Por Gilberto Marotta
Revista História Viva, edição 85 - Novembro 2010
Historiador que pesquisou papel dos jornais na queda de Jango afirma que o debate ganha mais repercussão quando líderes com alta popularidade tentam dar continuidade a seus projetos
por Bruno Fiuza
A campanha eleitoral de 2010 foi marcada por um intenso debate entre o governo federal e alguns dos maiores meios de comunicação brasileiros. De um lado, o presidente Lula se queixou que certos veículos agiram como partidos políticos; de outro, o chefe de Estado, seu governo e seu partido foram acusados de atentar contra a liberdade de imprensa. Engana-se, porém, quem acha que essa é uma situação inédita em nossa história republicana. Lançado recentemente, o livro A rede da democracia – O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil na queda do governo Goulart, do historiador e cientista político Aloysio Castelo de Carvalho, mostra, justamente, como o embate entre o governo de João Goulart e alguns órgãos de imprensa esteve no centro do enfrentamento ideológico que levaria ao golpe militar de 1964. No intuito de situar a discussão atual em um contexto mais amplo, História Viva conversou com o pesquisador para saber o que aproxima e o que difere o embate atual dos enfrentamentos do passado entre mídia e poder no Brasil.
História Viva – As eleições presidenciais de 2010 foram marcadas por um embate entre alguns órgãos de imprensa e o governo federal. Essa é uma situação nova ou trata-se de um tema recorrente na história republicana do país?
Aloysio Castelo de Carvalho - O embate entre alguns órgãos de imprensa e o governo federal é um tema recorrente no ambiente democrático, que tem mais repercussão nos períodos eleitorais, sobretudo quando um governo com alto índice de aceitação na opinião popular pretende dar continuidade aos seus projetos. Os governos de Getúlio Vargas (1951-54), de João Goulart (1961-964) e agora o de Lula são exemplos desse tipo de conflito, no qual a imprensa de natureza privada coloca em questão decisões políticas que podem favorecer os interesses populares.
HV – A maior parte dos meios de comunicação brasileiros hoje se apresenta como intérprete imparcial e neutro da opinião pública. Isso sempre foi assim ou já houve épocas em que os veículos assumiam abertamente suas posições
políticas?
Aloysio - No período democrático de 1945 a 1964 os diversos setores da imprensa assumiam abertamente suas preferências eleitorais, diferentemente da dissimulação que ocorre hoje em dia, baseada na idéia da objetividade jornalística. Por outro lado, os atores políticos, entre eles a própria imprensa, eram muito menos comprometidos com a estabilidade democrática. O clima de radicalização e golpes era uma constante no processo político.
História Viva – As eleições presidenciais de 2010 foram marcadas por um embate entre alguns órgãos de imprensa e o governo federal. Essa é uma situação nova ou trata-se de um tema recorrente na história republicana do país?
Aloysio Castelo de Carvalho - O embate entre alguns órgãos de imprensa e o governo federal é um tema recorrente no ambiente democrático, que tem mais repercussão nos períodos eleitorais, sobretudo quando um governo com alto índice de aceitação na opinião popular pretende dar continuidade aos seus projetos. Os governos de Getúlio Vargas (1951-54), de João Goulart (1961-964) e agora o de Lula são exemplos desse tipo de conflito, no qual a imprensa de natureza privada coloca em questão decisões políticas que podem favorecer os interesses populares.
HV – A maior parte dos meios de comunicação brasileiros hoje se apresenta como intérprete imparcial e neutro da opinião pública. Isso sempre foi assim ou já houve épocas em que os veículos assumiam abertamente suas posições
políticas?
Aloysio - No período democrático de 1945 a 1964 os diversos setores da imprensa assumiam abertamente suas preferências eleitorais, diferentemente da dissimulação que ocorre hoje em dia, baseada na idéia da objetividade jornalística. Por outro lado, os atores políticos, entre eles a própria imprensa, eram muito menos comprometidos com a estabilidade democrática. O clima de radicalização e golpes era uma constante no processo político.
HV – Em seu livro, o senhor afirma que o discurso da defesa da liberdade de imprensa nem sempre é neutro, e às vezes pode ser a expressão de um determinado projeto político que historicamente orientou a maior parte dos veículos de comunicação do país. Que projeto é esse? Aloysio - A liberdade de imprensa é um dos direitos do indivíduo, já que o cidadão precisa ser informado. É uma conquista democrática manter esse direito. No passado recente no Brasil, durante a ditadura militar, perdemos parte desses direitos e foi preciso muita luta para reconquistá-los. Portanto, a liberdade de imprensa deve fazer parte de todos os projetos políticos comprometidos com a ampliação da democracia. O problema ocorre quando em nome desse direito pretende-se remover governos cujos projetos políticos são comprometidos com o questionamento da propriedade privada. Durante a administração de João Goulart não havia nenhuma restrição ao trabalho dos meios de comunicação e o governo foi submetido a uma intensa campanha em favor da liberdade de imprensa. É um paradoxo, pois a existência de uma campanha indica que havia liberdade para realizá-la. Então, o que estava em jogo não era a liberdade de imprensa, mas a questão da propriedade privada, sobretudo no campo, vinculada ao debate da reforma agrária. O governo Lula tem muito menos comprometimento com o questionamento da propriedade privada do que o governo Goulart e está sob ataque da imprensa que se vê ameaçada em sua liberdade, já que colocou em pauta o controle social da mídia. Se a liberdade de imprensa pode de fato ser ameaçada pelos governos, ela também corre riscos com o poder dos monopólios privados de comunicação, que impedem vozes e interesses de se expressarem. Adam Smith tinha menos receio do governo em relação ao funcionamento do mercado livre do que dos arranjos dos empreendedores privados voltados para controlar os preços com o objetivo de aumentarem seus lucros. HV - O senhor mostra também que, em momentos de polarização política, o discurso da imprensa liberal buscou distinguir duas formas de mobilização popular: uma legítima, da qual seria a representante, e outra ilegítima. Quais seriam essas duas formas de mobilização? O que difere uma da outra? Aloysio - Na pesquisa refiro-me a determinados setores da imprensa, em particular aos jornais O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil, definidos como liberais conservadores. Esses veículos defendiam a participação política por meio das instituições vigentes, que estavam sendo questionadas pelos setores da esquerda trabalhista e comunista, defensores de mobilizações diretas como forma de pressionar a sociedade e governo em favor das reformas sociais. Na visão liberal, essas ações são consideradas ilegítimas, pois prescindem dos debates e argumentações racionais que caracterizam as instituições parlamentares e que seriam próprios também da imprensa. As mobilizações diretas defendidas pelas esquerdas são consideradas pelos liberais formas de coação que precisam ser contidas pelo poder vigente.
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