquer recente estratégia de gênio ou novos produtos da companhia, mas sim, graças ao Windows 7 e os upgrades do Office. A maioria das grandes companhias ainda não está pronta para ir para a nuvem e a ausência de solução da Microsoft parece muito traumática para muitos de seus consumidores contemplarem. Google Docs fará algumas incursões contra o Office, mas o novo Office 365 será apelativo o suficiente para prevenir grandes deserções – pelo menos a curto prazo. Quando as pessoas perceberem, a Microsoft talvez dê uma agitada na solução em nuvem.

2. A estratégia do "eu também" irá funcionar melhor do que o previsto para a Microsoft. Eles continuarão a abrir novas lojas de varejo, e talvez até mesmo uma app store para produtos de PC. Certamente, estão copiando descaradamente a Apple no conceito e execução, mas isso não é necessariamente uma coisa ruim. Comparar a experiência de comprar um computador Apple à de comprar um PC Windows numa loja de varejo como a Best Buy. Quando o vendedor da loja de varejo quiser cobrar 30 dólares extras por um pacote "PC Tuneup" que remove toda a "porcariaware" instalada pelo próprio fabricante de computador, você vai saber que o Windows está com problemas. Com suas próprias lojas, a Microsoft vai ter a oportunidade de em vez de fornecer uma boa experiência Apple, mostrar o melhor de seu Windows.

A morte do Internet Explorer

3. O Windows 8 será revelado, mas não será tão atrativo sem o kimono. A Microsoft vai buscar obstinadamente tentar manter o seu design SO-cabe-em-tudo mais uma vez com o upgrade do Windows 7, mas eles irão adicionar vários acompanhamentos na esperança de que talvez se ajuste a outras plataformas, como os tablets. Ao mesmo tempo, a companhia estará trabalhando em uma versão convertida do Windows Phone 7, rodando em processadores ARM, para ser sua resposta para tablets como o iPad. Eles não vão licenciar os direitos para a arquitetura ARM para nada.

4. Tablets irão machucar muito mais netbooks do que notebooks. Pessoas que querem um computador "de verdade" com um teclado ainda irão optar por um notebook grande, rodando o Windows 7. O mercado de netbook irá sofrer nas mãos do tablet; como um teclado na tela não é muito pior do que um pregado com chiclete, e além da razão nome-a-escolher ser alta em qualquer dispositivo. Esta não é uma consequência ruim para a Microsoft que, de qualquer maneira, não podia vender o Windows 7 para os netbooks baratos e irá preferir fornecer um Windows com base ARM para tablets que pode ser precificado independentemente do Windows 7. Eles só precisam solucionar isso rápido.

5. IE6 irá finalmente morrer, mas IE9 talvez não seja um grande sucesso. Com o declínio do XP e a preparação para seu enterro final em 2014, o uso do Internet Explorer 6 irá cair a níveis que finalmente justifiquem os grandes sites a tratá-lo como um pária. Embora o IE9 seja um navegador significativamente bom e que será lançado em 2011, será o primeiro lançamento do Internet Explorer que não coincidirá com uma nova versão do Windows. A parcela do mercado do IE8 tem sido ajudada pela adoção do Windows 7, mas o IE9 não ganhará esse encorajamento automático. Para compensar, a Microsoft tentará impulsionar um upgrade agressivo, mas muitos usuários irão se segurar. O Windows Mobile 7 vai ter o seu navegador atualizado por uma variante do IE7 que atualmente roda para o IE9, finalmente trazendo essa plataforma em paridade de recursos com os navegadores com base no Webkit usado por todos os outros grandes jogadores.

Impulso para a venda do iPhone

6. Solid-state drives (SSDs) tornam-se padrão em quase todos os notebooks e tablets. Com os dados dos usuários sendo armazenados na nuvem, não há mais uso para grandes drives. Esta transição será um pouco delicada para os fabricantes de PC, já que geralmente eles gostam de vender grandes drives a preços exorbitantes. Espera-se ver fabricantes de notebooks não enfatizando o tamanho do armazenamento e, em vez disso, aproveitando da melhor vida útil da bateria que se terá usando o SSDs. E é claro, você ainda pode comprar um SSD realmente grande, só irá lhe custar um braço ou uma perna – especialmente se for o preço de upgrade do fabricante.

7. A agonia superará a ação na neutralidade da rede. As operadoras de celular, em particular, irão além do papel de só assoviar, justificando a discriminação no tráfego e limites de largura de banda, dizendo que suas redes são incapazes de lidar com o crescente dilúvio de dados dos smartphones. Alguns provedores de conteúdo irão anunciar acordos para jogar com as operadoras e oferecer subornos; outros irão lutar contra a alta desigualdade aparente nesses acordos. O governo irá "estudar" isto intensamente durante 2011, mas a maioria dos acordos continuará.

8. Desenvolvimento do dispositivo móvel vai em direção aos navegadores. Android, Apple, RIM e Windows Phone 7 todos têm diferentes ambientes de desenvolvimento, o que significa que é caro desenvolver um aplicativo que sirva a todos. Mas todos eles carregam um navegador, exceto o Windows Phone, que tem um navegador com base Webkit. A base de navegadores de aplicativos pode ser bem mais portátil e muito menos custosa para desenvolvimento, já que eles requerem menos conhecimento específico da plataforma.

9. Android continuará a ganhar da Apple. Graças a um amplo espectro de novos handsets e tablets, o Android irá oferecer uma forte competição para o iPhone e o iPad. O muito falado Verizon dará um impulso para a venda do iPhone, se isso realmente acontecer, mas isso não durará muito, já que qualquer fã verdadeiro da Apple já está disposto a mudar. A dupla dinâmica Apple/Android irá acabar com a parte do BlackBerry, assustar a HP para desistir de relançar o WebOs e ter certeza que o Windows Phone 7 tenha dificuldade de crescimento. A Microsoft não desistirá em 2011; eles vão insistir, como fizeram com o Zune, e não desistir rapidamente, como fizeram com o Kin.

Um jornal grande passará a ser só digital

10. O produto moribundo Google Checkout irá ressuscitar como um aplicativo móvel. O novo celular Nexus S do Google é um dos primeiros a incluir a tecnologia Near-Fild Communication (NFC), que permite o celular ser usado como uma "carteira digital" para efetuar pagamentos. Até o final do ano, quase todos smartphones terão NFC e o Google se posicionará como condutor por realizar esses pagamentos. Os pagamentos com base NFC podem conseguir taxas de crescimento incríveis, especialmente se a economia continuar a melhorar esse ano. Ah, e será um cuidado extra para você não perder seu celular em 2011.

11. A realidade aumentada terá como alvo as empresas. O primeiro aplicativo de realidade aumentada, tal como o Word Lens, faz coisas maravilhosas, como traduzir sinais no local e em tempo real, mas eles têm sido orientados para os consumidores. Em 2011, veremos algumas aplicações de empresa-para-empresa, talvez na forma de apresentações que ganhem vida quando você tira uma foto dele com a câmera do seu celular. Talvez seja apenas um truque, mas o fator novidade irá garantir a atenção das pessoas.

12. Sua companhia vai começar a usar o IPv6 e talvez seja doloroso. Apesar de um grande ganho de terreno do IPv6 entregue pela indústria nos dez anos que se passaram, o IPv6 ainda é uma venda difícil para muitas organizações. Mas não é um alarme falso que o mundo está usando todos os endereços Ipv4. Então, uma transição séria tem que começar a acontecer esse ano. Isso abrirá múltiplos problemas de segurança, performance, aplicação e gerenciamento de rede. Os administradores de rede merecerão seu pagamento em 2011, com certeza.

13. Um jornal realmente grande irá parar de publicar em papel e passará a ser somente digital. Talvez isso seja muito apocalíptico, mas os próximos 12 meses irão mostrar. A indústria de jornais vem diminuindo mais rapidamente do que os competidores do Biggest Loser (reality show em que ganha quem perde mais peso). Todos veem isso chegando, mas ninguém quer enfrentar o problema. Este ano, um grande jornal, do mesmo porte do Washington Post ou do New York Times, decidirá cortar seus gastos e desistir do papel. Talvez eles mantenham uma edição de sábado, quem sabe.

A imprensa adora esquecer

Por Alberto Dines em 28/1/2011

Articulistas embasbacados e desprovidos de qualquer senso crítico afirmaram nos quatro cantos do mundo que o Wikileaks mudava tudo. A diplomacia, a política internacional e o próprio jornalismo jamais seriam os mesmos.

O sucesso do site de vazamentos criado pelo hacker Julian Assange foi tamanho que dois dos três jornalões nacionais (a Folha de S.Paulo e O Globo) não se vexaram em pegar carona no grupo dos cinco veículos globais que a ele se associaram.

Exatos dois meses depois, nesta pátria dos modismos ninguém quer mais ouvir as fofocas com data de validade vencida. Prova disso são os documentos vazados na terça-feira (25/1) contendo a opinião da ex-presidente chilena Michelle Bachelet a respeito de governos e líderes latino-americanos.

Sobre a ex-colega argentina Cristina Kirchner, a chilena disse que ela "tende a acreditar nos rumores e textos caluniosos publicados na imprensa e faz comentários desastrosos em público". Para ela, a democracia argentina "não é robusta e suas instituições são frágeis".

Pouco destaque

A respeito do nosso país, Michelle Bachelet foi ainda mais incisiva: "O Brasil goza de uma fama desproporcionada como mediador em conflitos regionais". Para ela, Lula é um zorro (raposa), inteligente e encantador, mas sua então candidata, Dilma Rousseff, distante e formal.

Publicadas com destaque pelo diário espanhol El País na quarta-feira (26), as candentes opiniões de Bachelet vazadas pelo Wikileaks ficaram de fora do noticiário de quinta-feira, no Brasil. A torneira giratória de Julian Assange já não tem charme, breve estará apenas nas colunas sociais.

A imprensa brasileira adora badalar e adora esquecer. Sobretudo as tragédias: duas semanas depois do maior desastre já acontecido no país, a tromba d’água na região serrana do Rio, há pelo menos dois dias só consegue produzir uma chamadinha na capa do Globo. Nos jornais da Paulicéia, nem isso.

Um dia na vida

Por Fred Leal

No dia 24 de julho de 2010 o mundo todo foi convidado a participar de um longa metragem coletivo, com produção de Ridley Scott e direção de Kevin Mcdonald. O resultado final é o filme “Life in a Day”, que estreia nesta quinta-feira simultaneamente no Festival de Sundance e ao vivo no YouTube.

Para compor o filme, Mcdonald e sua equipe decuparam mais de 80 mil clipes — um total de 4.500 horas de material bruto enviado por gente de todos os lugares do planeta. O filme poderá ser visto em seu canal oficial no YouTube a partir das 22h, com retransmissão no dia seguinte.

Diferentes países contam com diferentes horários de exibição, referentes a estreia do documentário no Festival de Sundance. Quem quiser uma prévia do que vem por aí no Life in a Day, o canal ainda apresenta diversos teasers e trechos de material bruto enviados à produção e especialmente selecionados. Confira um dos vídeos abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=DrxDs-KA_Xo

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Autor chileno causa polêmica ao 'urinar' em tumba de Jorge Luis Borges

Segundo editora, Labarca usou uma garrafa d'água na simulação


Um escritor chileno causou polêmica na Argentina ao lançar um livro em cuja capa aparece em uma foto urinando na tumba do autor argentino Jorge Luis Borges.

Reprodução
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Autor diz ter usado garrafa de água para foto

Eduardo Labarca, de 72 anos, definiu seu livro El enigma de los módulos (sem lançamento previsto no Brasil) como uma "homenagem" a Borges, consagrado autor de Ficções, O Aleph e outras obras.

Segundo a editora Catalonia, que lançou o livro no início de janeiro em Santiago, para a realização da foto Labarca simulou que estaria urinando sobre o túmulo de Borges, em um cemitério em Genebra, na Suíça, usando uma garrafa d'água.

"Como admirador de Borges, decidi que ficava bem ali (na capa) porque meus 'módulos' são textos que talvez não tivessem existido se eu não tivesse lido Borges de forma apaixonada desde a minha adolescência", disse Labarca à BBC Brasil.

"Além disso, quis castigar o cidadão Borges porque ele viajou para o Chile, já doente e idoso, em dezembro de 1975, para saudar e apoiar (Augusto) Pinochet, ditador chileno, quando naqueles mesmos dias seus agentes torturavam e faziam desaparecer dezenas de pessoas. O grande escritor era um cidadão lamentável", afirmou.

Labarca, porém, disse que se surpreendeu com a repercussão ao seu "gesto simbólico" e que não quis ofender os argentinos nem a memória de Borges.

O secretário de Cultura da Argentina (cargo equivalente ao de ministro), Jorge Coscia, disse que a iniciativa de Labarca é "um ato de mau gosto" e uma "violação".

"Não se ganha nada ao urinar numa tumba", afirmou.

'Humor borgeano'
No convite de lançamento, distribuído pela Catalonia, Labarca afirma que a presença de Borges em sua vida foi "intrigante" e a "prosa (do argentino) se infiltrou alguma vez" na sua literatura.

"Por isso, fui a sua tumba não para ultrajar sua memória, mas para lhe fazer uma homenagem de despedida", disse Labarca.

"Ao urinar, pedi ao homem de letras cujos restos descansavam ali que recebesse esse meu último tributo como humor 'borgeano'".

De acordo com a assessoria de imprensa da editora, os textos de Labarca seguem o estilo "borgeano" e por isso se decidiu pela foto de capa, tirada há cinco anos e parte do arquivo pessoal do autor. O gesto foi interpretado, pela editora, como "arte em ação".

A Catalonia define o livro como uma "obra amena, dramática e hilariante", que mostra as "surpreendentes atuações do autor Labarca nas universidades e institutos da Europa". O escritor chileno mora entre a Áustria e o Chile.


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Do lixão para a noite de gala de Hollywood

Tião Santos, representante de catadores de aterro tema de documentário indicado ao Oscar, se divide entre entrevistas e mobilização dos colegas


Roberta Pennafort - O Estado de S.Paulo

Eleito pelo artista plástico Vik Muniz "embaixador de Gramacho", Tião Santos, de 32 anos, uma vida inteira chafurdada no lixo despejado naquele que é o maior aterro sanitário da América Latina, promete: se Lixo Extraordinário - o filme que coestrela com o artista e seus companheiros catadores - ganhar o Oscar de melhor documentário, "vai ser o maior mico de todos os Oscars". Maior até do que o do diretor italiano Roberto Benigni quando venceu A Vida é Bela.

"Sou emotivo. Vou dar um grito, acompanhado de choro. Tenho certeza que vamos ganhar", justifica Santos, presidente da Associação de Catadores de Material Reciclável de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Gregário, articulado e engajado até o último dreadlock, leitor de Nietzsche, Maquiavel e Dan Brown, o futuro sociólogo (ainda vai terminar o Ensino Médio, mas já pensa na universidade), parece um líder natural, aos olhos de quem o observa em ação.

Ontem, depois de dar oito entrevistas, motivadas pelo anúncio da indicação do filme dos diretores João Jardim, Karen Harley e Lucy Walker (esta, inglesa) ao maior prêmio do cinema, e de posar para o Estado sobre uma montanha de plástico já separado, o presidente da associação conduziu uma assembleia com cerca de cem catadores.

No galpão da entidade, num calor inimaginável, enxugava o suor da testa com a camiseta enquanto tentava conscientizar a plateia sobre a importância da união da categoria. Fundamental neste momento de desativação do aterro, que torna iminente a perda de trabalho para 2,5 mil pessoas, diretamente, e 7 mil, indiretamente (os comerciantes das redondezas), nas contas dos próprios. Consegue-se chegar a R$ 1,2 mil mensais, segundo contam.

"Lá fora, a coleta se deu pela questão ambiental; aqui, foi pela exclusão social", diz Santos, com a experiência de quem já observou de perto o sistema alemão, espanhol e sul-coreano - viajou graças à circulação do filme, premiado nos festivais de Berlim e Sundance.

"O governo acha que somos uma cambada de idiotas. Não pode fechar e acabou", diz Santos. "Precisamos de uma proposta. São famílias inteiras, com taxa de natalidade de quatro, cinco filhos, e senhoras que trabalharam a vida toda e precisam de uma aposentadoria", explica o catador.

Origem. As filmagens foram há três anos. A ideia de Vik, artista conhecido pela utilização de materiais não convencionais em suas obras, era montar uma série de quadros a partir de objetos coletados no aterro, usando os catadores como assistentes e filmando todo o processo. "O que mais me impressionou foi a determinação, o empreendedorismo deles. Não quero endeusar ninguém, mas eles conseguem isso mesmo em um ambiente inóspito daqueles", conta o diretor João Jardim.

Ninguém ali imaginava que chegaria tão longe. "Antes a gente não tinha voz; agora, estamos falando para o mundo todo", orgulha-se José Carlos Lopes, o Zumbi, catador desde criança.

"Nós inventamos uma profissão. É insalubre, mas é melhor do que passar fome. Quando anunciam que vão fechar uma fábrica da Volkswagen, todo mundo se mexe. Se é aqui, ninguém fala nada", lamenta Glória Santos, irmã de Tião. Desde que ele ganhou fama, por conta da parceria com Vik - cujo resultado foi visto também na abertura da recém finalizada novela Passione -, ela faz as vezes de sua assessora de imprensa.

É Glória quem adverte, logo na chegada da reportagem, repetindo a frase-chave do irmão: "Não somos catadores de lixo, e sim de material reciclável. Quem cata lixo é visto como lixo." Os dois há anos já não estão no aterro - ficaram na parte administrativa da associação.

O sonho agora é que a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), da capital fluminense, de onde chegam milhares de toneladas de dejetos diariamente, leve a cabo os fundos prometidos para amparar os futuros desempregados

GOVERNO VAI PROPOR CONCESSÃO ÚNICA PARA TODAS AS MÍDIAS

CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS LEVA GOVERNO A DESISTIR DE VETO À PROPRIEDADE CRUZADA
Autor(es): A gência o globo : Cida Damasco, João Bosco Rabello e Ricardo Gandour
O Estado de S. Paulo - 27/01/2011

Diante do avanço tecnológico, novo governo já estuda a possibilidade de concessão única para os veículos de comunicação e altera rumo do debate; conselheiro da Anatel admite que nova visão sobre o assunto imporá mudanças na agência

O governo vai abandonar o debate sobre a proibição da propriedade cruzada nos meios de comunicação por estar convencido de que o desenvolvimento tecnológico tornou a discussão obsoleta. O conceito de convergência das mídias, que consolidou o tráfego simultâneo de dados e noticiários em todas as plataformas - da impressa à digital -, pôs na mesa do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, um projeto de concessão única. Propriedade cruzada é o domínio, pelo mesmo grupo de comunicação, de concessões para operar diferentes plataformas (TV, rádio, jornal e portais).

A inversão do processo, que estudava a proibição da propriedade cruzada e agora a consolida, partiu da constatação de que os veículos de comunicação hoje têm num só portal seus noticiários de jornal, rádio e televisão, na maioria dos casos funcionando num mesmo ambiente físico e virtual, com aproveitamento de toda produção de conteúdos.

O conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Resende, considera a concessão única "inevitável" para ser discutida e implementada num prazo de cinco anos. Isso imporia na sua avaliação uma reforma na própria Anatel, que hoje trata os meios de comunicação de forma isolada.

O ministério das Comunicações ainda defende a extensão aos meios de comunicação digital (portais) do limite de 30% de capital estrangeiro que hoje vigora para jornais, rádio e televisão.

A orientação da presidente Dilma Rousseff é priorizar as questões objetivas que pressionam o mercado e trabalhar o projeto de regulamentação da mídia em ritmo que privilegie sua qualidade e consistência. "O projeto vai andar sem pressa e sem contaminação ideológica", disse ao Estado uma fonte do governo.

A mudança de estratégia corresponde à avaliação de que o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi tumultuado por sucessivas tentativas de tornar concretas propostas polêmicas, como o Conselho Federal de Jornalismo, com a pretensão de "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão do jornalista". Trazia ainda a proposta de um novo marco regulatório das comunicações que viabilizasse sanções aos veículos que infringissem as regras do Conselho.

Sutilezas. Também sem açodamento que possa causar danos políticos ao governo, as mudanças incluirão gradativamente o cumprimento da norma constitucional que veda a concessão de emissoras de rádio e TV a parlamentares. Sutilezas na interpretação dessas regras flexibilizaram-nas de tal forma que se tornou comum a figura do parlamentar empresário de comunicação.

O ministro Paulo Bernardo já expôs publicamente sua posição contrária à detenção de outorgas de rádio e TV por parlamentares, mesmo consciente de que as dificuldades são grandes nessa direção. "É mais fácil fazer um impeachment do presidente do que cassar uma concessão", disse o ministro em entrevista ao Estado no último dia 3.

Grande parcela de parlamentares usa "laranjas" como titulares de emissoras de sua propriedade. Bernardo já teria admitido essa fragilidade, mas a alegação do governo é que o ministério se baseia em documentos públicos para conceder a outorga. A visão hoje, no ministério, é que a Polícia Federal e o Ministério Público são instâncias preparadas para investigar se houve má fé no processo de concessão.

Administradas à parte essas questões, o governo abre caminho para ações mais objetivas como deseja a presidente. É nesse contexto que o ministro assinou convênio ontem transferindo à Anatel a tarefa de exercer a fiscalização no campo das telecomunicações no território nacional.

Objeto histórico de disputa entre a agência e o ministério, a fiscalização foi sempre uma ficção porque este último, com só 270 técnicos, não dispõe de quadros suficientes para a demanda. Já a Anatel tem 1,3 mil funcionários especializados. A legislação estabelece que a fiscalização é do ministério, mas pode ser delegada. / COLABOROU KARLA MENDES


PARA ENTENDER


O marco regulatório das comunicações, em gestação no governo, tratará não só da convergência de mídias mas também da regulamentação dos artigos da Constituição que tratam de produção nacional, regional e independente (220, 221 e 222). A participação de capital estrangeiro nas empresas, previsto no art. 222, é outra vertente - que até já provocou audiências públicas no Congresso, após denúncias de descumprimento do limite de 30% de capital estrangeiro em empresas de comunicação. No cerne da questão, a tarefa de definir se sites e portais se enquadram nessa limitação, já que veiculam conteúdo jornalístico e muitos de seus donos são reconhecidamente estrangeiros.

O governo também prevê a criação de uma agência reguladora para cuidar, a posteriori, do conteúdo veiculado pela mídia, mas ainda não decidiu se dará mais poderes à Anatel ou se criará para isso nova agência, como ocorre em outros países. O governo alega que um novo marco é necessário porque o atual, de 1962, é incompatível com a nova realidade do País.


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O cidadão midiático e a era da confusão informativa

O norte-americano Dan Gillmor acaba de publicar um livro que está dando o que falar. Depois de funcionar como o grande arauto da revolução informativa no seu livro We, the Media [1], lançado em 2004, Gillmor usa agora um tom bem mais cauteloso ao analisar o que ele chamou de “era da confusão informativa”.

O ex-cronista de tecnologia do jornal San José Mercury News e atual consultor da Fundação Knight para empreendedorismo jornalístico online, reconhece que a avalancha informativa na web ultrapassou todas as previsões e que o público começa a dar sinais de uma preocupante tendência: uma ressaca cognitiva.

As pesquisas consultadas por Gillmor em seu novo livro, intitulado MediaActive [2], mostram que os consumidores de informação começam a demonstrar crescente intolerância diante da enorme quantidade de notícias que circulam na web e na imprensa ao constatar que a maioria delas são meias verdades ou totalmente falsas.

Este é um comportamento que já havia sido previsto por vários autores mencionados aqui nos posts do Código, há algum tempo, como um desdobramento inevitável da avalancha de dados, informações e conhecimentos publicados na web. Os dados são impressionantes. Em 2002, todo o acervo [3] de documentos digitalizados na internet não passava de 5 bilhões de exabytes. Em 2009, este total disparou para 281 bilhões de exabytes [4].

As informações produzidas por indivíduos e publicadas na web sob forma de blogs, tweets, fóruns, chats, redes sociais, bancos de dados, páginas web, noticias etc aumentaram 15 vezes entre 2006 e 2009. Segundo Mark Hurd, presidente da empresa de informática Hewlett Packard, nos próximos quatro anos a quantidade de informações publicadas na web será maior do que tudo o que foi produzido pela humanidade até agora em matéria de conhecimento.

Estatísticas como essas causam impacto, mas as pessoas comuns estão se dando conta muito lentamente do que isso significa no nosso quotidiano. Elas só começam a sentir os efeitos da avalancha informativa quando percebem sua incapacidade de poder contextualizar as notícias diante da diversidade de versões.

Gillmor é um dos muitos estudiosos da informação online que depois de se deslumbrar com as incríveis potencialidades do mundo digital e da internet começa a agora a dar-se conta do potencial de incertezas e desorientação gerado pela democratização cada vez maior na produção de conteúdos noticiosos, tanto no formato escrito como no audiovisual.

Está ocorrendo um fenômeno curioso. Os deslumbrados com a revolução digital tornam-se agora mais céticos e desconfiados enquanto os tecnofóbicos, contrariando as expectativas, tornam-se cada vez mais presentes nos fóruns, comunidades virtuais, twitter e blogs, como mostram as pesquisas sobre participação crescente da terceira idade na internet.

Mas não é só isso. Não dá mais para voltar atrás e não nos resta outra alternativa senão enfrentar os dilemas da era da confusão informativa desenvolvendo os recursos necessários para tornar mais confortável a convivência com a dúvida e com a incerteza.

É o que propõe o exercício da leitura crítica, um recurso informativo que até agora era considerado privilégio dos intelectuais e acadêmicos, mas que começa a ser praticado até mesmo pelos leitores de jornais, revistas ou telespectadores. Sem a leitura crítica fica difícil conviver com o tiroteio informativo presenciado diariamente em nossos jornais, revistas e telejornais.

Quem não se dispuser a desenvolver o seu próprio kit de leitura critica, provavelmente será empurrado para duas opções, ambas igualmente arriscadas: a descrença total, o que equivale a um autismo informativo, e a credibilidade incondicional, similar a um ato de fé cega. Ambas muito próximas do fanatismo.



[1] Traduzido para o português pela editora lusitana Presença, com o título Nós, os Medias (2005).

[2] O texto integral do livro, em inglês, pode ser baixado no endereço: http://mediactive.com/wp-content/uploads/2010/12/mediactive_gillmor.pdf

[3] Dados divulgados em agosto de 2010 por Marissa Mayer, vice-presidente de pesquisas da empresa Google.

[4] Cada exabyte equivale a 1.152.921.504.606,84 de megabytes Bytes (um trilhão de megabytes) ou 1 152 921 504 606 846 976 Bytes.

EXCLUSIVO: Brasileiros entrevistam Julian Assange

“Não somos uma organização exclusivamente da esquerda. Somos uma organização exclusivamente pela verdade e pela justiça”. Essa é apenas uma das muitas afirmações feitas pelo fundador e publisher do WikILeaks, Julian Assange, em entrevista aos internautas brasileiros.

A entrevista será publicada por diversos blogs, entre eles: Blog do Nassif, Viomundo, Nota de Rodapé, Maria Frô, Trezentos, Fazendo Média, FAlha de S Paulo, O Escrevinhador, Blog do Guaciara, Observatório do Direito à Comunicação, Blog da Dilma, Futepoca, Elaine Tavares, Blog do Mello, Altamiro Borges, Doutor Sujeira, Blog da Cidadania, Óleo do Diabo, Escreva Lola Escreva.

Julian, que enfrenta um processo na Suécia por crimes sexuais e atualmente vive sob monitoramento em uma mansão em Norfolk, na Inglaterra, concedeu a entrevista para internautas que enviaram perguntas a este blog.

Eu selecionei doze perguntas dentre as cerca de 350 que recebi – e não foi fácil. Acabei privilegiando perguntas muito repetidas, perguntas originais e aquelas que não querem calar. Infelizmente, nem todos foram contemplados. Todas as perguntas serão publicadas depois.

No final, os brasileiros não deram mole para o criador do WikiLeaks. Julian teve tempo de responder por escrito e aprofundar algumas questões.

O resultado é uma entrevista saborosa na qual ele explica por que trabalha com a grande mídia – sem deixar de criticá-la -, diz que gostaria de vir ao Brasil e sentencia: distribuir informação é distribuir poder.

Em tempo: se virasse filme de Hollywood, o editor do WikiLeaks diz que gostaria de ser interpretado por Will Smith.

A seguir, a entrevista.

Vários internautas - O WikiLeaks tem trabalhado com veículos da grande mídia – aqui no Brasil, Folha e Globo, vistos por muita gente como tendo uma linha política de direita. Mas além da concentração da comunicação, muitas vezes a grande mídia tem interesses próprios. Não é um contra-senso trabalhar com eles se o objetivo é democratizar a informação? Por que não trabalhar com blogs e mídias alternativas?

Por conta de restrições de recursos ainda não temos condições de avaliar o trabalho de milhares de indivíduos de uma vez. Em vez disso, trabalhamos com grupos de jornalistas ou de pesquisadores de direitos humanos que têm uma audiência significativa. Muitas vezes isso inclui veículos de mídia estabelecidos; mas também trabalhamos com alguns jornalistas individuais, veículos alternativos e organizações de ativistas, conforme a situação demanda e os recursos permitem.

Uma das funções primordiais da imprensa é obrigar os governos a prestar contas sobre o que fazem. No caso do Brasil, que tem um governo de esquerda, nós sentimos que era preciso um jornal de centro-direita para um melhor escrutínio dos governantes. Em outros países, usamos a equação inversa. O ideal seria podermos trabalhar com um veículo governista e um de oposição.

Marcelo Salles – Na sua opinião, o que é mais perigoso para a democracia: a manipulação de informações por governos ou a manipulação de informações por oligopólios de mídia?

A manipulação das informações pela mídia é mais perigosa, porque quando um governo as manipula em detrimento do público e a mídia é forte, essa manipulação não se segura por muito tempo. Quando a própria mídia se afasta do seu papel crítico, não somente os governos deixam de prestar contas como os interesses ou afiliações perniciosas da mídia e de seus donos permitem abusos por parte dos governos. O exemplo mais claro disso foi a Guerra do Iraque em 2003, alavancada pela grande mídia dos Estados Unidos.

Eduardo dos Anjos – Tenho acompanhado os vazamentos publicados pela sua ONG e até agora não encontrei nada que fosse relevante, me parece que é muito barulho por nada. Por que tanta gente ao mesmo tempo resolveu confiar em você? E por que devemos confiar em você?

O WikiLeaks tem uma história de quatro anos publicando documentos. Nesse período, até onde sabemos, nunca atestamos ser verdadeiro um documento falso. Além disso, nenhuma organização jamais nos acusou disso. Temos um histórico ilibado na distinção entre documentos verdadeiros e falsos, mas nós somos, é claro, apenas humanos e podemos um dia cometer um erro. No entanto até o momento temos o melhor histórico do mercado e queremos trabalhar duro para manter essa boa reputação.

Diferente de outras organizações de mídia que não têm padrões claros sobre o que vão aceitar e o que vão rejeitar, o WikiLeaks tem uma definição clara que permite às nossas fontes saber com segurança se vamos ou não publicar o seu material.

Aceitamos vazamentos de relevância diplomática, ética ou histórica, que sejam documentos oficiais classificados ou documentos suprimidos por alguma ordem judicial.

Vários internautas – Que tipo de mudança concreta pode acontecer como consequência do fenômeno Wikileaks nas práticas governamentais e empresariais? Pode haver uma mudança na relação de poder entre essas esferas e o público?

James Madison, que elaborou a Constituição americana, dizia que o conhecimento sempre irá governar sobre a ignorância. Então as pessoas que pretendem ser mestras de si mesmas têm de ter o poder que o conhecimento traz. Essa filosofia de Madison, que combina a esfera do conhecimento com a esfera da distribuição do poder, mostra as mudanças que acontecem quando o conhecimento é democratizado.

Os Estados e as megacorporações mantêm seu poder sobre o pensamento individual ao negar informação aos indivíduos. É esse vácuo de conhecimento que delineia quem são os mais poderosos dentro de um governo e quem são os mais poderosos dentro de uma corporação.

Assim, o livre fluxo de conhecimento de grupos poderosos para grupos ou indivíduos menos poderosos é também um fluxo de poder, e portanto uma força equalizadora e democratizante na sociedade.

Marcelo Träsel - Após o Cablegate, o Wikileaks ganhou muito poder. Declarações suas sobre futuros vazamentos já influenciaram a bolsa de valores e provavelmente influenciam a política dos países citados nesses alertas. Ao se tornar ele mesmo um poder, o Wikileaks não deveria criar mecanismos de auto-vigilância e auto-responsabilização frente à opinião pública mundial?

O WikiLeaks é uma das organizações globais mais responsáveis que existem.

Prestamos muito mais contas ao público do que governos nacionais, porque todo fruto do nosso trabalho é público. Somos uma organização essencialmente pública; não fazemos nada que não contribua para levar informação às pessoas.

O WikiLeaks é financiado pelo público, semana a semana, e assim eles “votam” com as suas carteiras.

Além disso, as fontes entregam documentos porque acreditam que nós vamos protegê-las e também vamos conseguir o maior impacto possível. Se em algum momento acharem que isso não é verdade, ou que estamos agindo de maneira antiética, as colaborações vão cessar.

O WikiLeaks é apoiado e defendido por milhares de pessoas generosas que oferecem voluntariamente o seu tempo, suas habilidades e seus recursos em nossa defesa. Dessa maneira elas também “votam” por nós todos os dias.

Daniel Ikenaga – Como você define o que deve ser um dado sigiloso?

Nós sempre ouvimos essa pergunta. Mas é melhor reformular da seguinte maneira: “quem deve ser obrigado por um Estado a esconder certo tipo de informação do resto da população?”

A resposta é clara: nem todo mundo no mundo e nem todas as pessoas em uma determinada posição. Assim, o seu médico deve ser responsável por manter a confidencialidade sobre seus dados na maioria das circunstâncias – mas não em todas.

Vários internautasEm declarações ao Estado de São Paulo, você disse que pretendia usar o Brasil como uma das bases de atuação do WikiLeaks. Quais os planos futuros? Se o governo brasileiro te oferecesse asilo político, você aceitaria?

Eu ficaria, é claro, lisonjeado se o Brasil oferecesse ao meu pessoal e a mim asilo político. Nós temos grande apoio do público brasileiro. Com base nisso e na característica independente do Brasil em relação a outros países, decidimos expandir nossa presença no país. Infelizmente eu, no momento, estou sob prisão domiciliar no inverno frio de Norfolk, na Inglaterra, e não posso me mudar para o belo e quente Brasil.

Vários internautasVocê teme pela sua vida? Há algum mecanismo de proteção especial para você? Caso venha a ser assassinado, o que vai acontecer com o WikiLeaks?

Nós estamos determinados a continuar a despeito das muitas ameaças que sofremos. Acreditamos profundamente na nossa missão e não nos intimidamos nem vamos nos intimidar pelas forças que estão contra nós.

Minha maior proteção é a ineficácia das ações contra mim. Por exemplo, quando eu estava recentemente na prisão por cerca de dez dias, as publicações de documentos continuaram.

Além disso, nós também distribuímos cópias do material que ainda não foi publicado por todo o mundo, então não é possível impedir as futuras publicações do WikiLeaks atacando o nosso pessoal.

Helena Vieira - Na sua opinião, qual a principal revelação do Cablegate? A sua visão de mundo, suas opiniões sobre nossa atual realidade mudou com as informações a que você teve acesso?

O Cablegate cobre quase todos os maiores acontecimentos, públicos e privados, de todos os países do mundo – então há muitas revelações importantíssimas, dependendo de onde você vive. A maioria dessas revelações ainda está por vir.

Mas, se eu tiver que escolher um só telegrama, entre os poucos que eu li até agora – tendo em mente que são 250 mil – seria aquele que pede aos diplomatas americanos obter senhas, DNAs, números de cartões de crédito e números dos vôos de funcionários de diversas organizações – entre elas a ONU.

Esse telegrama mostra uma ordem da CIA e da Agência de Segurança Nacional aos diplomatas americanos, revelando uma zona sombria no vasto aparato secreto de obtenção de inteligência pelos EUA.

Tarcísio Mender e Maiko Rafael Spiess - Apesar de o WikiLeaks ter abalado as relações internacionais, o que acha da Time ter eleito Mark Zuckerberg o homem do ano? Não seria um paradoxo, você ser o “criminoso do ano”, enquanto Mark Zuckerberg é aplaudido e laureado?

A revista Time pode, claro, dar esse título a quem ela quiser. Mas para mim foi mais importante o fato de que o público votou em mim numa proporção vinte vezes maior do que no candidato escolhido pelo editor da Time. Eu ganhei o voto das pessoas, e não o voto das empresas de mídia multinacionais. Isso me parece correto.

Também gostei do que disse (o programa humorístico da TV americana) Saturday Night Live sobre a situação: “Eu te dou informações privadas sobre corporações de graça e sou um vilão. Mark Zuckerberg dá as suas informações privadas para corporações por dinheiro – e ele é o ‘Homem do Ano’.”

Nos bastidores, claro, as coisas foram mais interessantes, com a facção pró- Assange dentro da revista Time sendo apaziguada por uma capa bastante impressionante na edição de 13 de dezembro, o que abriu o caminho para a escolha conservadora de Zuckerberg algumas semanas depois.

Vinícius Juberte – Você se considera um homem de esquerda?

Eu vejo que há pessoas boas nos dois lados da política e definitivamente há pessoas más nos dois lados. Eu costumo procurar as pessoas boas e trabalhar por uma causa comum.

Agora, independente da tendência política, vejo que os políticos que deveriam controlar as agências de segurança e serviços secretos acabam, depois de eleitos, sendo gradualmente capturados e se tornando obedientes a eles.

Enquanto houver desequilíbrio de poder entre as pessoas e os governantes, nós estaremos do lado das pessoas.

Isso é geralmente associado com a retórica da esquerda, o que dá margem à visão de que somos uma organização exclusivamente de esquerda. Não é correto. Somos uma organização exclusivamente pela verdade e justiça – e isso se encontra em muitos lugares e tendências.

Ariely Barata – Hollywood divulgou que fará um filme sobre sua trajetória. Qual sua opinião sobre isso?

Hollywood pode produzir muitos filmes sobre o WikiLeaks, já que quase uma dúzia de livros está para ser publicada. Eu não estou envolvido em nenhuma produção de filme no momento.

Mas se nós vendermos os direitos de produção, eu vou exigir que meu papel seja feito pelo Will Smith. O nosso porta-voz, Kristinn Hrafnsson, seria interpretado por Samuel L Jackson, e a minha bela assistente por Halle Berry. E o filme poderia se chamar “WikiLeaks Filme Noire”

Texto original:http://cartacapitalwikileaks.wordpress.com/

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Cineasta Bernd Eichinger, de "O Nome da Rosa", morre aos 61 anos

O cineasta alemão Bernd Eichinger, produtor de sucessos como "Resident Evil" e "O Nome da Rosa", morreu aos 61 anos, disse sua produtora na terça-feira (25).

Ele sofreu um ataque cardíaco em Los Angeles, onde vivia, enquanto jantava com parentes e amigos, disse a produtora Constantin Media em nota.

Seu trabalho incluiu dramas como "Eu, Christiane F.", de 1982, história real de uma adolescente alemã viciada em drogas, a fantasia "História Sem Fim" e o thriller medieval "O Nome da Rosa", com Sean Connery, baseado no romance homônimo de Umberto Eco.

Seu perturbador "O Perfume" (2006), baseado num romance de Patrick Sueskind, conta a história de um jovem com olfato superapurado, que comete um homicídio ao buscar o perfume perfeito.

Como roteirista, Eichinger foi indicado ao Oscar em 2004 por "A Queda", que retrata os últimos dias de Adolf Hitler no seu bunker em Berlim.

O filme, do qual ele também foi produtor, quebrou um tabu entre os cineastas da Alemanha do pós-guerra, temerosos de humanizarem a figura do ditador nazista ao fazê-lo ser interpretado por um ator. Até então, os filmes alemães tendiam a só mostrar Hitler em imagens reais de arquivo.

Eichinger também tratou do tema da guerrilha esquerdista Fração do Exército Vermelho, em seu filme "O Grupo Baader Meinhof" (2008).

Quarteto Fantástico vira trio com a morte do Tocha Humana

Johnny Storm morre depois de uma batalha na edição número 587.
Mortes nos quadrinhos são famosas por alavancar suas vendas.


A Marvel revelou nesta terça-feira (25) que o Tocha Humana é o herói morto na edição número 587 da revista do Quarteto Fantástico. A vida de Johnny Storm é tirada em meio a uma enorme batalha que o roteirista Jonathan Hickman escreveu durante um ano e meio. A arte é assinada pelo ilustrador Steve Epting.

Agora, o destino dos outros heróis é incerto. Tom Brevoort, vice-presidente da Marvel, disse que a edição 588 é a última do Quarteto Fantástico. “Depois disso, não estamos prontos para dizer o que faremos. Não haverá uma edição 589.”

Imagens das capas da edição número 587 dos quadrinhos do Quarteto Fantástico, com a morte do Tocha HumanaImagens das capas da edição número 587 dos quadrinhos do Quarteto Fantástico, com a morte do Tocha Humana (Foto: AP)


Leitores se engajaram pela internet, no Twitter e em lojas de quadrinhos, debatendo sobre quem deveria morrer. “Nossos leitores se envolvem muito com as vidas dos personagens. Eles lutam junto deles, compartilham seus triunfos e quedas."

Mas essa não é a primeira morte no grupo. Sue Storm, a Mulher Invisível, supostamente morreu, mas era apenas um truque. Seu marido, Reed Richard, o Sr. Fantástico, também foi dado como morto anteriormente.

As mortes dos super-heróis, na maioria das ocasiões, se deveram a motivos monetários. A Marvel arrecada enormes quantias toda vez que iguala seus super-heróis aos simples mortais.

Entre as mortes mais famosas da história em quadrinhos esteve a do Super-Homem, cujas revistas se esgotaram em 1992 depois que ele morreu em uma briga com Apocalipse. Apesar de receber uma grande homenagem, incluindo um funeral, o super-herói não demorou a retornar aos quadrinhos.

Outra morte de destaque foi a do Capitão América, em 2007, causada por um franco-atirador. Ele morreu às portas de um tribunal, onde tinha prestado depoimento após violar uma lei antiterrorismo, mas retornou à história pouco depois.


A "revolução online" na Tunísia

Por Timothy Garton Ash em 25/1/2011

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 24/1/2011, tradução de Celso M. Paciornik; intertítulos do OI

"A Revolução Kleenex?" Acho que não. A menos, é claro, que se concorde com o presidente líbio, Muamar Kadafi. Numa denúncia pela televisão do levante popular que derrubou seu amigo ditador vizinho, ele declarou: "Mesmo vocês, meus irmãos tunisianos, vocês podem estar lendo essa conversa vazia do Kleenex na internet" (Kleenex é como Kadafi se refere ao WikiLeaks). "Qualquer imprestável, mentiroso, bêbado ou drogado pode falar na internet e vocês acreditam nele. Devemos nos tornar vítimas do Facebook, do Kleenex e do YouTube?" Ao que, como o orador é outro ditador, eu sinceramente espero que a resposta seja "sim".

Mas será? Qual a contribuição que websites, redes sociais e telefones celulares dão a movimentos de protesto populares? Haverá alguma justificativa para rotular os eventos tunisianos, como fizeram alguns, de "Revolução Twitter" ou "Revolução WikiLeaks"? O jovem ativista bielo-russo Evgeny Morozov questionou suposições preguiçosas por trás desses rótulos no livro The Net Delusion ("A ilusão da internet", em tradução livre; ver, neste Observatório, "Internet, o fim da inocência").

Morozov diverte-se ridicularizando e demolindo as visões ingenuamente otimistas que, particularmente nos EUA, parecem acompanhar o surgimento de cada nova tecnologia das comunicações. Ele mostra que alegações sobre a contribuição do Twitter e do Facebook ao movimento verde do Irã foram exageradas. Essas novas tecnologias também podem ser usadas por ditadores para observar, espionar e perseguir seus oponentes. Sobretudo, ele insiste em que a internet não suspende o funcionamento da política do poder. É a política que decide se o ditador será derrubado, como na Tunísia, ou se os blogueiros serão espancados, como na Bielo-Rússia.

Informação global

Estimados 18% da população tunisiana estão no Facebook, e o ditador negligenciou bloqueá-lo em tempo. Entre os jovens educados que foram às ruas, podemos ter certeza de que o nível de participação online foi maior.

Antes da queda de Zine al-Abidine Ben Ali, seu regime tinha investido contra os "netizens" (cidadãos da web), montando ataques virtuais a contas do Gmail e do Facebook, recolhendo senhas e listas de e-mail de supostos opositores, e depois prendendo blogueiros importantes como Slim Amamou. Isso reforça o argumento de Morozov de que a internet é uma faca de dois gumes, mas é também um tributo à importância dessas novas mídias.

Ninguém sabe o que haverá amanhã, mas até agora o levante tunisiano teve um desenvolvimento extremamente animador – em especial porque foi um movimento autêntico, genuinamente doméstico e, em grande parte, espontâneo. As tecnologias transformadas de informação e comunicações de nosso tempo jogaram um papel na existência desse levante. Elas não o causaram, mas ajudaram. Especialistas dizem que a Tunísia, com sua população pequena, relativamente homogênea, urbana, educada, e (por enquanto) moderada, formada em grande parte por islâmicos exilados, pode se tornar um farol da mudança no Magreb. Se tudo der certo, a internet e a TV via satélite espalharão as novas por todo o mundo árabe.

Então é isso, a internet fornece armas tanto ao opressor quanto ao oprimido – mas não, como Morozov parece deduzir – em igual medida. No conjunto, ela oferece mais armas ao oprimido. Creio, portanto, que a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, está certa quando identifica a liberdade de informação global em geral, e a liberdade da internet em particular, como uma das oportunidades definidoras de nosso tempo.

Gesto de simpatia

O governo americano como um todo também é profundamente inconsistente em sua abordagem da liberdade da internet. Ele recrimina a China e o Irã pelo monitoramento secreto de adversários, enquanto faz o mesmo contra os que define como traidores da segurança nacional. Ele louva a liberdade de informação global enquanto denuncia o WikiLeaks como "uma ameaça à comunidade internacional".

De novo, a Tunísia é instrutiva. Falar de uma "Revolução WikiLeaks" é tão absurdo como de uma "Revolução Twitter", mas as revelações do WikiLeaks sobre o que os EUA sabiam da corrupção do regime de Ben Ali contribuíram um pouco para o caldo de cultura que se formava na Tunísia. Assim, se Hillary Clinton quiser argumentar, como acredito que ela legitimamente pode, que a estrutura de intercâmbio global de informações iniciada pelos americanos contribuiu para o frágil renascimento da liberdade na Tunísia, então ela deveria realmente incluir um gesto de simpatia pelo WikiLeaks. Mas é pouco provável que isso aconteça.

RÁDIOS COMUNITÁRIAS - O que o ministro pode fazer

O que o ministro pode fazer

Por Dioclécio Luz em 25/1/2011

O novo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, declarou que está disposto a colaborar com as rádios comunitárias (RCs), criando uma secretaria especial para tratar do assunto. A proposta é certamente bem-vinda. E se soma à nossa esperança de que ele não faça como os seus antecessores, que enrolaram, prometeram e nada fizeram pelas RCs.

Reconheçamos, porém, que, em alguns casos, a enrolação se deu com o apoio de "entidades da sociedade civil". Por exemplo, durante a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) divulgou um pretenso "acordo" assinado com representantes do governo Lula, com possíveis conquistas para as RCs. Na verdade foi um grande blefe, uma fraude, desmascarada aqui mesmo no Observatório (ver "Um acordo ou um blefe?"). Essa mesma Abraço teria (ela nunca desmentiu isso) sido cúmplice do governo no envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei (PL) nº 4573/08, que criminaliza mais ainda a operação de rádios comunitárias sem concessão e descarta a anistia aos que foram punidos por operar rádios sem autorização.

Mas, vamos considerar que estamos inaugurando um novo tempo e que o ministro Paulo Bernardo tenha chegado com boas intenções e disposto a fazer algo pelas rádios comunitárias. É possível, Paulo Bernardo tem uma história política decente. Diante disso, trazemos algumas sugestões ao novo ministro das Comunicações no que se refere às rádios comunitárias.

Relações promíscuas com padres e pastores

Eis o que o ministro pode fazer:

1. Mudar urgentemente o primeiro e segundo escalão do Ministério. Esse grupo tem demonstrado um comprometimento histórico com as grandes redes e irá boicotar todo avanço que o ministro propuser nessa área.

2. Revisar os processos das quase 4 mil rádios outorgadas. Nossa estimativa é de que somente 10% do que foi outorgado é rádio comunitária de verdade. Considere-se que o Minicom está ciente dessa irregularidade; pior, ele é cúmplice do que está acontecendo.

3. Estabelecer norma que permita a cassação das outorgas das rádios pseudo-comunitárias, por receberem as concessões de forma espúria, ilegal, imoral. Cito como exemplo: a "rádio comunitária" da igreja católica em Copacabana (RJ), Rua Hilário Gomes, 36; a "rádio comunitária" da Casa da Benção, em Taguatinga (DF); a "rádio comunitária" Paullus FM, no município de Diamante (PB). Essas igrejas deveriam ter vergonha por se apossar – de forma ilegal! – de bens públicos. Existem centenas de rádios assim. O vergonhoso é que o Minicom seja cúmplice dessa ilegalidade e a Anatel seja omissa diante desses casos.

4. Promover inquérito administrativo para apurar e punir os envolvidos na outorga de RCs às igrejas e políticos, resultado de interferências políticas e religiosas dentro do Minicom. Tornar público o resultado desses inquéritos, revelando os nomes dos servidores públicos que mantiveram essas relações promíscuas com padres e pastores para outorgar RCs. Sobre o assunto ler o estudo publicado neste Observatório, de autoria de Venício A. Lima e Cristiano Lopes, intitulado"Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004): as autorizações de emissoras como moeda de barganha política".

Moedas de troca na bodega da política

5. Elaborar um novo Decreto regulamentando a Lei 9.612/98, das rádios comunitárias. O Decreto em vigor, nº 2.615/98, contém irregularidades e cria mais restrições do que a lei já prevê. Por exemplo, ele limita o alcance a 1 Km, estabelece uma burocracia kafkiana, cria uma dezenas de punições, não define o que é apoio cultural...

6. Promover cursos e oficinas para as rádios comunitárias, conforme prevê o artigo 20 da Lei 9.612/98. Doze anos depois de promulgada a lei consta que o Minicom não fez nada neste sentido. Isto é, o Minicom não cumpre a lei.

7. Impedir que o Minicom e a Anatel continuem com a política de exclusão para quem faz rádio comunitária. Essa é uma postura histórica. Como exemplo, podem ser citadas as Resoluções da Anatel (60/98 e 356/04) que determinam canais de operação para as RCs fora do dial. Isto é, propõe-se um gueto, um campo de concentração: se o dial de FM vai de 88 a 108 MHz, a Anatel determina que a RCs irão operar na faixa de 87,5 a 87,9 MHz.

8. Encaminhar ao Congresso Nacional uma nova proposta de lei para as RCs. Mas isso não é o suficiente; o governo tem que fazer a sua defesa. Revogar a lei em vigor – nº 9.612/98 – é uma necessidade. Ela é tão restritiva, excludente, que bem poderia ter sido assinada por Benito Mussolini.

9. Elaborar Medida Provisória (MP) anistiando as milhares de pessoas acusadas de "operar emissora sem autorização". Esta MP recuperaria o substitutivo do deputado Walter Pinheiro (PT-BA), detonado pelo governo ao encaminhar PL com o mesmo objetivo, mas com intenções nada decentes. A MP deve tocar em três pontos: 1) anistiar os que foram punidos; 2) propor nova redação ao artigo 183 da lei 9.472/97, que estabelece cadeia (2 a 4 anos) para este tipo de crime, substituindo por punição administrativa; 3) revogar o artigo 70 da lei 4.117/62, criado pelo Decreto 236/67, obra da ditadura militar que está sendo utilizada até hoje.

10. Extinguir o "banco de negócios" instalado no Palácio Planalto. Funciona do seguinte modo: processos de rádios autorizadas pelo Minicom são negociadas com parlamentares e religiões antes de serem enviadas ao Congresso Nacional; são moedas de troca na bodega da política. Claro, só andam as RCs que têm padrinhos poderosos.

Coragem será percebida quando moralizar o sistema

11. Nomear um interlocutor do Minicom para o setor. Salvo exceções, os indicados pelo Executivo até são ignorantes no tema e enrolões – prometiam o que não podiam cumprir e nunca aprenderam sobre o que é rádio comunitária. Tá na hora de se indicar alguém com o mínimo de conhecimento no assunto e o mínimo de respeito ao movimento.

Estas medidas certamente irão atrair a ira daqueles que querem manter as RCs em guetos, como os nazistas fizeram aos judeus. Eles irão procurar Paulo Bernardo e Dilma Rousseff e se posicionar contra qualquer reforma legal ou administrativa que beneficie as rádios comunitárias. O que incomoda a esses poderosos se traduz como uma questão de classe: os senhores da Casa Grande não admitem que a senzala tenha acesso a um meio de comunicação que lhe permita pensar, crescer, desenvolver, decidir sobre o seu destino. Os da Casa Grande e os da catedral querem continuar manipulando as pessoas, impedindo seu acesso aos bens e serviços que o Estado fornece ou deveria fornecer.

Os inimigos das RCs estão dentro e fora do Estado. No Estado, temos historicamente o Minicom, mas a Anatel ganha de todos no capítulo ferocidade contra as rádios comunitárias. Fora do Estado, há as grandes redes de comunicação (Globo, SBT, RBS, etc.) e as igrejas cristãs. As igrejas estão disputando quem constrói o maior latifúndio da comunicação, incluindo rádios comunitárias. A ganância, a ambição dessas religiões – católicas e protestantes – é do tamanho do deus em que acreditam.

A batalha é imensa. Paulo Bernardo está chegando agora, mas os padres e bispos estão acostumados a transitar nos palácios desde quando eles inventaram um deus e uma religião. É o ambiente do poder. Quem vai dizer não para as sete famílias da comunicação ou para o Vaticano? Padre de direita ou de esquerda, sempre teve as portas abertas, incluindo aquela onde se guardam os tesouros. A coragem de Paulo Bernardo será percebida quando ele moralizar o sistema, limpar a sujeira denunciada, e dizer não aos padres, pastores e falsos líderes sociais.